Pesquisas eleitorais cometem erros estatísticos e podem influenciar eleitores
Ilustração: Cassio Tisseo/VICE

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Pesquisas eleitorais cometem erros estatísticos e podem influenciar eleitores

Desde 2002, pesquisas de véspera do primeiro turno de Datafolha e Ibope mostraram projeções além da margem de erro de 11 dos 15 candidatos mais bem posicionados.

Na noite de 7 de outubro, quando Wilson Witzel (PSC) apareceu em primeiro lugar na apuração, com cerca de 41% dos votos válidos para o governo do estado do Rio de Janeiro, diversos jornalistas tentaram explicar na TV como o candidato havia conquistado tantos eleitores. Afinal, levantamentos de Ibope e Datafolha da véspera do pleito mostravam o ex-juiz federal com projeção entre 12% e 17% dos votos válidos, respectivamente. Discrepâncias como essa repetiram-se nas últimas pesquisas para a presidência da república, ainda que em menor escala: Jair Bolsonaro (PSL), Fernando Haddad (PT), Ciro Gomes (PDT) e Geraldo Alckmin (PSDB) pontuaram fora da margem de erro.

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Seria uma infelicidade dos dois mais prestigiados institutos de pesquisa do país, se as divergências não se repetissem em outras pesquisas feitas nestas e em eleições passadas. Em um levantamento feito pela VICE, constatou-se que desde as eleições presidenciais de 2002, as pesquisas de véspera do primeiro turno de Datafolha e Ibope mostraram projeções além da margem de erro nos números de 11 dos 15 candidatos mais bem posicionados. Os números dos institutos para os sufrágios presidenciais de 2014 e 2018, particularmente, são os com a maior quantidade de divergências: todos os candidatos mais bem colocados tiveram números incorretos.

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Na véspera das eleições de 2014, Ibope e Datafolha apontaram uma disputa pela segunda colocação entre Aécio Neves (PSDB) e Marina Silva (à época PV e atualmente Rede), tecnicamente empatados na avaliação feita pelo último instituto. No entanto, o pleito revelou que o candidato do PSDB tinha 12 milhões de eleitores a mais que a rival e estava muito mais próximo de Dilma Rousseff (PT), primeira colocada, que de Marina. A distância entre os números das pesquisas e a votação real de Aécio chegou a passar de 7 pontos percentuais – quase quatro vezes mais que a margem de erro.

Para José de Carvalho, PhD em estatística pela Iowa State University (EUA) e professor aposentado da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), as falhas são justificadas por um equívoco na fórmula de amostragem (técnica de pesquisa em que uma amostra de pessoas representa o total da população). As empresas comumente empregam uma técnica conhecida como amostragem por cotas, tida como veloz e de baixo custo, mas utilizariam fórmulas de outra técnica, chamada amostragem aleatória, o que prejudicaria os resultados. “Não podemos garantir as margens de erro que estão declaradas. Por não ter margem de erro e por usar as fórmulas de amostragem aleatória, eu acho que essa é a grande justificativa para todos esses erros que vem ocorrendo em todas as eleições”, afirma o acadêmico para a VICE.

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Carvalho publicou um artigo em 2006, em parceria com Cristiano Ferraz, professor de estatística da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), em que chama o procedimento dos institutos de “erro estatístico”, comparando-os com “erros médicos” e recomendando que os levantamentos, caso continuassem sendo feitos de forma equivocada, não fossem divulgados para não influenciar o processo eleitoral.

No entanto, há divergências sobre o assunto. O filósofo e linguista estadunidense Noam Chomsky esteve no Brasil durante as semanas que antecederam o primeiro turno das eleições e visitou o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) na sede da Polícia Federal, em Curitiba. Chomsky acredita que, apesar das inconsistências dos levantamentos, é melhor tê-los. “Existem aspectos negativos, mas em suma [as pesquisas] devem ser feitas. Penso que, preferivelmente, as pessoas devam ter qualquer informação disponível. Isto assumindo que as pesquisas são honestas, não manipuladas por campanhas políticas. Eu não vejo qualquer sinal de manipulação”, fala em entrevista à VICE.

