Por que o Corinthians dos anos 50 é um dos melhores times de todos os tempos

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Por que o Corinthians dos anos 50 é um dos melhores times de todos os tempos

O esquadrão de Cláudio, Luizinho e Baltazar é a melhor equipe que você provavelmente nunca ouviu falar.

A cidade de São Paulo comemorou seus 400 anos em 1954 e, para celebrar data tão importante, a Prefeitura bolou uma agenda especial que contou com inaugurações de obras — o Parque do Ibirapuera, o Monumento das Bandeiras, a nova Catedral da Sé — e também com a disputa do Campeonato Paulista de 1954, o hoje pouco falado "Paulista do IV Centenário".

O torneio, de pontos corridos, foi decidido na penúltima rodada como roteiro de filme: Corinthians contra Palmeiras, com mais de 50 mil torcedores lotando o Pacaembu. Os alvinegros precisavam apenas do empate, enquanto os rivais precisavam da vitória para seguir para a última rodada.

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Mesmo com o Alviverde indo para cima, o Corinthians marcou o primeiro gol da partida com uma cabeçada de Luizinho, do alto de seus 1,64 metros de altura. O Palmeiras empatou no início do segundo tempo com Nei e pressionou o restante do jogo. Mas o goleiro Gylmar, que viria a se firmar como um dos maiores da história em sua posição, estava inspirado e garantiu o título corintiano.

Para Celso Unzelte, historiador, jornalista e professor, esse foi o ponto alto do clube no período. "Embora hoje as pessoas não valorizem, o mundo dos torcedores naquela época era a cidade de São Paulo, não existia internet, celular, automóvel fácil, então a vida das pessoas estava na própria cidade e o Campeonato Paulista fazia parte disso", diz. "A cidade estava orgulhosa do seu aniversário e havia a ideia de que o campeão do IV Centenário entraria para a história e ficaria marcado por cem anos. É claro que o futebol mudou e hoje o foco é nacional e internacional, mas a legenda desse time permaneceu por muito tempo, sendo ainda mais valorizada pelo jejum de 23 anos que se seguiu."

Na época, a conquista ficou tão marcada na cultura da cidade e do país que virou até marchinha composta por Alfredo Borba e cantada por Orlando Ribeiro, além de samba de um dos maiores ícones do carnaval carioca, Jamelão.

Hoje em dia esse título pode parecer pouca coisa, mas, na época, a conquista sacramentou o domínio do Corinthians em um dos períodos mais disputados do futebol brasileiro.

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Ao contrário do que muitos pensam, o Brasil já era uma potência no mundo do futebol ainda antes da conquista da sua primeira Copa do Mundo, em 1958. Prova disso está no incrível desempenho das equipes brasileiras em jogos internacionais no período. O Palmeiras e o Fluminense foram campeões, respectivamente, da Copa Rio de 1951 e 1952, enfrentando clubes campeões da Itália, França, Portugal, Uruguai, Suíça, Áustria, entre outros.

Já a Portuguesa recebeu por três vezes a Fita Azul, prêmio dado pela Gazeta Esportiva para equipes brasileiras que excursionavam pelo exterior e voltavam com um desempenho impressionante. Em 1951, 1953 e 1954, a Lusa ganhou de clubes como Arsenal, Atlético de Madrid, Borussia Dortmund, Fenerbahce, Besiktas, Galatasaray, entre outros. Além disso, o Flamengo foi tricampeão Carioca em 1953, 1954 e 1955, liderado por um jovem ponta-esquerda chamado Zagallo, e o Vasco foi a base da Seleção nas Copa de 1950, que chegou até a final.

Porém, possivelmente nenhuma equipe representa tão bem a qualidade do futebol brasileiro no período quanto o Corinthians, tricampeão Paulista (1951, 1952 e 1954) e do Torneio Rio-São Paulo (1950, 1953 e 1954), além de vencedor da Pequena Taça do Mundo de 1953, passando por cima do poderoso Barcelona.

"Sem dúvida esse foi o primeiro time a ter uma hegemonia nacional", afirma Unzelte. O Rio-São Paulo era o torneio máximo do país, já que não havia nenhum título nacional em disputa, e desde a volta do interestadual, em 1950, o Corinthians venceu três das suas cinco primeiras edições. Na época, a conquista do Rio-São Paulo era considerada por clubes, torcida e imprensa realmente como o torneio nacional, tanto que as faixas de campeões tinham a inscrição de 'campeão do Brasil'."

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Perdidos na história

Mesmo com esses e outros grandes feitos nacionais e internacionais, o futebol brasileiro dos primeiros anos da década de 50 ainda sofre com o pouco reconhecimento dos seus incríveis feitos do período.

