De Marechal Deodoro a Dilma Rousseff: Como Viemos Parar Aqui

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De Marechal Deodoro a Dilma Rousseff: Como Viemos Parar Aqui

Da queda de Dom Pedro II à ascensão de Dilma Rousseff, os principais trechos dessa longa e acidentada estrada, cheia de remendos e pedágios, na qual sobrevivemos a inúmeras derrapagens democráticas e colisões ditatoriais até chegar no que temos hoje.

Listamos alguns dos mais de 30 caras - e uma mina - que passaram pela Presidência em 125 anos de República. Da queda de Dom Pedro II à ascensão de Dilma Rousseff, montamos aqui os principais trechos dessa longa e acidentada estrada, cheia de remendos e pedágios, na qual sobrevivemos a inúmeras derrapagens democráticas e colisões ditatoriais até chegar no que temos hoje.

Deodoro da Fonseca (1889-1891) - Ostenta o duplo título de primeiro e mais barbudo dos presidentes. Militar, filho de militar e irmão de sete outros militares, só não teve filho militar porque, dizem, era estéril. Chegou ao poder por um golpe de Estado que depôs D. Pedro II, o último monarca do Brasil, de quem era amigo pessoal. Foi com Deodoro e a Proclamação da República que o Brasil ganhou a bandeira nacional tal como a conhecemos hoje. Foi com ele também que, dizem alguns historiadores, ganhamos nossa primeira ditadura militar. Dois anos após assumir, Deodoro promulgou a primeira Constituição da República e convocou a primeira eleição presidencial (indireta), vencidas por ele mesmo, com 129 votos dos congressistas. Pouco tempo depois, sem apoio parlamentar, dissolveu o Congresso, censurou jornais e elevou a tensão no país, até que seus colegas de armas ameaçaram bombardear o Rio de Janeiro com um navio de guerra caso o presidente não renunciasse. Deodoro foi deposto, dando lugar a outro militar, o também marechal Floriano Peixoto.

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Floriano Peixoto (1891-1894)

Prudente de Moraes (1894-1898) - Antecipou em 120 anos o visual hipster e foi o primeiro presidente da República civil eleito pelo voto direto (276 mil votos). Foi monarquista durante a monarquia, mas isso não o impediu de assumir a Presidência na República, antecipando em um século o movimento adesista que ficaria famoso em nossa geração com o PMDB de Renan Calheiros e companhia. Prudente sufocou um bocado de revoltas, entre elas a de Canudos. Quando comemorava a vitória com as tropas, sofreu um atentado no Rio de Janeiro. A arma não disparou, mas o autor do ataque puxou uma peixeira e, na refrega, acabou matando o então ministro da Guerra, Marechal Bittencourt.

Campos Sales (1898-1902)

Rodrigues Alves (1902 - 1906)- Se você acha que o PSDB de Fernando Henrique Cardoso inaugurou nos anos 90 a história das reeleições, está enganado. O paulista Rodrigues Alves foi o primeiro a se eleger duas vezes para a Presidência, embora não de maneira consecutiva. O triunfo só não foi completo porque ele morreu antes de iniciar o segundo mandato. Para quem gosta de teoria da conspiração, Alves foi membro da Bucha - versão brasileira da Burschenschaft -, sociedade secreta que funcionava nas arcadas do Largo São Francisco, em São Paulo, junto com um bocado de gente influente da época. Como membro da Bucha, o jovem Alves foi um dos que fez o juramento: "Juro pela minha honra jamais revelar a quem quer que seja o que me vai ser confiado hoje. Serei o mais infame dos homens se faltar a esse meu juramento." Seu período na Presidência foi marcado pela Revolta da Vacina, quando o povo do Rio apelou para o tiro-porrada-e-bomba contra uma iniciativa de vacinação massiva do governo contra a varíola.

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Afonso Pena (1906-1909)

Nilo Peçanha (1909-1910) - Diz-se deste presidente com sobrenome de delegado de Polícia que ele foi o primeiro mulato a governar o Brasil, mas é difícil dizer apenas olhando as fotos, nas quais Peçanha parece, na verdade, bem brancão. Assim como outros três presidentes - Campos Sales, Rodrigues Alves e Washington Luís - este também teria renegado sua mulatez. Já FHC, branco como a neve, fazia questão de dizer que tinha um pé na senzala. Vai entender. Os seguidores de Nilo eram conhecidos como niilistas. Para o padrão aristocrático da época, até que foi um presidente de origem popular. Seu pai era chamado "Sebastião da Padaria". A imprensa oposicionista referia-se a Peçanha como "o mestiço do Morro do Coco".

