Como lidar com o estigma de suspeito sendo um jovem negro no Brasil
Ilustração por Flora Próspero / VICE Brasil

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racismo

Como lidar com o estigma de suspeito sendo um jovem negro no Brasil

"Por favor, não me assalta."

"Todos os olhos em mim", é o que diz Ale Santos, publicitário, escritor e storyteller de 31 anos, quando está em lugares públicos e se torna "suspeito". A revolta veio em forma de tuíte e junto a ele, muitos outros jovens negros e negras compartilham do sentimento que é ter uma galera olhando torto e desconfiada em qualquer lugar que estejam: shopping, lojas e até no transporte público.

As histórias compartilhadas também falam de como os pais contribuíram para que os jovens, desde cedo, pudessem se prevenir de qualquer constrangimento, como evitar certo tipo de corte de cabelo para não ser confundido com bandido, andar "bem vestido", não sair sem documento e até se acostumar a ser parado pela polícia apenas por ser negro.

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Ale contou um caso recente à VICE. Ele descia correndo as escadas do metrô em São Paulo, que estava superlotado, e um casal impedia sua passagem. "O homem reparou que estava atrapalhando, olhou para a mulher dele e falou: 'Deixa o moço passar'. Ela olhou para trás, olhou para mim e falou: 'Por favor, não me assalta'”.

Ele resume o sentimento que tem quando essas coisas acontecem: raiva. "Me dá muita raiva e vontade de gritar para todo mundo 'O que está acontecendo?'", diz.

Para Humberto Adami Santos, presidente da Comissão Nacional da Verdade da Escravidão Negra do Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), essa é uma realidade social e que pode causar a morte. “Várias estatísticas mostram que a população preta jovem é a que mais morre no Brasil e morre exatamente por coisas como essas, estereótipos”, explica.

O advogado relembra o vídeo do youtuber Spartakus junto com AD Junior e Edu Carvalho, um guia de sobrevivência para o jovem negro durante a intervenção militar no Rio de Janeiro. "O alerta desses três youtubers negros foi muito providencial para garantir o bem mais precioso, independente de qualquer legislação, que é a vida", menciona.

Ale Santos fala que sua thread no Twitter foi uma forma de externalizar seus sentimentos e compartilhar suas dores. "Não é legal eu mesmo gritar com as minhas próprias palavras, por isso, quis trazer palavras dessas pessoas para falar desse assunto. A gente acha que o nosso sofrimento é solitário”, conta o publicitário, ao perceber porque seu tuíte foi tão comentado. “Quando eu começo a ver outras pessoas vivendo isso, contando esse problema, a gente enxerga um problema coletivo”, completa.

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Para ele, é preciso mudar as narrativas em que os negros aparecem. "Existe uma responsabilidade de nós mesmos em fazer novas histórias, onde a gente estiver. Contando para as pessoas como as nossas narrativas são heroicas e, assim, mudar a imagem do negro criminoso, do negro vagabundo, esse tipo de coisa que é a imagem que a sociedade racista construiu nos séculos passados", finaliza.

Em situações discriminatórias, Humberto aconselha que assim como a ginga da capoeira, o jovem e a jovem negra devem ser ligeiros em qualquer situação de racismo. "É preciso estratégia, é preciso foco, esperteza, como na capoeira. Você vai na ginga, você não vai de peito aberto, você vai esperando a melhor hora de dar o bote no seu adversário."

O consultor jurídico sinaliza que os jovens podem buscar nas OABs e organizações não-governamentais algum tipo de auxílio sobre como se portar nessas situações, na obtenção de testemunha e contatar um advogado. "De outra forma, sempre possível e sem se colocar em risco, providenciar provas. O que tem sido feito com os vídeos dos celulares tem sido uma revolução em matéria de prova silenciosa nessa questão dos direitos humanos", aponta Humberto.

Acompanhe os comentários de quem já sofreu como suspeito nessa thread do Twitter.

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