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Plantar 'bilhões de árvores' não vai parar as mudanças climáticas

Um estudo popular afirma que reflorestamento pode consertar as mudanças climáticas, mas é verdade?
Reforestation Is Not The Most Effective Climate Change Solution, Counter to New Study's Claims
Imagem: Flickr/CIAT.

Plantar bilhões de árvores é o jeito mais eficiente de combater as mudanças climáticas. Pelo menos é isso que um estudo recente na Science afirma. As descobertas inicialmente foram comemoradas por várias matérias, mas a resposta está recebendo uma onda de críticas – de ativistas indígenas, especialistas em política e climatologistas.

O estudo estima que, atualmente, mais 0,9 bilhão de hectares de terra estão disponíveis para reflorestamento. É espaço para bilhões de novas árvores, eles disseram, que poderiam capturar 205 gigatoneladas de carbono, ou dois terços do que o Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC) estima que as emissões humanas de carbono têm sido até agora.

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Mas apenas reflorestamento não substitui uma redução radical das emissões de carbono, como até o líder do estudo, Jean-Francois Bastin, disse a Motherboard. Só porque há espaço para florestas, isso não quer dizer que a questão é simplesmente plantá-las: plantar bilhões de árvores seria um empreendimento monumental com complicações políticas, ambientais e logísticas.

O estudo em si é uma observação matemática de um tipo em potencial de solução, mas não vai além para explorar essas possíveis complicações, então a Motherboard falou com cientistas e ativistas para saber mais sobre como esse projeto gigantesco poderia se desenrolar.

Plantar bilhões de árvores é mesmo possível?

Bastin enfatizou que seu objetivo era mostrar o potencial teórico de reflorestamento da Terra. Ele disse que sua pesquisa não se traduz diretamente em ação, mas pode ser usada como um guia para pessoas e lugares em busca de reflorestamento.

“Até agora, não sabíamos o que o planeta poderia suportar fisicamente”, disse Bastin. “Estávamos tentando ter uma visão do que poderia ser alcançado, do que poderia ser suportado.”

Mesmo que o estudo não visasse prescrever soluções, muitos na mídia começaram a dizer que esforços intensos de reflorestamento impediriam as mudanças climáticas. Alguns climatologistas e especialistas em política temem que essa é uma abordagem muito simplista de uma questão global imensamente complicada, e que o otimismo ao redor de plantar árvores vai dar de cara com preocupações práticas sérias.

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Para começar, a solução não é tão fácil quanto colocar todas as árvores de volta onde as encontramos. Desmatamento em larga escala vem acontecendo há décadas no mundo todo, e Bastin apontou que precisamos levar em consideração como ecossistemas mudam com o tempo. Como parte do estudo, a equipe dele criou um mapa interativo que pode ajudar a determinar que árvores plantar e onde, garantindo que as novas florestas possam sobreviver ao clima em mutação.

Enquanto florestas estão começando a crescer de novo em alguns lugares, incluindo na Europa, ainda há desmatamento em larga escala acontecendo em muitas outras partes do mundo. Esses esforços de reflorestamento são “basicamente para nada”, disse Bastin, se não pararmos o desmatamento em lugares como o Brasil, onde a derrubada da Floresta Amazônica está aumentando em níveis alarmantes.

Muitas das terras identificadas no estudo são particulares, e convencer as pessoas a plantar árvores no quintal não é sempre fácil. Alguns governos têm instituído políticas que pagam proprietários de terra por esforços de reflorestamento, mas essas políticas introduzem seus próprios problemas, incluindo garantir crescimento florestal sustentável.

Além disso, leva muito menos tempo para cortar uma árvore do que para uma árvore atingir a maturidade. Assim que uma árvore é derrubada, ela libera todo o carbono estocado de volta na atmosfera. Mesmo se reflorestarmos, os benefícios não serão percebidos até que as árvores atinjam a maturidade, o que pode levar décadas.

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“Tudo que o estudo em si estima é o total de carbono que poderia ser removido pelo reflorestamento. Ele não diz a velocidade em que isso aconteceria, o custo, ou como você incentiva a restauração”, disse o professor de direito ambiental da UCLA Jesse Reynolds. “Se pudéssemos ignorar tudo isso, então haveria todo tipo de solução para as mudanças climáticas.”

Outros cientistas temem que as descobertas são otimistas demais. Numa postagem em seu blog, os cientistas Mark Maslin e Simon Lewis questionaram a afirmação de que reflorestamento massivo poderia realmente armazenar mais de 200 gigatoneladas de carbono, dizendo que poderia levar centenas de anos para chegar perto disso.

Zeke Hausfather, climatologista da UC Berkeley, apontou que essas estimativas representam um “potencial técnico em vez de econômico”. Ele citou um estudo anterior que estimava que, levando em conta forças econômicas, só 30% das terras que teoricamente suportam árvores podem ser realmente reflorestadas. Para complicar, ele disse que sugar o carbono da atmosfera não é tão simples quanto parece.

