Ex-morador de Paracatu de Baixo, o agricultor Marino D’Angelo, de 49 anos, vive numa espécie de limbo desde o rompimento da barragem de Fundão, em Mariana, Minas Gerais, há três anos. “Uma das coisas que mais angustia é viver essa situação sem saber quando vai terminar”, conta à VICE. “Vivemos no tempo da Samarco… Não invisto em melhorias no sítio onde moro porque não sei quanto tempo vou ficar.”Líder comunitário, D’Angelo perdeu o local onde produzia cerca de 1.000 litros de leite por dia, o que mantinha a renda da família. “Nós - da população de Paracatu, Gesteira, etc - fomos sofrendo um empobrecimento forçado. Eu mesmo nunca devi nada e em 2017 me vi inadimplente”, diz ele, que morou 30 anos na parte de baixo da comunidade, próxima ao rio Gualaxo do Norte, afirmando ainda que tinha vergonha de se reconhecer como atingido pela tragédia com receio de ser visto como aproveitador. “Até que entendi que atingido é aquele cuja lama atingiu a vida, não somente a casa.”
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Em 5 de novembro de 2015, mais de 40 bilhões de litros de lama contaminada com rejeitos da mineração de ferro da Samarco estouraram da barragem de Fundão, destruindo quase completamente os distritos de Mariana de Bento Rodrigues e Paracatu de Baixo, e Gesteira, já na cidade de Barra Longa, única atingida no centro. Outros distritos foram atingidos ao longo de toda a bacia do rio Doce, o que levou a mineradora controlada pela Vale e pela anglo-australiana BHP Billiton a registrarem mais de 25 mil pessoas atingidas.
Segundo a fundação Renova, criada em 2016 para gerenciar o processo de recuperação socioambiental do território atingido, são 11 mil famílias que recebem Auxílio Financeiro Emergencial, um cartão que paga mensalmente um salário mínimo, uma cesta básica (aproximadamente R$ 300) e 20% de um salário mínimo por dependente. Quem produzia alimento para si ou para venda, reclama. “Sempre colhi minhas verduras, só fui aprender a comprar nos últimos anos, e não é a mesma qualidade ou quantidade com o valor que recebemos”, diz Terezinha Quintão, de 52 anos.A Fundação Renova diz que não iniciou as indenizações na região de Mariana antes de chegar a um acordo na Ação Civil Pública, que só foi celebrado em 2 de outubro deste ano. Nas outras cidades, 421 famílias receberam antecipações de indenização, que somam mais de R$ 16 milhões.A psicóloga da organização Médicos Sem Fronteiras Débora Noal resume a situação: “O desastre dura enquanto durar o sofrimento das pessoas afetadas por ele”. Depois de três anos do rompimento da barragem de Fundão, da Samarco, o reparo dos danos está longe de acabar.
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Desde 2015, quando ocorreu a tragédia, foram aplicadas 64 multas à Samarco pela Ibama e pelos órgãos de meio ambiente de Minas Gerais e Espírito Santo, totalizando mais de R$ 534 milhões. A Samarco recorre de 63 delas na Justiça, que deu ganho de causa à empresa em três delas, anulando as punições. Apenas uma dela está sendo paga atualmente ao governo de MG, parcelada em 60 vezes, das quais sete haviam sido pagas até setembro, segundo a Semad (Secretaria de Estado de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável). Em nota enviada por meio de sua assessoria de imprensa, a Samarco afirma que “iniciou o pagamento da multa de R$ 134 milhões Semad, tendo quitado a entrada e mais 15 parcelas, no total de R$ 36 milhões”. A nota diz também que há aspectos técnicos e jurídicos nas decisões das demais multas que precisam ser reavaliados.O ‘tsunami de lama’ que varreu a calha do rio Gualaxo do Norte deixou 19 mortos (15 funcionários que trabalhavam aos pés da barragem, que passava por obras para reforço) e quatro moradores de Bento Rodrigues, comunidade que virou símbolo da tragédia. Uma grávida de três meses perdeu o bebê após ser carregada por cerca 1,5 km e reclama o reconhecimento da 20ª vítima do desastre. Vinte e uma pessoas foram acusadas de homicídio com dolo eventual por conta das mortes: dois executivos das mineradoras BHP Billinton e Vale, donas da Samarco, e outros 19 funcionários das empresas. Passados três anos, nenhum deles foi preso. E a Justiça ameaça tornar mais leve a pena de quem for condenado. Em 9 de outubro deste ano, um dos réus teve a acusação alterada de homicídio para inundação com resultado morte. A pena, que no primeiro caso vai de 12 a 30 anos, baixaria para no máximo 8 anos.
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À espera de novas moradias
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O Gualaxo do Norte, rio que passa próximo de Bento Rodrigues e banha comunidades como Ponte do Gama, Paracatu de Baixo, Gesteira e ainda a cidade de Barra Longa, foi calha para a enxurrada de lama. Hoje, ao longo das suas margens e de córregos afluente foram plantadas 15 espécies de capim e arbustos de rápido crescimento e adaptáveis a solos com pouca penetração de água. Sua função é conter que a lama acumulada na calha do rio chegue às suas águas, o que não tem sido possível nos meses de maior incidência de chuva. Segundo levantamento feito pela Semad com coleta em dezembro de 2017, os parâmetros de turbidez e sólidos em suspensão apresentaram valores acima da média ao longo de todo o rio Doce”.O relatório afirma ainda que em diferentes pontos da bacia metais como manganês, alumínio, ferro e chumbo tiveram grande alta nos meses mais chuvosos. Esse último metal, que caso consumido pode afetar severamente as funções cerebrais, sangue, rins, sistema digestivo e reprodutor, inclusive com possibilidade de produzir mutações genéticas em descendentes, teve um pico logo após a tragédia, superando em muitas vezes o limite proposto pelo Ibama.
A Renova, no entanto, diverge de resultados independentes e diz que “os níveis de turbidez, oxigênio e pH nos rios Doce, do Carmo e Gualaxo do Norte estão dentro dos limites estabelecidos pelo Conama (Conselho Nacional do Meio Ambiente)”. A fundação reconhece, no entanto, a maior concentração de contaminantes na época chuvosa: “Entre os meses de novembro/17 a janeiro/18, foram registradas violações dos limites legais para o ferro dissolvido e manganês total nos três rios monitorados, alumínio dissolvido nos rios Carmo e Doce, zinco total e chumbo total somente no rio Doce e arsênio total somente no rio Gualaxo do Norte”, afirma a nota.
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Por dez anos, a empresa deverá fazer o controle de 80 indicadores dos rios impactados em 92 pontos, incluindo a foz, em Regência, no Espírito Santo, e a zona costeira.Na semana que antecedeu os três anos do desastre foram organizados cerimônias e seminários para que o maior desastre socioambiental do país não caia no esquecimento. Os atingidos presentes reforçaram uma frase usada em outros contextos pelo país: “Luto para nós é, além de substantivo, verbo”.
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