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Uma Entrevista com F. Gary Gray, o Diretor de 'Straight Outta Compton'

“Não dá para jogar 'N.W.A.' no Google e encontrar esses detalhes. Não dá para experimentar a irmandade que você experimenta no filme lendo a Wikipédia.”
Imagem cortesia da Universal.

F. Gary Gray tinha apenas 23 anos quando dirigiu o fantástico videoclipe literal de "It Was a Good Day", do Ice Cube, em 1993. Esse estilo ensolarado e simples se transferiu perfeitamente para seu filme de estreia, Sexta-feira em Apuros (1995), que Cube coescreveu e estrelou como o contraponto mais sério para o traficante engraçado de Chris Tucker. Sexta-feira em Apuros logo se tornou um clássico Cult; assim, Gray passou as duas décadas seguintes juntando uma impressionante obra de cinema de ação, do thriller de assalto a banco Até as Últimas Consequências (1996) até o remake divertido Uma Saída de Mestre (2003), além do brutal filme de justiceiro Código de Conduta (2009).

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O novo projeto de Gray é Straight Outta Compton, uma cinebiografia do N.W.A., o controverso grupo de rap de LA formado por Dr. Dre, Ice Cube, Eazy-E, MC Ren e DJ Yella. O filme acompanha as origens desse time no final dos anos 80, os primeiros sucessos – a turbulência e o drama dada a duplicidade financeira do empresário Jerry Heller – e conclui com a morte prematura de Eazy-E, em 1995.

Essa obra é um drama arrebatador que navega entre humor, forças emocionais e visão sociopolítica, mesmo que seu charme não se estenda ao retrato de mulheres – fora a mãe de Dre e a esposa de Eazy-E –, que aparecem apenas como colírios em pouca roupa.

A honestidade do filme é clara. Ele foi produzido por Ice Cube, Dr. Dre e a viúva de Eazy-E, Tomica Woods-Wright; além disso, ele apresenta o filho de Cube, O'Shea Jackson Jr., como o pai. A afinidade de Gray com os temas também fica evidente, já que ele também filmou os clipes "Natural Born Killas" (1994), de Cube e Dre, e "Keep Their Heads Ringin", de Dre.

Por telefone, falei com Gray, que mora em Los Angeles, para saber mais sobre o filme.

VICE: Esse deve ser um projeto de vida para você. Como você se sentiu vendo o filme sair agora?
F. Gary Gray: Conheço o Cube desde o começo da minha carreira como diretor, e agora esse círculo se fechou. Para mim, poder contar a história do N.W.A. e de suas vidas – a ascensão, a queda e a ascensão novamente – é o filme de uma vida. Cresci em LA naquela época; então, testemunhei e experimentei muitas das coisas sobre as quais eles cantavam. Muitos dos elementos da história cruzam com a minha vida de maneiras que nunca cruzaram nos outros filmes que dirigi.

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Fiquei impressionado com a escala do filme. Quando vi o tempo de duração (150 minutos), fiquei,tipo, "Uau, OK". Já vimos durações assim em filmes como Os Bons Companheiros e Boogie Nights, mas essa é a primeira cinebiografia de rap nessa verve. Isso é importante.
Sabe, nunca pensei nisso assim. Porém, agora que você falou, acho que é mesmo o primeiro. [Essa escala] é importante. Eu poderia fazer três filmes sobre a história do N.W.A. Não pensei muito na duração porque tudo no filme, creio eu, é intrigante e atraente. Você aprende muito, você ri, você chora. Tivemos um feedback muito bom de todo tipo de gente.

"Não dá para jogar 'N.W.A.' no Google e encontrar esses detalhes. Não dá para experimentar a irmandade que você experimenta no filme lendo a Wikipédia." – F. Gary Gray

A duração da história se justifica totalmente. É ótimo ver um filme que dê tempo suficiente para a história se desenrolar.
Talvez a gente faça uma versão do diretor ainda mais longa [risos]. Vamos ver, mas estou feliz com a natureza épica do filme. Essa é uma história épica. Isso vai muito além do grupo e da música que ele criou. É algo relevante criativa e artisticamente. É… [pausa] uma grande história. Desculpe, me emocionei porque isso é muito importante para mim em vários níveis. Mas é uma grande história.

O que você fez é bastante radical. O filme reverte a narrativa da mídia dos caras como bandidos e agitadores. É complicado – porque eles eram homens sérios, cujo trabalho foi informado por eventos sérios, mas também tinham uma persona agressiva que eles projetavam deliberadamente. Seu filme leva além daquela persona, vai para dentro da vida deles.
Com certeza. Há uma humanidade na história que você normalmente não veria associada a esse gênero musical. Isso era importante para mim. Eu queria mostrar os caras atrás das faixas, atrás das letras e das batidas, mostrá-los como seres humanos. É isso que torna o filme especial: não dá para jogar "N.W.A." no Google e encontrar esses detalhes. Não dá para experimentar a irmandade que você experimenta no filme lendo a Wikipédia. É fácil desprezar esses caras como rappers de rua polêmicos. No entanto, quando você experimenta a irmandade e os laços de família que os uniam, e a motivação por trás da música, você não consegue deixar de ter uma outra visão do N.W.A.

