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Os Tribunais do Irã Continuam Culpando as Vítimas de Estupro

Rayhaneh Jabbari, uma mulher de 26 anos de Teerã, devia ser enforcada na semana retrasada por matar seu agressor em legítima defesa. No entanto, depois de muita pressão dos grupos de direitos humanos iranianos, a Suprema Corte está revendo o caso dela.

Rayhaneh Jabbari.

Uma iraniana pode ser condenada à execução pública pelo crime mais hediondo de todos: defender-se de um estuprador.

Rayhaneh Jabbari, uma mulher de 26 anos de Teerã, devia ser enforcada na semana retrasada por matar seu agressor em legítima defesa. No entanto, depois de muita pressão dos grupos de direitos humanos iranianos, a Suprema Corte está revendo o caso dela

Rayhaneh, que era decoradora de interiores antes de ser presa, tinha 19 anos quando Morteza Abdolali Sarbandi – um ex-agente da inteligência e, na época, um alto oficial do governo do Irã – a convidou para ir à sua casa com o intuito de discutir um projeto de decoração. Chegando lá, ofereceram a ela um suco de frutas – que mais tarde a perícia confirmou conter sedativos – que ela se recusou a beber. Depois de bloquear vários avanços sexuais agressivos, ela pegou uma faca em sua bolsa e apunhalou Sarbandi no ombro num “ato de legítima defesa”. O agressor morreu de hemorragia.

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E mesmo que o caso de Rayhaneh esteja sendo revisto, muitos defensores acham que isso não será suficiente para salvar sua vida – apesar de os advogados da família Sarbandi terem mudado sua versão da história ao longo do julgamento. Por exemplo, a faca que Jabbari usou passou a “ter” meio metro de comprimento, bem maior do que os 15 centímetros originais, e o suco de frutas aparentemente continha laxativos em vez de sedativos, mesmo que a perícia tenha provado o contrário.

Muitos também acreditam que as autoridades estão tentando extrair uma confissão de Rayhaneh. Obter informações por meio de tortura é ilegal no Irã, mas às vezes o governo faz vista grossa para esse tipo de ação. Isso também é uma tática testada ao longo do tempo, usada durante os primórdios da República Islâmica, quando dissidentes do estado – especialmente socialistas – eram forçados a admitir que eram traidores antes de serem executados.

De acordo com a ativista anglo-iraniana Maryam Namazie, Rayhaneh passou muitos anos de sua prisão na solitária, onde ela diz ter “passado por interrogatórios brutais, abuso físico e sido pressionada pelos carcereiros a confessar falsamente o assassinato de Morteza por razões políticas”. Namazie acrescenta que, apesar de tudo isso, Rayhaneh “manteve-se firme e continuou alegando que agiu em legítima defesa”.

Claro, alegar inocência não garante a libertação de ninguém em lugar nenhum, então, não há razões para que isso aconteça numa situação na qual as chances já se acumulam contra a ré. Apesar de todas as provas apresentadas no tribunal – incluindo mensagens de texto que mostram que não havia relação pessoal entre Rayhaneh e Morteza – as autoridades ainda estão inclinadas a culpá-la pela história.

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Muitas ativistas pelos direitos das mulheres culpam o sistema judiciário “medieval” do país, que elas acreditam favorecer as opiniões dos homens, o que frequentemente resulta na responsabilização da vítima.

Ao conversar comigo por Skype, a ativista pelos direitos das mulheres e advogada Arifa (que não quis ter seu nome completo publicado por razões de segurança) disse que o tratamento dado a Rayhaneh é similar ao que muitas mulheres iranianas podem esperar ao denunciar um estupro. “Tenho visto muitos casos como esse, mas os oficiais iranianos não querem falar sobre isso”, ela me disse. “Eles gostam de dizer que punem homens por estupro, ou homens que se entregam a atividades sexuais antirreligiosas. Mas, na verdade, os homens conseguem se safar disso com bastante facilidade.”

Por todos os casos que ela leu a respeito ou defendeu, Arifa conclui que essa vantagem dos homens vem da maneira como os juízes iranianos examinam os casos de estupro. “Juízes, a polícia e políticos olham primeiro para a mulher – para o comportamento dela”, ela explicou. “Se eles veem que a mulher usa roupas largas ou coloridas – ou um véu que mostre um pouco do cabelo – eles dizem que ela estava pedindo para ser estuprada. O que dificulta a defesa das mulheres, e é por isso que as punições por estupro são tão baixas; quase nenhum estuprador é mandado para a cadeia. Isso, porque cada vez menos mulheres estão denunciando os crimes.”

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Além de justiça pelos próprios ataques, também é difícil que as mulheres consigam um tratamento justo quando são levadas ao tribunal para se defenderem contra seus agressores. Segundo o código penal do Irã, as mulheres que afirmam ter agido em legítima defesa têm que provar que usaram um nível de força “apropriado” para o ataque, e que a força física foi usada como “último recurso”. Claro, como isso é impossível de se provar de maneira conclusiva, a maioria das mulheres corajosas o suficiente para entrar nessa situação acabam perdendo; de acordo com Arifa, foram menos de cinco casos em mais de dez anos em que declarar legítima defesa realmente funcionou.

A história de Rayhaneh não é incomum – as iranianas vítimas de estupro são, com frequência, sujeiras a mais punições depois do sofrimento inicial. Por exemplo, em 2005, Afsaneh Nowrouzi – uma mulher de 34 anos – foi sentenciada à morte depois de matar um oficial de alto escalão da polícia que tentou estuprá-la. Depois de sete anos numa das prisões mais severas do país, onde ela era espancada, torturada com spray de pimenta e deixada sem comida por dias, ela, por fim, foi libertada –  mas só porque a família do policial concedeu o perdão.

Mesmo hoje, apesar de o Irã estar melhorando gradualmente no que diz respeito aos direitos das mulheres, o número de crimes de abuso sexual não é contabilizado. E como o Irã não publica nenhum tipo de registro sobre prisões, ninguém sabe quantos casos de estupro foram registrados ou quantos estupradores foram presos.

Isso, claro, é uma questão importante e que precisa ser confrontada. Mas agora, uma mulher continua no corredor da morte por matar inadvertidamente matar um homem que tentou atacá-la sexualmente – um caso que, em muitos países, seria rotulado como homicídio justificado.

@Hkesvani