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Here Be Dragons

Por Que os Críticos da NSA, no Fundo, Querem que Ela Exista?

Um relatório totalmente vago do Guardian sugere que o NSA coletou 97 bilhões de “coisas” da rede mundial de computadores em março de 2013, sendo que “coisas” foi descrita como “relatórios”, “pedaços de inteligência” e “metadados”. Parece muita coisa...

O Hall de Honra do quartel-general da NSA no Fort Meade, Maryland. (Foto via)

Martin Robbins é um escritor e palestrante que escreve sobre coisas estranhas e maravilhosas para o Guardian e a New StatesmanHere Be Dragons é uma coluna que explora negação, conflito e mistério nas margens selvagens do entendimento científico e humano. Siga-o noTwitter (@mjrobbins) ou mande um e-mail com dicas e comentários para martin@mjrobbins.net.

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“Você está sendo observado. O governo tem um sistema secreto: uma máquina que o espia durante todas as horas de todos os dias.” Não, esse não é um trecho do último aviso sobre a NSA, mas a narração da abertura da série de TV Person of Interest. A máquina em questão é uma inteligência artificial que consegue sugar dados de qualquer câmera, servidor ou sensor e usá-los para prever assassinatos e atos de terrorismo. O poder de processamento e complexidade necessários para conseguir esse feito são tão imensos que a máquina — criativamente chamada “A Máquina” — parece ter se tornado autoconsciente, envolvida numa situação tipo Skynet com problemas familiares, e se tornou um dos “personagens” mais interessantes na história recente da TV.

Essa é uma maneira indireta de ilustrar a ideia de que uma organização onisciente — sem falar da NSA — processando a totalidade do conhecimento humano em qualquer coisa parecida com inteligência útil, continua a ser possível somente no reino da ficção científica.

Não está claro por que alguém tentaria isso, já que 99,9999% das coisas ditas na internet não seriam de qualquer interesse. Detesto mirar num alvo tão óbvio, mas o Rei do Twitter, Justin Bieber, escreveu mais de 22.400 tuítes para seus 40 milhões de fãs. Ele nunca tuitou nada que pudesse ser descrito como “inteligente”. Por que seguir o perfil dele na rede social quando, segundo as palavras do próprio Bieber, ele “vai dizer minha verdade através da música”? Sua conta no Twitter é, essencialmente, um vácuo de informação de onde não pode sair nada de útil, assim como a maioria de nossos próprios tuítes são compostos de piadas que nem valem a pena serem contadas em voz alta e pensamentos que nunca se transformarão em ideias completamente formadas.

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O relatório totalmente vago do Guardian sugere que o NSA coletou 97 bilhões de “coisas” da rede mundial de computadores em março de 2013, sendo que “coisas” foi descrita como “relatórios”, “pedaços de inteligência” e “metadados”. Parece muita coisa, até você se dar contra de que a maioria disso é simplesmente besteira. É por isso que a NSA parece coletar apenas metadados, em vez de conteúdos de mensagens e, mesmo assim, para buscas marcadas. É isso que um monte de servidores públicos conseguiu com uma máquina de café e um orçamento.

O quartel-general do NSA em Fort Meade, Maryland. (Foto via)

Sem querer minimizar a importância do PRISM, ou as questões sendo levantadas de forma correta sobre isso, o que é fascinante nas reações ao relatório do Guardian, fora a imensa falta de qualquer informação interessante, é que muitos dos críticos da NSA ficam felizes em acreditar que a agência tem capacidades quase sobre-humanas. A seção de comentários está cheia de declarações como: “Não só os metadados das chamadas telefônicas, mas também o conteúdo de tudo isso está sendo analisado e armazenado em caso da necessidade de um exame mais detalhado”.

O que seria uma grande conquista, já que nem o Skype armazena de fato as chamadas feitas com o serviço. No Twitter, várias pessoas compartilham links falsos para o site da NSA sem saber que se trata de uma piada. É quase como se as pessoas quisessem acreditar nisso.

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O que pode ser verdade. Passei muito tempo de minha vida debatendo com teoristas da conspiração de todos os tipos — particularmente sobre o 11 de setembro — e sempre me impressionou como o nome “teorista da conspiração” é completamente errado. Os teoristas da conspiração quase nunca têm teorias. Falei com dezenas deles nos últimos anos e quase nenhum conseguiu me dar uma resposta coerente para a pergunta: “Então, o que realmente aconteceu?”.