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Imagem cortesia da Universal.

E o filme é muito leve em algumas partes – acho que esse elemento pode surpreender as pessoas. Teve muitas risadas na sessão a que assisti. Quão importante era incluir humor?
Bom, cresci num ambiente e numa época perigosos, mas havia muitos momentos engraçados, sabe? Meu primeiro filme foi Sexta-feira em Apuros, um filme engraçado sobre traficantes de maconha. Você sempre vê isso nos meus filmes: um certo tipo de humor que ajuda o drama. Esses são garotos que se uniram, que falavam o que pensavam e do que amavam, [falavam] sobre coisas que afetavam as vidas deles. Mesmo da perspectiva deles, quando você escuta os discos, muita coisa é engraçada. O filme segue a mesma linha, e você tem uma visão da autenticidade, do humor e da dor. São as coisas que você experimenta quando ouve Straight Outta Compton.

"Eu queria que isso fosse real e autêntico em vez de apenas uma comédia." – F. Gary Gray

O filme não pega leve na hora de retratar a violência policial. Você usa a história do espancamento de Rodney King pela polícia em 1991, a absolvição dos policiais e as revoltas subsequentes em LA. Infelizmente, esse ainda é um grande tópico hoje em dia. Assisti ao filme no mesmo dia em que ouvi sobre o caso de Sam DuBose em Cincinnati e alguns dias depois da loucura com Sandra Bland e aquele policial no Texas. Nesse sentido, Straight Outta Compton não parece ser de um período específico…
Não sabíamos que isso ia coincidir com todas essas manchetes sobre brutalidade policial. Estou envolvido nesse filme há quatro anos, e essas não eram as manchetes na época. Quando finalmente terminamos o filme e essas histórias começaram a aparecer… você se sente mal sobre isso. Eu queria poder dizer: "Lembra quando essas coisas aconteciam e que agora não acontecem mais?".

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Infelizmente, parece que, quanto mais as coisas mudam, mais continuam as mesmas. Tenho dito muito isso ultimamente, e espero que essas manchetes pressionem as pessoas para mudar as coisas – nossos legisladores, nossos líderes. As autoridades tendem a agir assim, ou nossa cultura [tende], em que esse tipo de coisa é esquecida. No entanto, acho que eles vão sentir a pressão. Agora, toda vez que coisas assim acontecerem, isso não vai ser varrido para debaixo do tapete como era no passado.

Imagem cortesia da Universal.

Sobre o tom dessa obra, você joga limpo: ela é muito respeitosa com os caras – e, apesar do humor, ela é dramática e até imponente. Straight Outta Compton pode ser o primeiro filme de um segundo ciclo de filmes sobre aquela era? Porque tínhamos películas como CB4 (1993) e Fear of a Black Hat (1994), que faziam uma paródia do gangsta rap. Como você se sente sobre esses filmes?
Não me lembro deles, mas lembro quando eles saíram. Lembro que eram paródias, o que te coloca em alerta até certo ponto. Se você faz um filme assim, há muitas maneiras de errar. É fácil não levar essa história a sério e ver isso como uma paródia dos anos 80 ou desse grupo. Eu queria que isso fosse real e autêntico em vez de apenas uma comédia.

Fiquei muito grato por ter Dre, Cube, Yella e Ren por perto para ajudar com os detalhes. A viúva de Eazy, Tomica, também ajudou nisso. O grupo envolvido (os técnicos, minha equipe), nós fizemos esse filme juntos – e você sente o peso e a importância da história e do grupo.

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O figurino é incrível também. Você pode falar um pouco sobre isso?
Nossa figurinista, Kelli Jones, trabalhou em Sons of Anarchy; logo, estava acostumada a trabalhar com esse tipo de subcultura. Ela conseguiu individualizar cada personagem e cobrir a progressão quando eles começaram a ganhar dinheiro. Quando você tem cinco caras que moravam em Los Angeles e que não eram escravos da moda… achar um jeito de individualizá-los e ajudar a contar a história com o figurino era realmente um desafio. E ela se destacou – acho que ela merece uma indicação ao Oscar por isso.

No Noisey: Assista a um trailer exclusivo de Straight Outta Compton

Parece que tem uma coisa acontecendo na cultura com o rap da Costa Oeste. Notei isso em Dope, que se passa em Inglewood, cujo personagem principal escreve sua tese sobre a letra de Cube em "It Was a Good Day", o clipe que você dirigiu. Você vê seu filme como parte de um revival da Costa Oeste?
Não penso nesses termos. Ouvi dizer que Dope era legal… [mas] fiquei tão imerso no mundo do N.W.A. que não tive a oportunidade de ver o filme. Eu me concentro no que está acontecendo para fazer uma boa história. Sei que isso parece clichê, mas para mim essa é uma história universal. Se você mora em LA, Nova York, Suécia, não importa, você vai se identificar com algumas das coisas universais nas quais tocamos.

Straight Outta Compton estreia nos EUA no dia 18 de agosto.

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Tradução: Marina Schnoor