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O debate público convocado pelo MBL via Whatsapp foi um triste simulacro de democracia

O que seria uma discussão aberta sobre o 'escola sem partido' foi palco para provocar opositores.
Convocação via WhatsApp. Imagem: reprodução

As nuvens dos verões apocalípticos paulistanos pesavam pretas no céu, mas as condições climáticas não se alteraram até o fim de mais uma audiência pública do projeto Escola Sem Partido, de autoria do vereador Fernando Holiday (DEM), realizado na noite desta quinta-feira (16) na Câmara Municipal de São Paulo.

Depois de fracassar em criar uma marcha nacional pelo projeto, o MBL dedicou-se às questões de gênero, para logo mais negar que teria algo a ver com as agressões contra a filósofa Judith Butler durante sua passagem pelo Brasil. Depois de recompor a sua base com o 3º Congresso Nacional realizado na semana anterior, é claro que a agremiação voltaria ao ataque.

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O vão livre da Câmara, um espaço ao ar livre e coberto, um tanto pomposo, era dividido em duas alas. À direita do palco principal, onde se sentavam os debatedores, estavam os apoiadores do MBL, parte deles uniformizados com camisetas azul piscina com o logo do time no peito. Nas cadeiras do centro, professores, alunos, alguns membros da UJS e outro tanto de secundaristas autonomistas – à esquerda estavam os que chegaram atrasados para o começo do debate, boa parte deles formada por apoiadores de Holiday e turma.

Os dois lados do debate. Foto: André Bueno/ CMSP

Apesar de seguir as regras de sempre de uma audiência pública, Holiday conduziu o debate como se animasse uma gincana da sexta série. Fazia-lhe contraponto o deputado do PT Alfredinho, além de Carina Vitral, presidente da União da Juventude Socialista, e Emerson Santos (ou Catatau), presidente da União Paulista dos Estudantes Secundaristas. Reforçando a trinca do MBL estavam o coordenador nacional da confraria, Kim Kataguiri, e o vlogger Artur “Mamãefalei” do Val.

Em número um pouco maior, os apoiadores do MBL trabalhavam como uma claque perfeita – é como se houvessem ensaiado sua participação recentemente. Com uma idade média entre 25 e 30 anos, a malta regozijava a cada tirada contra o PT ou mais genericamente, contra a “esquerda”, mesmo que contra alguns princípios políticos em tese por eles partilhados, como quando Holiday reclamou de uma suposta falta de repasses do FIES durante os governos petistas – sem citar os problemas de Temer com o programa.

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Quando quem falava era o adversário, os gritos e vaias tentavam se sobrepor às falas. “Comunista safado” era um dos preferidos. O clima de enfrentamento encheu o vão livre de Guardas Civis Municipais, espalhados pelos corredores, na tentativa de segurar os ânimos. Houve quem se revoltasse contra Kataguiri falando sobre “moral”. “Como alguém que se aliou com o [Eduardo] Cunha (ex-presidente da Câmara dos Deputados) vai falar de moral!?”, exaltava-se um professor. O tempo todo o debate sobre projeto de lei em si dava lugar à troca de acusações entre esquerda e direita. Quando os argumentos surgiam, eram enviesados, caso de do Val ao citar o mau desempenho dos alunos do ensino público brasileiro.

A ala opositora ao MBL havia sido chamada às pressas, e por isso parecia bem menos organizada. Vitral reclamou no microfone que havia sido chamada por Kataguri pelo WhatsApp sem muitas cerimônias. Ele teria avisado genericamente que era um debate sobre o Escola Sem Partido, e não sobre o projeto de lei específico de Holiday – depois, na mesa, Kataguiri ficaria debochando, dizendo que ninguém leu o projeto.

Quando os cidadãos inscritos para dar seu depoimento sobre o projeto, a chapa pareceu que ia esquentar. Do Val recusou-se a não filmar um dos depoentes, que pediu para o vlogger afastar o seu celular (celulares filmando estavam em peso nas mãos da confraria do MBL), uma secundarista tentou tampar a câmera com um cartaz pintado com a bandeira anarquista vermelha e preta. Gritaria, guardas mobilizados, confusão – todo mundo de volta aos lugares. Não foi dessa vez. E nem da vez seguinte, quando, depois de provocar os secundaristas dizendo que eles não sabiam “interpretar texto”, Arthur viu uma bolinha de papel passar quase perto da sua cabeça. “Essa é a esquerda autoritária”, reclamou. Mais guardas civis, tentando dessa vez expulsar algum responsável pela traquinagem, mais confusão, mas ninguém foi embora. Toda vez que o MBL acusava o campo contrário de ser vinculado a algum partido (PT ou PCdoB), os autonomistas levantavam-se gritando seus lemas sobre autogestão.

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O melhor exemplo sobre como se armou o picadeiro do MBL ficou para o final. Depois de Vitral fazer um apelo para que o projeto Escola sem Partido fosse superado (o STF considerou uma versão da lei, aprovada em Alagoas, inconstitucional) para que se pudesse focar num esforço conjunto pala melhoria da educação pública, já que “o brasileiro não quer esse Estado mínimo de vocês, ele quer educação e saúde públicas de qualidade”, foi a vez de Kim rebater. “É mentira isso aí. Até porque vocês protestaram contra o impeachment da Dilma e deu em …” – “NADA”, respondia a claque. “Protestaram contra a PEC que iria congelar o investimento e deu em…” – “NADA”. “Protestaram contra a Reforma Trabalhista e deu em…” – “NADA”. “Vão protestar contra o Escola sem Partido e vai dar em…” – “NADA!!!”, urravam cada vez mais alto os camisetas azuis, abraçando-se em gozo num final quase catártico.

Findo o espetáculo, sem sombra de debate, faltavam algumas perguntas a serem respondidas por Holiday acerca do projeto. A reportagem se aproximou dele, enquanto os fãs se aglomeravam para tentar uma selfie com Kataguiri e Do Val.

“Vereador, você pode responder duas perguntas para a imprensa?”

“Depende, que imprensa”, respondeu, desconfiado.

“É para a revista VICE”

“Não!”, disse, arregalando os olhos e já fugindo.

“Vereador, você não fala com a VICE?”, pergunto com ele já de costas.

“Jamais!”

O projeto de lei de Holiday segue em tramitação na Câmara. Ainda não há data para uma nova audiência pública.

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