Hermes da Fonseca (1910-1914)

Venceslau Brás (1914-1918)

Delfim Moreira (1918-1919)

Epitácio Pessoa (1919-1922)

Artur Bernardes (1922-1926)

Washington Luís (1926-1930) - Mais um dos muitos presidentes depostos. Washington Luís criou o primeiro serviço de Inteligência do Brasil e foi um tremendo incentivador das polícias, afastando coronéis e capangas para fortalecer a força pública. Foi atingido em cheio pelas crises da bolsa e do café, em 1929, mas o período conturbado não o impediu de impulsionar o desenvolvimento. Suas obras no caminho que ligava São Paulo e Rio de Janeiro reduziu o tempo de viagem de 33 dias para "apenas" 14 horas. Acabou arrancado do poder pela Revolução de 1930, que marcou a ascensão de Getúlio Vargas.

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Júlio Prestes (1930)

Getúlio Vargas (1930-1945) - Saiu da vida para entrar nesta matéria da VICE. Com um tiro no peito, pôs fim à vida e a seu mandato, passando de presidente a mito. "Pai dos pobres", criou as leis trabalhistas que temos hoje, os sindicatos de trabalhadores e o peleguismo. Foi presidente eleito e foi ditador, deus e diabo num homem só, apesar da baixa estatura. Getúlio foi sem dúvida o presidente que mais tempo ocupou o cargo - 15 anos - e, para muitos, foi também o presidente mais importante por seu papel no nacional-desenvolvimentismo e na industrialização que lançou as bases do Brasil moderno. Apesar de tudo o que fez pelo país, terminou condenado a ser interpretado no cinema pelo ator Tony Ramos.

Eurico Gaspar Dutra (1946-1951)

Getúlio Vargas (1951-1954)

Café Filho (1954-1955)

Juscelino Kubitschek (1956-1961) - Passou a capital do Rio de Janeiro para Brasília. Esteve à frente do Brasil num dos poucos períodos em que o país aliou desenvolvimento acelerado, democracia, bossa-nova, Garrincha e Pelé, praia, João Gilberto e estereótipo astral. Ficou truta de Oscar Niemeyer em Belo Horizonte, onde o arquiteto projetou a igrejinha da Pampulha. O laço entre os dois levaria Niemeyer a construir um enorme parque temático próprio em Brasília quando JK tornou-se presidente. O mineiro de Diamantina foi o último presidente a assumir o cargo no Palácio do Catete, no Rio, e o primeiro nascido no século 20. Morreu em 1976, num acidente de carro na Via Dutra. Passou para a história como um presidente alegrão.

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Jânio Quadros (1961) - Se a palavra existisse na época, Jânio Quadros seria chamado de lóqui. Ficou apenas sete meses no poder e acabou renunciando sem razão aparente, se dizendo ameaçado por "forças terríveis". Ninguém tem certeza até hoje de que forças eram essas. Proibiu o uso de biquínis em desfiles de miss, assim como o lança-perfume e as rinhas de galo. Deu grande impulso ao combate à corrupção como tema de campanha, com o slogan "varre, varre, vassourinha, varre a bandalheira". No poder, condecorou Che Guevara e enfrentou a revolta dos militares brasileiros por isso.

João Goulart (1961-1964) - Último presidente deposto por um golpe de Estado, Jango aguentaria no poder até 1964. Depois dele, os cidadãos permaneceriam sem votar para presidente por quase 30 anos. Jogou nas categorias de base do Internacional de Porto Alegre, mas ficou mais conhecido como Presidente da República mesmo. Foi vice de Jânio, numa época em que se votava separadamente para presidente e para vice. Quando Jânio renunciou, Jango estava em viagem oficial à China, fato que, em período de Guerra Fria, rendeu-lhe a acusação de comunista. Os militares até toparam a volta de Jango, desde que o regime no Brasil mudasse para "parlamentarista", o que esvaziaria os poderes do presidente. Com um primeiro-ministro escolhido, Jango voltou ao Brasil, mas a manobra não conteve o acirramento dos ânimos e sua consequente deposição pelos militares, depois de um mix de polêmicas e tensões compostas por um plebiscito, um plano ousado de reforma agrária e comícios populares massivos.

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Os últimos ditadores: Castelo Branco, Costa e Silva, Ernesto Geisel, Emílio Garrastazu Médici e João Baptista Figueiredo (1964-1985) - Período em que deu ruim para a história democrática da República. O país passou 21 anos sem votar para presidente. Os militares censuram a imprensa, prenderam dissidentes, torturaram e mataram por razões políticas, cassaram partidos, deportaram adversários e impediram o Brasil de seguir sua vida democrática, retardando em décadas o amadurecimento institucional da República e de suas instituições.

