AMP Lost & Found festival 2017 crowd
O público do festival AMP Lost & Found em 2017. (Foto por Matt Eachus via RP.)

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A sutil arte de hierarquizar o lineup de festivais

Falamos como organizadores de festivais sobre por quê o tamanho da fonte do nome da banda importa tanto.

Pra mim, o destaque do documentário do Fyre Festival da Netflix não foi o cara que destruiu todas as barracas em volta da dele para não ter vizinhos, nem a cena do Evian (que é hilária). O ponto alto é quando Samuel Krost, de 22 anos, contratado para agendar os artistas e obviamente sem noção do tamanho da tarefa, está falando com um agente no telefone. Com os olhos vidrados, ele pausa e murmura, exasperado: “Tipo, é só um tamanho de fonte”.

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Ah, Sammy, meu inocente amiguinho. Para olhos destreinados, cartazes de festival — com os nomes dos MEGAASTROS no topo e que vão lentamente diminuindo até você precisar de um microscópio para ler as bandas na base — pode parecer seguir um padrão. Mas entra muita arte, ciência e ponderação, sem falar em diplomacia, no arranjo dos 50 ou 60 artistas que você vê no cartaz.

Essa obsessão com posicionamento e tamanho da fonte pode parecer ridícula, mas tem boas razões para artistas e agentes que os representam colocarem tanta importância nesses cartazes. A posição de um artista ou banda na nuvem de tags de um festival afeta como eles serão posicionados no próximo cartaz. Isso também pode influenciar coisas um pouco nebulosas, como o hype cercando o show, até questões mais tangíveis, como o preço dos ingressos e os preços de cachê que os artistas podem cobrar dos organizadores no futuro. O que torna os dias e horas antes do anúncio do lineup de um festival um período delicado: um momento onde egos e prazos colidem.

Para saber mais, falamos com alguns organizadores de festival que entendem as negociações complexas, litigiosas e tensas que entram no posicionamento dos artistas num festival, a arte do cartaz e, claro, o tamanho da fonte. Um cara responsável pela escalação disse que sua equipe mandou ele responder “sem comentários”. Para alguns, como Adam do The Great Escape em Brighton, as coisas geralmente não se mostram difíceis. Quatro outros organizadores aceitaram falar, mas três preferiram permanecer anônimos — chamamos esses responsáveis pela escalação de festivais de Organizadores X, Y e Z. Aqui vai o que eles tinham a dizer:

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“Em alguns anos, tivemos que deixar o nome dos artistas menos legíveis para poder colocá-los uma linha acima.”

“Pensamos numa mistura de coisas quando decidimos a ordem: quem mais vende ingressos em Londres e região, qual é o show mais importante para nosso público, quanto estamos pagando para a banda, quem tem mais hype no momento, quem está em ascensão e em que palcos eles vão tocar no festival.

“Temos pedidos para aumentar o espaço entre as letras do cartaz, para artistas com nomes mais curtos tomarem tanto espaço quanto artistas com nomes mais longos. Em alguns anos, tivemos que deixar o nome dos artistas menos legíveis para poder colocá-los uma linha acima. Alguns agentes também dizem que outros artistas não vão ligar de serem colocados para baixo para acomodar os artistas deles mais no alto.”

Organizador de Festival Y, Londres.

“Alguém ficou com o trabalho de trocar os nomes dos artistas nas redes sociais entre esquerda e direita todo dia.”

“Simplesmente colocamos os artistas em ordem alfabética, o que tornou a vida muito mais fácil, não precisamos falar com os agentes sobre onde colocamos a pessoa ou ter os agentes dizendo que seu artista precisava ficar mais no alto… Então quando os agentes dizem que querem que o nome esteja mais no alto, dizemos 'Desculpe, é nosso procedimento', e 99% das vezes eles não se importam.

“Com a maioria dos artistas com quem trabalhei, tivemos sorte da questão ser mais sobre com quem eles vão tocar do que a posição no cartaz. Não temos um grande destaque e essa foi uma decisão libertadora, porque não tentamos atrair todo mundo para um show – o etos aqui é que são todos iguais. Não tem 'um' grande artista.

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“Antes de anunciar os artistas, a arte do cartaz tem que ir para os agentes. Se fazemos a arte com 50 nomes, leva tempo para ter a resposta de todo mundo. Você precisa deixar as pessoas com quem você trabalha regularmente felizes. Algumas coisas se perdem na tradução e eles dizem 'Vocês não disseram que iam fazer isso', mas você sempre consegue fazer as coisas funcionarem.

“Num lugar que trabalhei muito tempo atrás, dois nomes grandes estavam no mesmo cartaz, e os agentes envolvidos não concordavam com quem deveria ser o destaque, o que é ridículo, então demos aos dois o status de destaque. Mas isso não foi suficiente e – sem mentira aqui – alguém ficou com o trabalho de trocar os nomes dos artistas nas redes sociais entre esquerda e direita todo dia. Foi ridículo.”

