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Saúde

Mudar sua hora de dormir todas as noites pode aumentar o risco de depressão

É como voar de São Paulo para Miami na sexta e depois fazer o caminho inverso — todas as semanas.
Foto: Dina Giangregorio/Stocksy

Quando se fala em ritmo circadiano, você provavelmente fica confuso porque não conhece o termo ou pensa em sono. Contudo, nossos ritmos corporais, que envolvem processos como a produção de hormônios e a regeneração celular, são as formas que nosso corpo tem de se adaptar às alterações que ocorrem a cada dia de 24 horas — como resfriar o corpo à noite para dormir. E elas são cruciais para nosso bem-estar. Pesquisas consistentes mostram que quando esses ritmos estão prejudicados, as pessoas ficam mais suscetíveis a ter problemas de saúde.

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Porém, de acordo com pesquisadores da Universidade de Glasgow, na Escócia, essa conexão subestimada entre ritmos circadianos e saúde mental foi apoiada, na maioria dos casos, por estudos que utilizaram métodos de pesquisa não confiáveis e amostras muito pequenas. Isso até a semana passada, quando publicaram seu próprio estudo, o primeiro a medir objetivamente uma amostra de mais de 91 mil pessoas para confirmar a ligação entre um ritmo circadiano disrupted e a depressão.

“Estudos anteriores já observaram isso, mas eles tinham a tendência de utilizar relatórios subjetivos, do tipo: perguntar a opinião das pessoas sobre o quão estáveis são seus ritmos circadianos. Ou então, eles usaram amostras muito pequenas”, afirmou Laura Lyall, autora principal do estudo novo, em um podcast lançado na semana passada pelo The Lancet Psychiatry.

Para o estudo, eles identificaram o que é conhecido como “variável de amplitude relativa” circadiana, que diz o quanto o ciclo de atividade e descanso de uma pessoa está prejudicado. Então, eles compararam o que descobriram com outras medições — incluindo depressão, felicidade e capacidades cognitivas.

“Descobrimos que as pessoas que tendem a apresentar amplitude relativa mais baixa, o que indica menos distinção marcada entre os períodos de atividade e descanso, estavam mais propensas a preencher os critérios para a depressão por toda a vida e o transtorno bipolar”, Lyall afirma. Eles também descobriram que pessoas com mais transtornos no ritmo circadiano apresentaram menores níveis de felicidade subjetivos, menor saúde satisfatória e foram menos propensos a relatar se sentirem sozinhos. E eles tinham menos instabilidade de humor, níveis mais altos de neuroticismo e menos tempo de reação lenta.

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Em outras palavras, a estabilidade de seu ritmo circadiano está estreitamente vinculada não somente ao modo como você se sente emocionalmente, mas também no bem-estar em geral. Contudo, os resultados do estudo têm uma limitação importante. Ainda não está claro se o ritmo circadiano prejudicado causa a depressão, ou se é a depressão que causa esse transtorno no ritmo circadiano.

“São associações observacionais e não podem nos dizer se os transtornos de humor e a diminuição no bem-estar causam prejuízo nos padrões de descanso-atividade”, Lyall afirma, “ou se os [ritmos] circadianos prejudicados deixam as pessoas vulneráveis aos transtornos de humor e a um bem-estar insuficiente”.

Contudo, as correlações são fortes o suficiente para sugerir que, se seu ritmo circadiano está desequilibrado — se você for dormir em horários radicalmente diferentes de uma noite para a outra, por exemplo — você está mais propenso a ter depressão. Ainda, mais pesquisas são necessárias para determinar se uma pessoa tem depressão porque não está dormindo bem, ou se não está dormindo bem porque tem depressão. Um melhor entendimento dessa relação nos mostrará o foco das intervenções para reduzir as doenças mentais e outros problemas de saúde associados com o ritmo circadiano.

“É difícil dissociar a causalidade dessas coisas. É possível observar as correlações, mas você precisa saber quais coisas deverá tentar mudar”, afirma David Hinds, geneticista que estudou hábitos de sono na 23andMe, empresa de genética do Vale do Silício. “Se a direção causal é seguir no caminho errado, é possível mudar o comportamento, contudo, isso não afetará o desfecho.”

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Hinds afirma que observar o componente genético dos ritmos circadianos e as doenças mentais pode oferecer algumas respostas. “Um modo de determinar a direção de causa e efeito dessas coisas é olhar para a genética”, ele afirma, “porque você sabe que a genética não pode ser simplesmente efeito de algo externo. Deve estar do lado da causa”.

Pode ser que haja algumas pistas no estudo de animais não humanos também. Ilia Karatsoreos, professor de neurociência na Universidade Estadual de Washington, escreveu extensivamente a respeito das associações entre os ritmos circadianos e as doenças psiquiátricas. Ele acredita que os melhores dados de que dispomos atualmente vêm dos estudos com animais não humanos.

“Trabalhos evidenciam que prejudicar o relógio celular — ou os ‘motores’ celulares do relógio circadiano — pode aumentar comportamentos do tipo depressivo e maníaco, bem como a função cognitiva em camundongos e ratos”, Karatsoreos afirma. “De modo semelhante, restringir o sono em modelos com animais não humanos pode levar a alterações em comportamentos e cognições afetivos.”

A ciência dos ritmos circadianos é incrivelmente complexa mesmo se a simplificarmos com foco em um único aspecto, como o sono. Contudo, um cronograma de sono pode ser uma das atitudes mais simples para manter os relógios internos funcionando bem. Uma coisa que podemos fazer, Karatsoreos afirma, é evitar o “jet lag social” — aquilo que você faz quando acorda extremamente cedo durante a semana e depois vai dormir bem tarde nos fins de semana, e repete esse ciclo semana após semana.

“Por mais que pareça bom tentar ‘recuperar’ o sono perdido durante o fim de semana, você estará basicamente voando de Nova York a Los Angeles na sexta, e voltando para Nova York na segunda de manhã todas as semanas”, Karatsoreos afirma. “Isso faz o relógio cerebral e os ciclos de sono perderem a sincronia com o ambiente, o que é provavelmente algo negativo em longo prazo.”

Para realmente compensar os impactos potencialmente negativos de padrões de sono radicalmente diferentes dos dias da semana em comparação com os fins de semana, Karatsoreos sugere manter o máximo de consistência possível da rotina de sono ao longo da semana.

Matéria originalmente publicada na VICE US.
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