Lixo-O-Rama: tunando guitarras lixo

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Lixo-O-Rama: tunando guitarras lixo

O Daniel Ete, do Muzzarelas, e o luthier Tomás Peres criaram um projeto para customizar e restaurar guitas de baixo custo/qualidade duvidosa.

Quem comprava revistinha de cifra nos anos 1980 e 1990 deve se lembrar que, além de aprender a tocar errado algumas das principais músicas da época, as publicações vinham carregadas de anúncios de guitarras. Mas nada de Gibson ou Fender. As marcas disponíveis para o guitar hero nacioneba eram Tonante, Giannini, Jennifer, Eagle, Dolphin e outros nomes menos gloriosos.

Bem mais acessíveis que as guitarronas importadas, essas marcas eram motivo de piada por supostamente apresentarem qualidade duvidosa. E quase sempre elas acabavam ficando de lado depois de algum tempo. Algumas delas, porém, foram enterradas no cemitério maldito das guitarras e voltaram alteradas, assustadoras e monstruosas. Os coveiros de toda essa podreira são o baixista Daniel Ete, da clássica banda campineira Os Muzzarelas, e o luthier Tomás Peres, também da cidade paulista. Os caras criaram as guitarras Lixo-O-Rama, um projeto no qual eles restauram e customizam algumas das guitarras mais bosta a fazer barulho neste mundo louco — sempre das marcas mais modestas.

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“Como estamos no meio, muitos instrumentos ‘aparecem’ pra nós. É gente que chega para bater rolo ou vender. Algumas foram compradas em brechó. Outros já eram nossas de muito tempo. Outras foram amigos que trouxeram”, conta Peres.

Parte do cemitério maldito: Tagima Stratocaster, Golden Stratocaster, baixão Eagle Precision, Phoenix SG e Washburn Lyon. Foto: Pedro Ferrarezzi/VICE

Para quem não sabe, Ete também é um artista visual, que espalha caveiras, zumbis e monstros gosmentos e ultracoloridos por onde quer que passe. Se você está no rolê musical, é grande a chance de já ter trombado com a arte dele por aí. Então, o trampo fica dividido assim: o Tomás bota as guitarras para funcionar de novo, arrumando braço, ponte, parte elétrica e outras peças (além de raspar e envernizar a madeira). Já o Ete fica responsável pela criação e execução das artes. Até agora, oito guitarras e um baixão já foram desgraçados pela dupla — é um processo que pode demorar até dois meses por instrumento para ser completado.

Tomás. Foto: Pedro Ferrarezzi/VICE

Ete. Foto: Pedro Ferrarezzi/VICE

Apesar do projeto ter engrenado apenas em 2015, a sua gênese foi em 2006, quando o guitarrista dos Muzzarelas, Flávio Urbano, recorreu a dupla para modificar a sua Charvel — o lance era ter uma pintura com algo relacionado à banda. Nove anos depois, Peres e Ete se uniram novamente para alterar uma strato Washburn Lyon, que seria entregue de presente a um amigo de longa data do luthier. E não pararam mais.

A parte da pintura é a garantia de que o instrumento será único, pois os desenhos nunca são repetidos. E eles podem mudar bastante de acordo com o modelo da guitarra. “Os desenhos dependem bastante do modelo e formato das guitarras e do espaço disponível. Tem que já imaginar a guita montada e onde as peças da guita vão interagir com o desenho. Se for uma guita mais garagenta, tipo a Sonic que acabamos de fazer, o desenho segue nessa onda. Se for algo com um design mais oitentão, aí cai para o lado Troma ou Tartarugas Ninja”, explica Ete. Ele faz referência à produtora americana Troma Entertainment, um dos ícones da estética trash vigente na segunda metade dos anos 80.

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Foto: Pedro Ferrarezzi/VICE

Foto: Pedro Ferrarezzi/VICE

Detalhes de caveiras e mordida no headstock no modelo batizado de "Strato Gore". Foto: Pedro Ferrarezzi/VICE

Em 2018, os dois planejam expor mais o trabalho — até hoje isso ocorreu apenas uma vez, no último mês de outubro, em um rolê em Campinas. Mais da metade das lixoramas está na oficina de Peres, no centro da cidade. Apenas quatro estão com seus donos, normalmente gente das bandas locais, como Eduardo Machado (Aquëles) e Marcos Leijoto (Porradaria Solicitada). Mais três estão na fila para sofrerem intervenções, incluindo uma Tonante usada em 1988 por Ete com a sua primeira banda, a Víscera.

Durante a customização, é comum que eles usem no mesmo instrumento peças de guitarras diferentes, como tarrachas e ponte, o que dá origem a alguns franksteins de seis cordas. Para isso, a dupla mantém um pequeno acervo/lixão, que inclui até corpos inteiros de algumas guitarras. Na maior parte dos casos, a arte é feita com tinta acrílica, mas também já teve spray na parada.

“Teve uma que o dono pediu para que usássemos uma rapinha de poeira de maconha. Tinha tudo a ver com a arte e o dono da guitarra. Jogamos a poeira sobre a parte verde do desenho e o Tomás envernizou a parada”, conta Ete. “Mas que o que tem lá não é suficiente para enquadrar o dono da guita, caso algum gambé estiver lendo essa entrevista.”

O modelo "Good Vibes" leva uma poeirinha de maconha envernizada na arte. Foto: Pedro Ferrarezzi/VICE

Se você curtiu a ideia e quiser lixo-o-ramizar sua guita, a dupla está à disposição. Pela customização, o trabalho sai por R$ 1.000. As peças extras, caso você queira turbinar alguns elementos do instrumento, como captadores, não estão inclusas. A maioria dos instrumentos que aparecem nesta reportagem também está à venda. Uma coisa é garantida: esses monstros vão fazer mais presença do que aquela Fender mexicana vinda de Miami que você conseguiu que passasse despercebida pela alfândega brasileira.

A customização também rola na parte de trás dos instrumentos; no detalhe o baixão "Máquina Infernal". Foto: Pedro Ferrarezzi/VICE

Tomás Peres ressuscitando mais uma guitarra lixo em sua oficina no centro de Campinas. Foto: Pedro Ferrarezzi/VICE

Restaurado há quase 10 anos, baixão sem marca serviu como protótipo para dupla. Foto: Pedro Ferrarezzi/VICE

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