Organizador de Festival Z, Londres

“O Great Escape é um evento de descoberta, então podemos trabalhar com artistas de que as pessoas não ouviram falar ainda.”

“Como um evento de música nova, tentamos evitar essa conversa a qualquer preço. Agendar 500 artistas já é difícil o suficiente sem ter que trabalhar uma hierarquia. Se essa conversa surge e parece um ponto importante, pensamos em outros jeitos de dar uma exposição adicional ao artista, já que a maioria da nossa arte é em ordem alfabética.

“Quando seleciono 25 artistas para nosso vídeo de lançamento, tento colocar uma mistura de gêneros e países em vez de começar com os shows que vendem mais ingressos. O Great Escape é um evento de descoberta, então podemos trabalhar com artistas de que as pessoas não ouviram falar ainda. Nosso público confia em nós para apresentá-lo ao melhor da música nova.

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“Garantimos que todos os artistas tenham arte personalizada para compartilhar nas redes sociais. Essa arte é assinada pelo agente, empresário ou artista – e entendo a importância do posicionamento para um artista. Mas esse é um pesadelo que tento evitar a qualquer custo.”

Adam Ryan, The Great Escape

“Quase chorei quando descobri que os dois artistas em questão tinham o mesmo empresário.”

“Além dos destaques, não concordamos com o posicionamento dos artistas no cartaz com antecedência. O que é meio ridículo quando você penas na dor de cabeça que isso pode causar mais pra frente. Mas acho que o trabalho aqui é agendar o artista para o festival, e não queremos abrir essa caixa de Pandora nesse ponto…

“O que faria sentido seria agendar com base nos shows que mais venderam ingresso na região. Mas isso voa pela janela quando você está lidando com um artista com ascensão meteórica versus uma banda icônica que existe há décadas, e cuja importância pode ter caído um pouco mas eles se recusam a aceitar.

“Na verdade poucos artistas têm uma cláusula de aprovação em seus contratos. Mas aprendi a me poupar de dores de cabeça de última hora, e mando o cartaz para os maiores egos, desculpa, AGENTES, o mais cedo possível. É preferível passar alguns dias indo e voltando sobre o posicionamento e conseguir uma aprovação de maneira relaxada, do que ter só minutos para decidir se toda a sua campanha de marketing cuidadosamente pensada, cara e meticulosa deve ser jogada no lixo e replanejada, só porque alguém não gostou de como seu nome ficou no cartaz.

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“Mas isso ainda acontece. Já nos pediram para produzir duas versões da arte com dois destaques diferentes no primeiro posto – que 'trocavam' de lugar no site e nos anúncios na mídia. Também teve uma vez em que dois artistas estavam brigando sobre o posicionamento, se recusando a aparecer depois do outro. Quase chorei quando descobri que os dois artistas em questão tinham o mesmo empresário. Eles estavam literalmente brigando entre si! Às vezes acabo no meio de uma discussão entre dois artistas que simplesmente não se gostam e querem ser percebidos como mais importante que o outro.

“Devo acrescentar que os agentes querem o melhor possível para seus artistas. Percepção é importante para músicos e o posicionamento deles num cartaz pode afetar sutilmente as coisas para eles, como nos preços dos ingressos e nas taxas que eles cobram dos promoters no futuro.”

Organizador de Festival X, Londres



“Se você é transparente na hora de fechar o acordo, vai ter menos problemas nesse estágio.”

“Geralmente, você e o agente vão ter uma ideia similar do status do artista levando em conta o resto do lineup como um todo, como parte das discussões preliminares onde você faz sua oferta. A parte complicada é lidar com artistas que acreditam que deveriam receber uma posição mais alta que artistas que você vê como iguais a eles ou que têm mais peso.

“Em termos de posicionamento, o conceito do status do artista é meio quantificável – você pode usar medidas como fluxos de mercado, vendas de ingressos, etc. A vendabilidade de um artista obviamente é um grande fator, mas não é tudo quando se trata do posicionamento. Maior prestígio ou artistas de nicho devem receber um posicionamento mais alto do que seu valor como destaque autônomo, por exemplo, mas tem tudo a ver com a 'curadoria' geral e como eles se encaixam no conceito do seu evento.

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“Quando se trata da arte para o cartaz principal, no final das contas esse é o conceito do organizador, então você não deveria ter que pedir 'aprovação' do design, mas, para o posicionamento, os artistas no topo geralmente querem dar sua aprovação. Mas, geralmente, se você é transparente na hora de fechar o acordo, vai ter menos problemas nesse estágio.”

Chris Tyler, Liverpool Music Week Festival

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Matéria originalmente publicada no Noisey UK.

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