Também é dessa forma que pensa Helio Migon, PhD em Estatística pela Warwick University (Inglaterra) e professor emérito da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). “Gostaria de viver num país democrático, com liberdades totais. Se um órgão de imprensa faz uma pesquisa, é para ser divulgada para todos os leitores”, afirma. Migon, porém, reconhece que há uma influência dos levantamentos na escolha do voto. “[As pesquisas] avaliam as campanhas, mas como subproduto induzem, marginalmente, a escolha dos eleitores. Por exemplo, o voto útil, o desejo de votar no vencedor”, explica o acadêmico. “Acho, entretanto, que só uma parcela menor de eleitores examina esses resultados a ponto de utilizá-los como elemento de escolha”, completa.

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José de Carvalho também vê o efeito das pesquisas no processo eleitoral. “Falando como cidadão, elas têm um efeito. Elas inclusive guiam os coitados dos candidatos que se lançam, que vão para aqui ou para lá para melhorar seus coeficientes eleitorais, baseado nessas pesquisas. Acho que é um desperdício, no mínimo. E é um malefício, na pior das hipóteses”, acredita o estatístico. Chomsky corrobora a tese da influência das pesquisas no voto. “Há evidências sugerindo. Por exemplo, a enorme e imprevisível votação para [Wilson] Witzel [no Rio de Janeiro]. Difícil interpretar como qualquer outra coisa que não seja um efeito da onda recente de apoio a Bolsonaro, que seria conhecida apenas pelas pesquisas”, conclui o filósofo.

O caso de Witzel é emblemático, mas não está isolado. Nos últimos anos, as discrepâncias não se restringiram somente às esferas federais e estaduais do Executivo. Em 2016, na disputa pela prefeitura de São Luís, no Maranhão, o Ibope afirmou que o candidato Eduardo Braide (PMN) tinha apenas 5% dos votos válidos às vésperas do pleito, ocupando a quarta colocação nas pesquisas. No entanto, Braide foi votado por 21,34% dos eleitores ludovicenses e foi para o segundo turno. No mesmo ano, em São Paulo, o mesmo instituto apontou um dia antes da eleição que João Doria (PSDB) tinha 35% dos votos. O tucano acabou eleito prefeito no primeiro turno, votado por 53,29% do eleitorado paulistano.

De acordo com Helio Migon, diversos fatores extra matemáticos influem nos levantamentos e podem levar a esses equívocos. “Eu acho que tem várias complexidades nessas pesquisas que vão além da estatística. A forma como a pesquisa é conduzida, o controle da qualidade dos dados observados. Tem vários procedimentos típicos de uma pesquisa que não são do lado estatístico. O mundo do ambiente eleitoral é muito irrequieto, acontecem fatos com uma dinâmica muito forte”, diz o acadêmico.

O Ibope defende-se afirmando que as pesquisas mostram “o cenário do momento em que ela foi registrada”. Para o Datafolha, o objetivo dos levantamentos “não é antecipar o resultado exato dessa votação, mas estudar tendências ao longo do processo eleitoral”. Quando questionado se a situação poderia mudar tão bruscamente em apenas um dia, o Datafolha afirmou que “entre o final da coleta de entrevistas e o momento do voto o eleitorado continua buscando informações” e que, neste ano, 18% dos eleitores disseram ter decidido o voto para presidente entre a véspera e o dia da eleição. O Ibope não respondeu a essa pergunta.

Para José de Carvalho, os resultados não deveriam ter divergências tão grandes. “Não pode ficar mudando do dia para a noite, dificilmente. Salvo se acontece um fato absurdo. Um candidato ser apanhado numa coisa muito feia. Eu acho que não”, opina. O estatístico sugere que haja um maior rigor dos órgãos competentes para evitar as falhas. “O TSE (Tribunal Superior Eleitoral) tem que registrar essas pesquisas, mas poderiam também verificar a qualidade. Não basta registrar”, finaliza.

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