Para Luiz Ricas, artista e um dos idealizadores do blog Timoneiros, que busca resgatar a história do Corinthians, um dos motivos para isso está relacionado com o fato da nossa memória ser muito ligada à imagem e os anos 50 serem um período praticamente sem televisão.

"O brasileiro, em geral, tem uma relação negligente com a memória. É comum termos filmes ou lugares históricos perdidos por falta de conservação e percebemos isso no futebol. Várias vezes são feitas seleções de todos os tempos dos clubes só com jogadores da época pós-transmissões televisivas", explica.

O Corinthians dos anos 50 vive esse esquecimento. Pergunte a qualquer corintiano sobre a maior equipe da história do clube e ele, provavelmente, te responderá uma das três seguintes opções: o time da Democracia Corinthiana, bicampeão Paulista de 1982 e 1983 com Sócrates, Casagrande e Wladimir; a equipe campeã Mundial de 2000, que também conquistou o Brasileiro em 1998 e 1999, com o meio-campo formado por Vampeta, Rincón, Ricardinho e Marcelinho; ou o recente plantel treinado por Tite, que finalmente ganhou a Libertadores, bem como Mundial, Brasileiro, Paulista e Recopa.

Porém, na análise dos dados, a maior equipe da história do clube existiu no início da década de 50, liderada pelo trio de ataque composto por Luizinho, Cláudio e Baltazar – três dos seis jogadores que possuem bustos na sede do clube, no Parque São Jorge. Na verdade, as estatísticas mostram que essa não apenas foi uma das maiores equipes da trajetória do Timão ou do Brasil, mas sim da história do futebol mundial.

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Entre 1950 e 1955, o clube disputou 289 jogos, com 192 vitórias (66,44%)

Entre 1950 e o fim do Paulista de 1954, que aconteceu em fevereiro de 1955, o clube disputou 289 jogos, com 192 vitórias (66,44%), 53 empates (18,34%) e 44 derrotas (15,22%), totalizando um aproveitamento de 75,60%. Ainda marcou 784 gols no período (2,713 por jogo) e sofreu 408 (1,412 por jogo), com um saldo de gol de 376 tentos (1,301 por jogo).

A comparação desses números com outros grandes esquadrões da história do futebol mostra que o time não deve nada a ninguém, nem mesmo ao Santos de Pelé, Pepe e Coutinho (bicampeão Mundial e da Libertadores e seis vezes campeão brasileiro), o Real Madrid de Puskas, Di Stéfano e Gento (pentacampeão da Liga dos Campeões) ou o Milan de Rijkaard, Gullit e Van Basten (bicampeão Mundial e da Liga dos Campeões, além de tricampeão Italiano), equipes que costumam ser apontadas por especialistas como algumas das maiores de todos os tempos.

"A equipe dos anos 50 foi muito importante para o clube e marcou a história ganhando o Paulista do IV Centenário. Conheci todos os jogadores, já mais próximos do final de suas carreiras. Era um time muito bom, formado em sua maioria por atletas da região. Foi um período que deixou saudades", destaca Antônio Roque Citadini, conselheiro vitalício e vice-presidente do Corinthians entre 2001 e 2004.

O retorno da Copa Rio-São Paulo

Com o objetivo de descobrir a melhor equipe do país, em 1950, as Federações de Futebol do Rio de Janeiro e de São Paulo se reuniram para resgatar o Torneio Rio-São Paulo, que já tinha sido realizado em 1933, com o Palestra Itália como campeão – além de 1934 e 1940, quando as disputas foram interrompidas ainda antes da fase final, sem definição de campeões.

Dessa forma, é possível dizer que, entre 1950 e 1959, com a criação da Taça Brasil (considerada como o primeiro Brasileirão após a unificação), o campeão do Rio-São Paulo era, efetivamente, o campeão nacional.

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Em sua primeira edição nessa nova fase, em 1950, o Rio-São Paulo tinha um favorito claro, o Vasco, que era base da Seleção Brasileira que meses mais tarde perdeu a final da Copa do Mundo para o Uruguai em pleno Maracanã.

Porém, em 22 de janeiro, o Timão surpreendeu e venceu o Cruzmaltino de virada, por 2 a 1, em partida disputada no Pacaembu com público de 54.429 pagantes. Com a vitória, a equipe paulista assumiu a ponta da competição, posição em que ficou até o confronto final contra o Botafogo em 15 de fevereiro, quando empatou em 1 a 1.

"Após falha atuação nos últimos campeonatos paulistas, o 'Campeão do Centenário', qual Fenix, ressurgiu das próprias cinzas para se alinhar novamente entre os mais fortes conjuntos dos campos brasileiros. E bem que o Corinthians necessitava de uma campanha reabilitadora, não só para seu prestígio, mas também para a satisfação de milhares de adeptos, que não o abandonaram durante o período mau por que passou o conjunto", descreveu o jornal O Estado de S. Paulo no dia seguinte ao título.