Tancredo Neves (1985) - Depois de 21 anos de ditadura militar, o Brasil retoma a democracia interrompida pelo golpe de 1964 e deposita no mineiro Tancredo Neves suas esperanças - ainda sem eleições diretas. Inacreditavelmente, o presidente morre antes de assumir, com uma inflamação no intestino. A agonia e a incerteza duram dias, com temores de que os militares retomem o poder. Parte dos políticos defendem a convocação de novas eleições. Outra parte defende que o vice, José Sarney, assuma logo. Vence a segunda opção mas, no dia da posse, o general Figueiredo não comparece à cerimônia e se nega a passar a faixa presidencial para seu sucessor. Com tudo isso, a história das eleições presidenciais retoma seu caminho esburacado e incerto, pondo no cargo alguém que não fora exatamente aclamado pelas urnas.

José Sarney (1985-1990) - Presidente por acidente, assumiu o cargo depois que o titular, Tancredo Neves, morreu antes de tomar posse. Deu início a uma série interminável de planos econômicos que se sucederiam nos próximos anos, numa tentativa sempre mal fadada de pôr fim à inflação, grande monstro da época. Fez a transição democrática que se esperava, reduziu uma tensão estranha com a Argentina, que envolvia até mesmo desconfianças sobre programas nucleares. Começava seus pronunciamentos na televisão dizendo "brasileiros e brasileiras". Não vai morrer nunca porque, embora não escreva tão bem assim, é um dos "imortais" da Academia Brasileira de Letras.

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Fernando Collor (1990-1992) - Andava em caças da força aérea e fazia uma corrida matinal ostentando, cada dia, um slogan diferente. Chamava pobres de "descamisados" e jurava defendê-los, embora tenha metida rios de grana pública num jardim nababesco da Casa da Dinda, sua residência extraoficial. O pilhadíssimo Collor, "caçador de marajás", foi o primeiro candidato eleito pelo voto direto depois da ditadura, e o primeiro presidente deposto pelo Congresso por acusação de corrupção na história do Brasil. Collor, hoje senador, encarnou melhor que ninguém a decepção com a democracia, foi um coito interrompido nas expectativas nacionais.

Itamar Franco (1992-1995) - Mais conhecido pelo topete do que pelo legado, fundou a chamada "República do Pão de Queijo", formada por ele e um montão de ministros mineiros. Depois de Sarney ter ocupado o lugar do finado Tancredo, foi a vez de Itamar ocupar o lugar do deposto Collor. O Brasil patinava, governado por dois vices em sequência. Naqueles dias, a inflação flutuava entre 1.000 % e 2.000%. Entre suas grandes medidas está a volta da fabricação do Fusca no Brasil. Terminou com mais de 40% de aprovação popular e lançou as bases do Plano Real, que controlaria a inflação.

Fernando Henrique Cardoso (1995-2003) - FHC foi o primeiro presidente brasileiro eleito pelo voto direto a concluir seu mandato desde Jânio Quadros, em 1961. Antes dele, tivemos uma longa série de ditaduras, deposições, morte, impeachment e renúncias. Embalado pelo sucesso do Plano Real, que controlou a inflação, FHC não só emplacou um primeiro mandato, como aprovou uma lei que garantiu a ele mesmo e aos presidentes vindouros o direito a concorrer a um segundo mandato consecutivo. Por isso, ficou oito anos na Presidência, mas não conseguiu eleger um sucessor. Quando já não tinha mais poder para legalizar a maconha, passou a defendê-la. Não vai morrer nunca porque, como Sarney, é imortal da Academia Brasileira de Letras.

Luiz Inácio Lula da Silva (2003-2011) - Primeiríssimo operário-torneiro-mecânico-líder-sindical-homem-do-povo a chegar à Presidência desde o Big Bang. Melhorou todos os indicadores sociais brasileiros incluindo tanta gente no mercado que o mercado decidiu se opor ao PT os anos seguintes. Trouxe a Copa para o Brasil, mandou tropas para o Haiti, criticou a reeleição mas se reelegeu, bombou como poucos, virou unanimidade, desvirou, saiu do governo, teve um câncer e tornou-se um buda petista embalsamado em vida. Era "o cara" para figuras tão diferentes quanto Barack Obama e Hugo Chávez.

Dilma Rousseff (2011-2015) - Primeira mulher a governar o Brasil, Dilma solidificou o governismo petista para além do líder Lula, emergindo como figura forte depois do duro golpe sofrido pelo partido com a crise do 'mensalão'. Ex-guerrilheira, teve o governo marcado pela instauração das comissões da verdade, que buscaram revisitar os crimes cometidos pela ditadura militar no Brasil. Foi a presidente mais memetizada da história brasileira, responsável por inúmeros personagens de si mesma, todos marcados pelo humor tratorista e o papo reto e popular, capaz de atropelar manifestantes anti-Copa, ambientalistas, indigenistas e concorrentes na disputa de 2014. Da primeira vez, foi eleita com 56% dos votos válidos. Se vencer novamente, fará do PT o partido há mais tempo no poder em democracia - 16 anos ininterruptos.