“Se você emite uma tonelada de carbono, cerca de metade disso continua na atmosfera. A mesma matemática se aplica a remover toneladas de carbono da atmosfera; só metade disso é removido permanentemente, enquanto mudanças nas terras e afundamento nos oceanos equilibram a outra metade”, disse Hausfather.

Esforços de reflorestamento precisam de vozes indígenas

Os autores do estudo dizem que estão começando a modificar seu trabalho para necessidades locais, fazendo parceria com a ONU para encontrar governos e organizações que podem ajudar a refinar suas projeções. Como muito do desmatamento aconteceu em terras indígenas, o reflorestamento vai precisar ocorrer ali também. Usando este mapa, as pessoas podem apoiar organizações locais que estão trabalhando para incorporar outras perspectivas, incluindo demarcação de terras indígenas e as necessidades das comunidades, disse Bastin.

O artigo não menciona diretamente comunidades indígenas que muitas vezes são exploradas pelo colonialismo ambiental e excluídas dos esforços de conservação mainstream. E enquanto os autores estão tentando abordar isso, a recepção esmagadoramente positiva de mídia disso como um conserto para as mudanças climáticas gera medos de que o plano omita vozes indígenas.

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Um reflorestamento tão extensivo “teria que ser dirigido pelas comunidades indígenas nessas áreas para ser justo”, disse BJ McManama, organizador da Indigenous Environmental Network, uma aliança de ativistas de justiça ambiental indígena dos EUA.

O ato de devolver terras e recursos roubados é apoiado por pesquisas de revisão por pares como um modelo bem-sucedido de administração ambiental. Um estudo de 2017 publicado na PNAS descobriu que demarcar terras para comunidades indígenas na amazônia peruana “pode, pelo menos a curto prazo, ajudar a proteger florestas”, e que o efeito cascata pode incluir sequestro de carbono e proteção da biodiversidade.

Mas devolver terras roubadas também é um passo vital para descolonizar um campo que em muitos países foi fundado através de expulsão racista de comunidades indígenas de seus lares. Hoje, um movimento ambiental crescente, em grande parte liderado por povos indígenas, está tentando retificar essas injustiças. Mas mesmo com ativistas preocupados com as implicações do estudo da Science, ele ter viralizado com certeza começou uma discussão importante, disse McManama.

“Enquanto o modelo aponta a quantidade de terras que poderia ser restaurada com árvores, ele não considera a atividade humana que isso vai exigir”, disse Alaka Wali, curador do Field Museum e diretor fundador do Center for Cultural Understanding and Change. “Povos indígenas serão despossuídos?”

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Alguns vieses são tão enraizados no ambientalismo que os extrair da discussão política parece impossível. A Organização das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura (FAO) define “floresta” de um jeito que mistura árvores nativas com espécies de fora. Isso permitiu a disseminação de monoculturas na África e América do Sul, que agora abrigam grandes fazendas de eucalipto e pinheiro, e causaram o despejo de famílias indígenas.

O ciclo de desigualdade continua enquanto países industrializados investem nesses projetos de plantio de árvores como créditos para compensar suas pegadas de carbono, mas continuam dependendo de combustíveis fósseis.

Numa escala menor, comunidades indígenas como a Tribo Menominee do Wisconsin estão restaurando e gerenciando florestas de um jeito que enfatiza a biodiversidade e perpetuidade. Os Menominee têm colhido madeira de 220 mil acres de florestas há 150 anos, mas garantem a resiliência dessas florestas plantando uma variedade de espécies de árvores e fazendo derrubada seletiva. “Eles estão fazendo um trabalho maravilhoso [em criar] modelos transferíveis para outras comunidades”, disse McManama. Tudo isso pode parecer desanimador, mas não é. Quase todo mundo concorda que reflorestamento é uma ferramenta incrivelmente poderosa para combater as mudanças climáticas. Além da captura de carbono, reflorestamento forneceria habitat muito necessário para muitos organismos, ajudando a retardar a atual extinção em massa causada pelos humanos. Com o nível de carbono já emitido, muitos – incluindo Bastin – concordam que precisamos combinar redução de emissões com sequestro de carbono para efetivamente retardar as mudanças climáticas.

Esse foco apenas no reflorestamento não era o objetivo do estudo, mas muita gente o recebeu assim. Reynolds compara mitigar as mudanças climáticas com investimento, dizendo que precisamos diversificar nossas soluções para reduzir riscos. Se dependermos só do reflorestamento para combater as mudanças climáticas, estamos ignorando a ameaça do aumento de emissões. Também estamos ignorando outras soluções em potencial como geoengenharia.

“Se as mudanças climáticas são um problema de gerenciamento de risco que pede muitas respostas, exagerar os benefícios de uma ou dizer que essa é 'a melhor solução climática disponível hoje' coloca um risco real de desviar atenção e recursos limitados de outras respostas possíveis”, disse Reynolds.

Matéria originalmente publicada na VICE EUA.

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