Cripta Djan assina coleção da Öus x à e estreia individual na Europa
Painel da série 'In The Name of Pixo', solo de Cripta Djan na Inglaterra.

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Cripta Djan assina coleção da Öus x à e estreia individual na Europa

Trocamos uma ideia com um dos mais considerados pixadores de São Paulo sobre o projeto e a sua mostra 'In The Name of Pixo’, na Inglaterra.

Djan Ivson, pixador, artista e ativista, entrou para a gangue paulistana Cripta em 1996, quando tinha 13 anos, e rapidamente se consagrou na cena do pixo. Ele faz parte do grupo até hoje, assinando como Cripta Djan, grafia das mais vistas pelos muros da cidade, sobretudo em lugares pra lá de improváveis e difíceis de se ter acesso. A moral do Djan entre os pixadores se dá por isso: ele foi um dos pioneiros na escalada, tendo alcançado arranha-céus de mais de 20 andares, sem nenhum equipamento a não ser as próprias pernas e braços.

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Cripta esteve entre os cabeças da invasão à Bienal de São Paulo em 2008, pautando a mídia cultural na discussão sobre a arte urbana de guerrilha, na luta para sair da invisibilidade social. Depois de participar de mostras que levaram a singular cultura do pixo nacional a bienais de arte contemporânea em Paris e Berlim, ele estreou sua primeira residência solo na Europa, em Birmingham, na Inglaterra, recentemente, com a série de murais In The Name of Pixo.

Em coroação ao bom momento, a marca de street wear Öus e a loja à Urban Shop se juntaram numa parceria que vai trazer uma nova coleção de peças conceituais, com arte do Djan. As peças serão vendidas em quantidade limitada: 28 pares de Phibo Resiliente e 15 jaquetas, ambas em jacquard premium desenvolvido especialmente para o projeto, e 30 camisetas manga-longa. O tecido jacquard, utilizado na confecção do tênis e da jaqueta, também foi usado para revestimento de um sofá, peça única de alto padrão dos anos 1970, o qual estará disponível para venda.

O coquetel de lançamento rola nesta quinta (6), a partir das 20h, na Rua da Consolação, 1031, em São Paulo. No mesmo dia, nas redes, haverá o lançamento de um curta envelopando a proposta da collab.

VICE: Quais foram as suas primeiras referências de grafia no pixo?
Cripta Djan: Comecei a pixar em 1996. Tenho 34 agora. As referências que tinha eram regionais, os pixadores mais próximos e tal, até começar a pegar uma dimensão do que era o rolê mesmo demorou um tempinho. Comecei bem novinho, tinha 12 anos, mas, a partir de 98, já frequentava os points e tal, saí pra fora, era um circuito totalmente integrado do pixo, a capital toda. Foi aí que me cooptou mesmo pra querer ser alguém no pixo, ter um destaque, foram vários anos aí, se dedicando, na rua, como pixador, e depois eu comecei a fazer os registros, por volta ali de 2004, foi o tempo que tirei pra isso, tava arquivando uns protestos, e um pouquinho mais pra frente veio o envolvimento com o campo da arte através dos ataques e tal. A gente começou com a invasão à Bienal, fez dez anos agora…

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Vocês começaram com esse lance de invasão por considerarem o circuito das artes muito elitista, ou tinha outras críticas ali?
Não só isso, degradou o conceito real do que é arte e do que é artista. Porque, nós, pixadores, somos artistas. Mas não artistas como essa elite, né. O pixador é um artista instintivo, ele faz arte sem saber que está fazendo, mas tudo o que a gente faz está dentro do conceito que legitima a expressão artística. Só que a gente não sabe disso, porque não tem informação, não teve a educação o suficiente pra aprender. Viemos de escola pública aqui, né mano. O estado não dá nada pra nós, aprendemos tudo por conta própria, somos autodidatas em tudo. Hoje entendemos que o pixo é uma expressão artística, mas é uma arte de guerrilha, não é uma arte decorativa. Ela tem uma representação política, é a voz de uma classe negligenciada pelo poder público, o Estado, entendeu?

Cripta Djan criando as peças da individual. (Divulgação)

Entendi. A cidade é uma grande tela.
Pra nós, a cidade é todo um palco pra gente desenvolver a nossa expressão. O pixador não é um artista que se limita a uma tela só, ele tem a cidade toda como suporte pra desenvolver a expressão.

