​Um astrolinguista explica como falar com alienígenas
Fomos sacar o que é ciência e o que é ficção no enredo do filme 'A Chegada'. Crédito: Riziki Nielsen/Flickr

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​Um astrolinguista explica como falar com alienígenas

Fomos sacar o que é ciência e o que é ficção no filme 'A Chegada'.

Com lançamento previsto para hoje nos cinemas brasileiros, A Chegada promete ser o filme de ficção científica do ano, algo que ninguém — nem mesmo o autor do conto que inspirou o filme — poderia ter previsto.

O filme retrata os esforços da linguista Louise Banks (interpretada por Amy Adams) e do físico teórico Ian Donnelly (interpretado por Jeremy Renner) para se comunicar com extraterrestres que pousaram no estado de Montana, nos EUA. Para a maioria de nós, é apenas mais um filme divertido sobre aliens. Para alguns pesquisadores da Busca por Inteligência Extraterrestre (SETI, na sigla original), instituição voltada para pesquisas relacionadas à comunicação com extraterrestres, porém, o filme parece mais um documentário do que um drama.

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"Fiquei com inveja da Louise Banks porque ela consegue se encontrar pessoalmente com o ET", disse Douglas Vakoch, presidente do projeto de Comunicação com Inteligência Extraterrestre (METI, na sigla original), ao Motherboard. "Mas, segundo as estimativas dos cientistas do SETI e do METI, isso não será possível. Na melhor das hipóteses, uma troca de mensagens com extraterrestres demoraria uma década — isso se a estrela mais próxima for povoada."

Trailer do filme "A Chegada". Crédito: Divulgação

Antes de se tornar presidente do recém-fundado METI Internacional, cujo foco é o estudo da comunicação interestelar, Vakoch foi Diretor de Composição de Mensagens Interestelares do Instituto SETI da Califórnia. O cientista passou boa parte da carreira tentando descobrir como entrar em contato com espécies alienígenas das quais nada sabemos — e por meio de mensagens que demoram décadas para chegar a seu destino.

Embora a personagem de Amy Adams supere esse desafio com facilidade, a verdadeira arte de falar com alienígenas — conhecida como astrolinguística ou METI — é muito mais complexa. Envolve uma mistura de linguística, matemática, física e imaginação.

Em certo momento de A Chegada, o personagem de Jeremy Renner alfineta a abordagem de Adams em relação à comunicação interespécies ao dizer que ela estuda a linguística "como um matemático". Embora esse comentário pontual seja feito em tom de brincadeira, na vida real ele tem seu fundo de verdade. Como dito por Valkoch, a personagem de Adams é agraciada com a vantagem de se comunicar em tempo real com os alienígenas. Para os pesquisadores do METI, porém, a expectativa é de que, entre mensagem e resposta, décadas — talvez séculos — se passarão, o que altera a forma com que eles estruturam suas mensagens.

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Em primeiro lugar, isso significa que qualquer mensagem enviada para o espaço deve ser abrangente e completamente auto-referencial. Ao contrário do que acontece em A Chegada, a lenta comunicação impede que os humanos troquem informações com seus destinatários. Por isso os pesquisadores do METI devem enviar não só o conteúdo da mensagem, mas também instruções para que ela seja lida. Essas instruções, por sua vez, devem ser inteligíveis para os alienígenas.

Isso significa que, em vez de tentar descobrir como a estrutura linguística afeta a visão de mundo desses alienígenas (tese apresentada em A Chegada e conhecida como relativismo linguístico) e escrever uma mensagem que siga essa estrutura, os pesquisadores do METI vão na direção oposta.

"Estamos tentando criar uma Pedra de Roseta cósmica", disse Vakoch. "Mas a questão é: o que nós e os extraterrestres temos em comum?"

Como é de se esperar, essa pergunta leva a maioria dos pesquisadores do METI a estudar linguagens baseadas na matemática e na física, ciências provavelmente familiares a qualquer civilização capaz de dominar a tecnologia necessária para receber nossas mensagens.

