O emo rap é o verdadeiro revival do emo
Foto do Lil Peep: Divulgação / Foto do Raffa Moreira: Jardiel Carvalho/VICE

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O emo rap é o verdadeiro revival do emo

Depois de 15 anos sem se reinventar, o gênero volta ao topo repaginado com batidas trap e muitos versos rimados sobre depressão e drogas.

Na semana passada, o segundo disco do rapper norte-americano XXXTentacion, ?, estreou em primeiro lugar na parada de álbuns da Billboard. Além de sair em meio a cenas lamentáveis protagonizadas por XXX — como um julgamento por denúncias de ter espancado a ex-namorada enquanto ela estava grávida e um vídeo que o mostra dando uma pancada no rosto de uma outra mulher —, ? também é um display de suas variadas influências: apesar das batidas trap bem ao estilo de Atlanta, o rapper também traz elementos vocais e melódicos de ritmos como hardcore, metal e, principalmente, o emo. X faz parte da geração de rappers, junto a Lil Xan, Lil Peep, Trippie Redd, Lil Uzi Vert e muitos outros, que deram origem ao termo emo rap.

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E essa não é a primeira vez que o emo rap faz algum barulho mundo afora. No ano passado, o single "XO Tour Llif3", do Lil Uzi Vert, que discorre sobre um relacionamento fadado ao fim, e cujo refrão é "Push me to the edge / All my friends are dead" ("Me empurre para a borda / Todos os meus amigos estão mortos") ficou dez semanas no top 10 da Billboard. A semelhança foi tanta que a faixa ganhou até uma versão screamo e o Noisey gringo pediu para que bandas emo resenhassem a faixa. Ainda em 2017, a Pitchfork abriu o ano com um perfil do agora falecido rapper Lil Peep que o denominava o "futuro do emo" e a faixa "1-800-273-8255", do Logic, também completou semanas na Billboard com suas letras sobre suicídio e depressão.

Fato é que o emo rap, como termo, explodiu mundialmente no ano passado – o rapper Murs, em seu canal do YouTube HipHopDX, conta que ele foi cunhado em 1997 por Slug, do duo Atmosphere; é provável, porém, que ele tenha começado a ser usado com mais frequência por conta do artigo da Pitchfork sobre Peep. Sua definição exata e início, porém, permanecem inconstantes nas últimas décadas.

Se fosse para indicar quando as letras emotivas começaram a tomar conta do hip hop (ao menos de sua porção mainstream), eu apontaria como culpado o 808s and Heartbreak do Kanye West, que completa 10 anos de existência em novembro desse ano. O 808s foi uma surpresa pra grande maioria do público do Kanye, que àquela altura, com já três álbuns em seu nome, era conhecido por seus samples de jazz e soul e flows dinâmicos. Impulsionado por uma separação de Kanye e a morte de sua mãe, 808s é uma viagem melancólica synthpop autotunada quase 100% cantada. Kanye desagradou público e crítica, mas abriu caminho para a galera mais sentimental do hip hop que viria depois dele, como Kid Cudi e Drake.

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Mas foi só a partir dos anos 2010 que o que é entendido hoje como emo rap começou a dar as caras. Dois nomes chave que explodiram dos confins da internet para o mundo são importantes aqui: o sueco Yung Lean, cujo selo Sad Boys Entertainment tirava seu nome dos motivos sensíveis e emotivos (às vezes mais meméticos do que sérios) de suas músicas, e o californiano BONES, originalmente Th@ Kid, que lá pra 2014, com o lançamento de Garbage, começou a incorporar elementos de emo, metal e indie rock em seus sons.

A dupla foi quem deu o pontapé, tanto musical quanto de plataforma, para que o tal rap de Soundcloud começasse a surgir lá pro meio da década. Juntando uma facilidade em fazer som e disponibilizá-lo na internet, uma geração que cresceu ouvindo sucessos do emo e pop punk na MTV, picos de doenças mentais e a epidemia do uso de opiáceos nos Estados Unidos, o emo rap nasceu e floresceu em suas letras sobre depressão e suicídio, abuso de drogas como Xanax, e relacionamentos. Em oposição ao braggadocio e apelo ao mainstream que dominou as paradas desde a bling era durante os anos 2000, o emo rap vem repleto de auto-piedade, agressividade e um grande sentimento de isolamento.

Mas não são só as letras que dão nome ao gênero. A musicalidade desses artistas também se reflete no gênero de rock emotivo: a melodia vocal do hit póstumo de Lil Peep, "Awful Things", poderia ter sido tirada de um som do Good Charlotte — que, inclusive, fez um cover da música depois da morte do rapper; a primeira faixa de 17, disco anterior de XXXTentacion, "Jocelyn Flores", conta com um instrumental de violão acústico e um refrão cantado. A tendência também escoou pra outros nichos do rap: as guitarras sampleadas em "MILK", do grupo Brockhampton, são pura angústia e rock alternativo dos anos 90.

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Aqui no Brasil, o emo rap ainda não chegou com a força que ele tem nos Estados Unidos, mas já dá pra citar alguns entusiastas — o principal deles, claro, é o trapstar de Guarulhos Raffa Moreira. No ano passado, Raffa lançou a mixtape Raw Raw Emo, mas desde antes essa influência já rolava pro rapper em sons como "Print na Briga" e "Rockstar". Em entrevista ao Noisey também em 2017, Raffa, que tinha uma banda emo na adolescência, falou que o gênero ajudou a formar sua identidade musical: "Eu sou músico de harmonia também. E música é música. O emo influenciou muito no meu jeito de rimar."

Além de Raffa, alguns outros nomes como a Recayd Mob (principalmente MC Igu e Klyn), Izumed e Konai também já entraram na tendência por aqui.

O emo rap é obviamente um filho de sua época — tanto os artistas quanto o público, que a esse ponto têm praticamente a mesma idade, cresceram ouvindo o emo e pop punk (Dashboard Confessional, Fall Out Boy, The Get Up Kids, Brand New) que invadia as rádios e TVs durante os anos 2000 – o emo que ressurgiu com um apelo pop, já longe daquele que tomou o meio-oeste americano no início dos 90.

É uma renovação (bem-vinda ou não, depende do seu ponto de vista) de um gênero que não sai do lugar há pelo menos 15 anos, apesar de seu "revival" ter sido clamado por tantos fãs e veículos ao longo da última década. Resta saber se o subgênero seguirá a música que lhe deu origem e voltará para as profundezas nichadas da internet até o fim da década ou se ele está nas paradas da Billboard pra ficar.

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