A pixação é tão natural quanto o próprio interesse do ser humano pela grafia, né?
A tipografia é algo que está ligado ao nosso desenvolvimento cultural, desde a Grécia Antiga, então eu não sei porque as pessoas têm tanto preconceito com pixo. Pixo é escrita, mano. O pixo é uma cultura popular de resistência. É difícil classificar como uma coisa só, porque ele agrega várias coisas. O pixo é um movimento de memória, acima de tudo, é pra ser lembrado e reconhecido. Pra eternizar a nossa passagem aqui de alguma forma.

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Fale das mostras recentes das quais você vem participando na Europa.
Eu tô participando da Bienal de Veneza de Arquitetura, e a minha primeira individual internacional foi na Inglaterra. Em Veneza é a 16ª edição do evento, junto com os curadores do pavilhão brasileiro, consegui um mapa cartográfico do pixo no Centro de São Paulo. Escolhemos um recorte ali do miolão, onde sempre surgiram os points, todo aquele lugar que sempre ocupamos desde o início da pixação. Aí eles adicionaram várias informações. Esse mapa foi construído com o auxílio da escola da cidade, e é um trabalho bem relevante, porque está colocando o pixo numa plataforma internacional. No campo das artes, já tínhamos conseguido bastante coisa, participar das Bienais aqui, de Berlim, Fundação Cartier… Mas chegar no campo da arquitetura pra falar de pixo está sendo bem legal, porque não estamos nem discutindo o aspecto artístico do pixo, estamos falando da ocupação na cidade, essa busca por espaço num lugar totalmente segregado. A discussão é mais política, porque o pixo como arte já foi discutido em outras Bienais.

"Não podemos querer entrar no lugar só por piedade ou por dó. Não mano, temos que fazer por onde. Somos foda na rua, e podemos ser foda também no circuito das artes"

O que você achou do tema da Bienal de Veneza deste ano?
Como o tema da Bienal deste ano é “Muros de Ar”, onde o muro está sendo discutido como parte da arquitetura, eles me convidaram pra ser mentor desse mapa aí. Foi um trabalho bem gratificante, um trabalho ativista, porque estou ali representando a causa. É diferente da minha pintura, que apresentei agora na Inglaterra.

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Como é estar presente na cena do pixo, das artes e do ativismo ao mesmo tempo?
Eu sou um ativista do pixo, né, cara, defendo a nossa bandeira mesmo, com unhas e dentes, e estou sempre tentando levar o pixo a outros cantos além da rua, pra ter o reconhecimento devido. Estamos em busca de reconhecimento conceitual, e não espaço de conforto. O papel do pixo é ser incômodo mesmo, mas isso não quer dizer que não possamos ter uma representação fora da rua. O trabalho que faço de pintura usa a linguagem do pixo e minha identidade visual, e tudo tem conceito. São series que crio. Me preparei bastante antes de começar a fazer esse trabalho de pintura. Já tinha participado de três bienais, já estava inserido no meio das artes, mas não tinha feito pintura. Tive oportunidade de estudar bem esse campo pra saber o que ia fazer que não comprometesse, não banalizasse o que faço na rua.

É um desafio novo, porque na rua você não precisa provar mais nada…
Na rua a gente já dominou tudo, todo tipo de apropriação, escalada, corda, janela. Aqui é diferente, esse é o meu desafio agora: sou um pixador dentro do campo das artes. Me sinto como o molequinho que começou a pixar lá em 96, que queria ser foda e respeitado. Agora, o que pretendo buscar nesse circuito é justamente isso: prestígio nas artes e respeito como pixador. Os caras falar: “Respeito o trabalho dos caras. Os caras são pixador, mas têm talento e potencial de estar aqui, ocupando esse lugar.” Não podemos querer entrar no lugar só por piedade ou por dó. Não mano, temos que fazer por onde. Somos foda na rua, e podemos ser foda também no circuito das artes, jogando com as regras e as ferramentas desse campo.

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Mural pintado em frente ao pico da exposição da Inglaterra. Cripta Djan/Divulgação

Qual é o objetivo final disso tudo?
Acho que é a ascensão social. Estamos buscando a ascensão social por meio da arte. São pessoas da periferia tentando ocupar os espaços que são ocupados geralmente pelas elites. Quem faz arte no Brasil? Pessoas que vêm da Faap, famílias tradicionais, e eu quero quebrar esse ciclo. Quando um artista da periferia vai ter três bienais no currículo? Quero que minha trajetória seja um exemplo e um legado pras próximas gerações do pixo. No pixo sempre tem um pioneiro em alguma coisa, sempre foi assim. Alguém foi lá, deu um pontapé inicial, e a galera seguiu em frente. Tenho me esforçado pra contribuir ao máximo nesse sentido.