Quando o matemático holandês Hans Freudenthal criou a LINCOS, a primeira linguagem criada com o objetivo de entrar em contato com alienígenas, ele usou princípios matemáticos para abordar temas como a natureza do tempo e o significado do amor. Em 2013, Alexander Ollongren, um astrônomo e matemático holandês, criou uma segunda versão da LINCOS, dessa vez transmitindo ideias semelhantes com base na linguagem da lógica simbólica e do cálculo lambda. Ambas essas linguagens são auto-referenciais e têm base em princípios supostamente universais (a matemática e a lógica). Mas isso não garante que elas serão compreendidas por um alienígena.

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"Mesmo que extraterrestres e humanos conheçam a matemática e a ciência, isso não quer dizer que elas sejam intercambiáveis", diz Vakoch. "Talvez a ciência tenha começado em outro ponto, dependendo da biologia ou das necessidades específicas desse organismo. A Chegada diz uma grande verdade: a forma como construímos e falamos sobre o mundo pode ser um reflexo de algo particular à nossa espécie."

Para ilustrar seu argumento, Vakoch cita o surgimento da geometria não-euclidiana no século XIX. Durante dois milênios, a ideia euclidiana de um universo plano (em particular seu quinto postulado, que afirma que duas linhas paralelas nunca podem se cruzar) reinou suprema. Mas quando no século XIX um grupo de geômetras europeus inverteu o axioma euclidiano — afirmando que duas linhas paralelas podem se cruzar — toda nossa ideia de realidade foi alterada.

O ponto é que ambas as geometrias são internamente consistentes e possibilitaram inúmeras descobertas científicas e matemáticas. Logo, o fato de estarmos nos comunicando com alienígenas por meio da linguagem matemática ou científica não significa que estamos falando da mesma ciência ou matemática.

Com isso em mente, Vakoch defende o estudo de várias formas de comunicação interespécies. Ele acredita que a ideia de criar uma mensagem autossuficiente é produto do desejo humano de travar um diálogo imediato com extraterrestres. Se abandonarmos essa ideia e aceitarmos que a comunicação interestelar irá, muito provavelmente, acontecer ao longo de séculos ou milênios, poderemos criar novas formas de estabelecer um diálogo com outras espécies.

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Durante o meio século que separa a primeira e a segunda versão da LINCOS, surgiram uma infinidade de novas tentativas de comunicação. Algumas usavam componentes visuais, como a sonda Voyager, que continha sons e imagens gravadas em um disco. Da mesma forma, a primeira transmissão de rádio destinada a alienígenas, conhecida como mensagem de Arecibo, continha uma imagem retratando humanos pixelizados e o telescópio de Arecibo. Infelizmente, esse tipo de mensagem depende da certeza de que extraterrestres possuem sistemas visuais como o nosso — mas, considerando que a visão surgiu na Terra sob dezenas de circunstâncias diferentes, essa ideia pode não ser tão absurda quanto ela parece.

Outras ideias populares têm como base o envio de bancos de dados ou de programas de computador que possam ser eventualmente controlados pelos alienígenas. Essa ideia deu origem ao CosmicOS, um programa de computador que usaria um jogo de RPG para ensinar os rudimentos da vida humana aos alienígenas; e também àquela vez em que todos os dados da Craigslist foram enviados para o espaço (em algo que foi mais uma propaganda do que uma experiência científica, é claro). Outras estratégias priorizaram outros campos científicos. Entre elas está a RuBisCo Stars, que enviou uma sequência de DNA da proteína responsável pela fotossíntese vegetal.

Não sabemos se essas mensagens chegarão um dia aos nossos interlocutores, ou mesmo se eles irão compreendê-las, e é por isso que Vakoch e seus colegas do METI Internacional estão explorando vários tipos de comunicação. Eles esperam começar a transmitir essas mensagens no final de 2018. Por enquanto, porém, o mais importante é ter mente aberta e uma imaginação fértil, o que para Vakoch são as grandes qualidades de A Chegada.

"O que mais gostei em A Chegada é que o filme captura essa abertura a uma nova forma de compreender a realidade, algo extremamente necessário para entender outra civilização", diz Vakoch. "Esse é o objetivo do SETI e do METI: que, daqui décadas ou séculos, nós possamos compreender como outras civilizações pensam e falam sobre seus mundos".

Tradução: Ananda Pieratti