Depois de um tempo, percebi que a questão não estava nas histórias, mas no controle. Eles não conseguem aceitar que as coisas simplesmente acontecem — alguém tem que estar no controle. Aviões não caem do céu e simplesmente acertam prédios aleatórios; deve haver uma grande peça governamental que permitiu que isso acontecesse. A alternativa é muito aterrorizante para sequer considerar – as coisas acontecem de maneira caótica e você pode, literalmente, morrer a qualquer momento. Neste exato momento, uma peça de metal pode cair do céu, acertar você aí mesmo em sua mesa e você vai estar morto num instante. Você nem vai se dar conta.

O livro de David Aaronovitch, Voodoo Histories, examina a necessidade humana de ordem e sentido, enquanto o psicólogo Viren Swami, que analisa quão pouca ciência há no tópico, nota que as teorias da conspiração surgem, com frequência, em meio àqueles sem poder ou voz, um mecanismo de defesa por meio do qual é possível obter algo parecido com uma certeza em tempos de incerteza. Terrorismo islâmico, guerras com agendas enlameadas, sistemas financeiros em dificuldades por erros de entidades sem rosto — a falta geral de entendimento do público sobre essas questões significa que elas são todas, em certo sentido, peças de metal que caíram do céu.

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O professor Stephan Lewandowsky pinta uma imagem similar numa entrevista recente para a Salon, “paradoxalmente, isso dá às pessoas a sensação de controle. As pessoas odeiam aleatoriedade, elas temem o tipo de ocorrência aleatória que pode destruir suas vidas. Então, como mecanismo contra esse temor, é muito mais fácil acreditar em conspiração. Assim, você tem alguém em quem colocar a culpa — não é mais algo aleatório”.

Advogados e acadêmicos têm sua própria teoria, algo que eles chamam de “efeito

CSI

”. Em 2010, o

Economist

declarou que “programas de televisão que usam a ciência forense para resolver crimes estão afetando a administração da justiça”. Programas como

CSI

e

Bones

estão tão longe da realidade que muitas das técnicas usadas por eles poderiam muito bem ser mágica. Como resultado, membros do júri chegam aos julgamentos com um senso distorcido do que a ciência forense pode realmente fazer. Um juiz conta que ouviu um jurado questionando por que a polícia não espalhou pó pelo gramado de uma casa para achar impressões digitais.

“Acho que o que está em jogo aqui é que programas como CSI, NCIS, 24 Horas etc., dão às pessoas a impressão de que a informação é instantânea e infalível”, disse-me Matt Hartings, professor assistente de Química na American University, “os resultados aparecem muito mais rápido do que na vida real e os analistas têm muito mais certeza sobre os resultados do que eu, como cientista, teria. A informação nesses programas vem rápida, furiosa e infalível”.

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As pesquisas sobre como esses programas afetam julgamentos é bastante mista, mas parece claro que essas séries de TV afetam nossas impressões sobre ciência e tecnologia. Como o juiz Donald Shelton colocou, “muitas pessoas leigas sabem — ou acham que sabem — mais sobre ciência e tecnologia unicamente por meio do que aprenderam através da mídia do que com o que aprenderam na escola”.

É muito provável que isso não se limite ao CSI — vimos coisas similares na explosão de crentes em Roswell nos anos depois que a série Arquivo X foi ao ar. Com tantos programas de TV e filmes mostrando os serviços de inteligência usando tecnologias milagrosas, brincando com satélites como um palhaço fazendo malabares e monitorando tudo o tempo todo, não é de ser surpreender que tantos comentários ao relatório do Guardian possam ser lidos como: “E daí? A gente já sabia disso…”.

O resultado de tudo isso é que mesmo se o PRISM não existisse, muita gente ia acreditar em sua existência; e que muita gente, num nível subconsciente, ia querer que isso existisse. À medida que o debate sobre vigilância governamental for se desdobrando nos próximos meses e anos, os defensores da privacidade terão que levar essa necessidade em conta.

Siga o Martin no Twitter: @mjrobbins

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