Achei legal das suas pinturas que você está ali compondo frases, e não só lançando uma assinatura ou algo assim.
O meu trabalho tem o poder da imagem, mas ele tem uma mensagem, não é só estético ou decorativo. Tem sempre um conteúdo político, colocando esses anseios do pixo e do pixador em evidência, sempre discutindo alguma coisa, tipo, cada série tem um título e um conceito. O desafio é ser visto como um artista contemporâneo sem deixar de ser pixador.

Tem alguma fita engraçada que já rolou contigo em suas escaladas por aí?
Certa vez, durante uma escalada que eu estava fazendo ali na Barra Funda, um pouquinho antes da São João. Esse prédio é bem no pé do elevado. Estava eu e o finado Guigo, quando chegamos meio que no topo pra começar a fazer, passou uma viatura, e a gente continuou. Ela veio pra gente mesmo, parou embaixo, e, como não parávamos de pixar, o policial ficou irritado e deu um tiro pro alto. Nessa hora, os moradores abriram a janela, e uma mulher abriu bem no andar em que estávamos, e ela ficou impressionada, falou: “Bem, bem, vem ver!”. Acordou o marido, ele apareceu na janela e falou: “Nossa, vocês são alpinistas!”. [risos] Foi muito louco, essa eu não esqueço! Eles ficaram espantados, totalmente! Imagina, você abre a sua janela e tem um cara lá pendurado por uns buraquinhos. O bagulho é loko, os caras achavam que homem-aranha era só no filme [risos].

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Você diria que a pixação é o ato mais subversivo existente na arte contemporânea?
A gente tem esse lance de colocar a nossa vida no limite, nenhum outro artista faz isso. A nobreza do pixo está nisso, em ser algo subversivo. Isso você não encontra mais nas artes. Hoje tudo atende ao capital. Por isso somos acusados de louco. Se a polícia nos pega, fala: “Você escalou isso aí só pra pixar?! Pra que isso?”. Pra eles faz mais sentido um cara que está roubando, porque hoje vivemos uma razão capitalista, tudo atende ao capital. A nobreza foi totalmente vulgarizada por causa da razão capital. É classificado como loucura, sempre assim. O pixo é movido pela transgressão, não tem como. O pixo, de fato, se faz na rua, como transgressão.

Como rolou a ideia da coleção que vai ser lançada nesta semana?
A Ã Urban Shop faz essa conexão, a curadoria entre a marca e o artista. Até pela trajetória do Juk, um cara que vem da rua e também tem a história dele dentro do pixo, essa referência de poder fazer a ponte. Se não fosse um cara que nem o Flávio Juk ficaria difícil porque ele realmente sabe o que vai dar certo entre um artista e uma marca. Ele propôs essa parceria com a Öus e eu me identifiquei por ser uma marca nacional que trabalha com qualidade. É uma soma de talentos nacionais.

O que achou do resultado final da collab Öus x à x Cripta Djan?
O material está de primeira. A gente fez uma jaqueta, um tênis e uma camiseta de manga-longa. É um linho que não é bordado, ele é talhado, muito louco. Eu entrei com a série “Manifesto”, com um trecho do texto “A Arte de Vandalizar”, e eles entraram com esse material totalmente refinado, que eu nunca tinha visto, inclusive ele tem um tom sobre tom que é meio degradê. Achei genial. E é um momento em que eu estou estreando na Europa, com essa exposição em Birmingham, e a Öus também.

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ÖUS x à x CRIPTA DJAN (Flyer/Divulgação)

ÖUS x à x CRIPTA DJAN (Foto: João Prendin)

ÖUS x à x CRIPTA DJAN (Foto: João Prendin)

ÖUS x à x CRIPTA DJAN (Foto: João Prendin)

ÖUS x à x CRIPTA DJAN (Foto: João Prendin)

ÖUS x à x CRIPTA DJAN (Foto: João Prendin)

ÖUS x à x CRIPTA DJAN (Foto: João Prendin)

ÖUS x à x CRIPTA DJAN (Foto: João Prendin)

ÖUS x à x CRIPTA DJAN (Foto: João Prendin)

ÖUS x à x CRIPTA DJAN (Foto: João Prendin)

ÖUS x à x CRIPTA DJAN (Foto: JP Faria)

ÖUS x à x CRIPTA DJAN (Foto: JP Faria)

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