A equipe-base dessa conquista, treinada por Manoel dos Santos, era formada por Bino; Newton e Belfare; Idário, Touguinha e Hélio; Cláudio, Luizinho, Baltazar, Nelsinho e Colombo. O time ainda venceria as edições de 1953 e 1954, com algumas mudanças na escalação.

Supremacia estadual

Mesmo com o título do Rio-São Paulo de 1950, a verdadeira empolgação da torcida com a equipe aconteceu em 1951, quando Timão, já treinado pelo ex-jogador do clube Rato, foi campeã do Campeonato Paulista, quebrando uma sequência de dez anos sem títulos estaduais.

A taça veio com duas rodadas de antecedência, com uma goleada por 4 a 0 contra o Guarani, em 13 de janeiro de 1952 (na época, as disputas estaduais de um ano sempre terminavam no seguinte). A festa da torcida corintiana com seu 13º troféu paulista foi descrita pelos jornais da época como um verdadeiro carnaval fora de época:

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"Enfim o título, após dez anos de espera - Os corintianos acorreram em massa ao Pacaembu para aplaudir o novo campeão - Serpentinas, cordões e batucadas, no carnaval da vitória", destacou a Folha da Noite de 14 de janeiro de 1952.

Relato parecido foi feito no O Estado de S. Paulo de 15 de janeiro. "Terminado o embate, com a vitória do Corinthians, por 4 a 0, os torcedores deram vazão ao seu contentamento, fazendo verdadeiro carnaval, com serpentinas, confetis e rojões. Era a satisfação incontida pela volta do título ao Parque de S. Jorge, após dez anos de pofia."

O grande mérito da equipe de 1951 estava no quinteto ofensivo composto por Cláudio, Luizinho, Baltazar, Carbone e Mário que comandou o time que marcou 103 gols em 28 jogos do torneio.

A conquista estadual foi repetida no ano seguinte, quando o gol do Alvinegro já era guardado por Gylmar dos Santos Neves, chegado do Jabaquara com 20 anos, considerado por muitos como o maior goleiro brasileiro da história, vencedor das Copas de 58 e 62 e ídolo de Corinthians e Santos.

"O regresso dos campeões - Às 23h57 de anteontem, desembarcou em Congonhas a delegação do Corinthians, cuja equipe foi vencida em Jaú por 3 a 1. Apesar do revés, o alvinegro no Parque São Jorge sagrou-se campeão paulista de futebol de 1952. Por isso, milhares de torcedores estiveram em Congonhas, a fim de receber os jogadores", descreveu a Folha de Manhã de 27 de janeiro de 1953, apontando o êxtase da torcida alvinegra com a equipe.

Além da sequência de títulos, a empolgação da torcida com o time no período também era justificada por outros dois motivos, segundo Unzelte. "É o melhor período da história do clube porque unia as duas qualidades que os torcedores mais gostam: a força de vontade e a qualidade técnica. Além disso, nessa época, a equipe conseguiu grandes vitórias em clássicos e isso empolgava a torcida. Foi, inclusive, com as vitórias desse período que, em 1954, pela primeira vez na história do clássico o Corinthians ficou na frente em número de vitórias."

Os números comprovam essa afirmação: Entre 1950 e o fim do Paulista de 1954, o Timão fez 58 clássicos contra Palmeiras, São Paulo e Santos, vencendo 30 (51,7%), empatando 11 (19%) e perdendo 17 (29,3%), inclusive marcando goleadas como um 5 a 1 contra o Palmeiras em 1952 e, em 1951, um 4 a 0 no São Paulo e dois 4 a 1 no Santos.

Raul Drewnick, escritor e poeta, com mais de 10 obras publicadas, concorda ao dizer que aquele time foi a sua maior paixão de infância e adolescência.

"Eu, que tinha descoberto a magia da literatura, vi no Corinthians da época - e não só eu - traços épicos. Os jogadores tornaram-se heróis; as partidas, epopeias. Quando evoco esse tempo, ele me vem todo envolto nessa aura poética. Há todo um conjunto de emoções, não necessariamente futebolísticas. Como os vendedores de laranjas perto do Pacaembu, que tinham um descascador (imagino que improvisado por eles mesmos) perfeito, semelhante aos apontadores de lápis. Ou como os vendedores de jornais velhos, que apregoavam suas utilidades: para sentar (o cimento da geral era áspero) e fazer chapéu para enfrentar o sol. Os títulos de 1951, 1952 e 1954 são, para mim, os mais importantes. Acredito que o time dessa época, pela técnica, aliada à raça, tenha sido o melhor da história do clube. Nele jogou o maior craque do Corinthians em todos os tempos: Luizinho."