Como um RPG brasileiro chamou a atenção dos criadores de 'Worms'
'Sword Legacy: Omen' traz uma nova interpretação do conto do Rei Arthur. Imagens: Team17/Reprodução.

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Como um RPG brasileiro chamou a atenção dos criadores de 'Worms'

Os cariocas da Firecast e Fableware se uniram numa jornada épica e ousada em 'Sword Legacy: Omen'.

A Lenda do Rei Arthur, que retirou a espada da pedra e liderou os cavaleiros da Távola Redonda para altas aventuras no Reino Unido, já foi recontada inúmeras vezes, mas poucos retratam a história antes do surgimento do monarca. Foi através desse recorte da história que as desenvolvedoras cariocas Firecast e Fableware chamaram a atenção da distribuidora britânica Team17, e assim nasceu Sword Legacy: Omen, um RPG de tática que traz uma inovadora leitura antes do conto arturiano.

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Muito antes de sair fazendo parcerias com estúdios brasileiros por aí, a Team17 é a empresa por trás da tradicional série Worms, que foi um baita sucesso nos anos 90 e já apareceu em vários consoles da última década.

Malditas minhocas inimigas ainda aparecem nos meus pesadelos.

Ter conseguido garantir o investimento de uma empresa como essa foi uma jogada tão boa dos desenvolvedores cariocas quanto a própria criação do game.

Bruno Lanzarotti, produtor e fundador da Firecast Studio, conta em entrevista por email que o projeto começou em 2014, através de pesquisas de público e a paixão por jogo de turno os integrantes decidiram criar uma história sobre o folclore britânico. "As lendas arturianas já são bem conhecidas internacionalmente, isso facilita a entrada no mercado", explica o produtor. O desenvolvedor também acredita que o gênero de RPG é uma aposta que traz uma certa segurança por conta da sua popularidade.

Em 'Sword Legacy' o jogador controla de quatro à oito personagens enquanto interage com o cenário.

No fim daquele mesmo ano, a Firecast decidiu realizar uma parceria com a Fableware Narrative Design, desenvolvedora focada em narrativas para maior imersão e riqueza na história de "The Quest", nome provisório do projeto na época. "Fiquei impressionado com o trabalho e empolgado para contribuir dando ainda mais vida àquele universo com o poder de uma trama e personagens bem desenvolvidos." diz Arthur Protasio, fundador do estúdio.

Arthur explica que Sword Legacy: Omen possui três pilares: estética, história e mecânica. Esses elementos são baseados em aventuras de época como a própria Lenda do Rei Arthur e séries como Game of Thrones e Vikings. A direção de arte do jogo foi inspirada em animações da Disney que têm uma pegada mais sombria, como A Bela Adormecida, A Espada Era a Lei e o não-tão-Disney O Caldeirão Mágico. Já a mecânica de turnos tem influência das franquias X-COM e Shadowrun Returns.

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“Somos fãs de todas as nossas referências, pesquisamos e extraímos o que acreditamos que há de melhor em obras já existentes para combinar essas características de uma forma distinta e criar um jogo divertido e relevante pro público.” diz Arthur.

Com o jogo sendo feito, esforços, as duas empresas correram atrás de parceiros e distribuidores. Bruno afirma que ouviram muito "não" nas mesas de negociação. “Foi uma longa estrada para conseguirmos uma publisher de qualidade, quase um ano de conversa com várias distribuidoras de diferentes países”, conta.

Até que no ano passado, Arthur Protasio esteve na Alemanha pro Quo Vadis, uma feira de games independentes europeus, e apresentou o Sword Legacy, já com seu nome atual. O papo atraiu a atenção de olheiros da Team17, que ficaram surpresos que um game brasileiro retratasse a Lenda do Rei Arthur.

“O fato da Team 17 ser britânica apenas torna as coisas ainda mais relevantes", explicou Arthur, "primeiramente porque é uma aprovação do fato de estarmos trabalhando com a mitologia do Rei Arthur. Em segundo lugar representa o endosso da publisher em relação ao Sword Legacy pro resto do mundo. Afinal, estamos falando de uma empresa que desenvolve desde 1990.”

No dia-a-dia, essa mistura de Brasil e Inglaterra funciona assim: a Firecast é responsável pela arte, programação e game design. A Fableware pelo roteiro, design de narrativa. Já a Team17 cuida do marketing e RP, eventos e vendas do jogo internacionalmente e QA (testes e caça de bugs).

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Arthur afirma que apesar das funções distintas, todas estão interligadas. “Regularmente temos reuniões e debates para discutir questões de game design, level design e arte, já que são decisões que afetam outras áreas. No fim das contas, [o que importa é] a experiência do jogador.” explica o desenvolvedor.

Mapa de Britânia, onde se passa o jogo.

Com relação das diferenças culturais de cada empresa, ambos os estúdios brasileiros concordam que há divergências pela experiência da publisher que está há quase trinta anos no mercado, mas que encaram tudo isso como aprendizado. “Eles [Team17] já tem sua cultura de desenvolvimento que foi interessante de observar para aprender sobre alguns aspectos que nunca tínhamos visto profundamente, como a parte comercial, testes de usabilidade e tradução para diferente línguas.” diz o diretor Bruno.

“Vivemos nas trincheiras dos independentes e aqui é necessário ter muita dedicação e fazer sacrifícios para conseguir atingir os resultados que a gente tanto almeja."

Ade Lawton, diretor de Marketing da Team17, acredita que uma vez que a publisher trabalha com empresas de diferentes países, encara a parceria com as produtoras brasileiras apenas como bons desenvolvedores com potencial. “Cada relacionamento é diferente, mas eu não diria que há grandes obstáculos. Somos todos gamers e todos queremos a mesma coisa: trazer grandes jogos para um público tão amplo quanto possível.”

Com a parceria internacional, as desenvolvedoras deram o primeiro passo de uma longa jornada que vem pela frente. Bruno Lanzarotti afirma que esses quatro anos de produção do Sword Legacy estão sendo “uma aventura épica que nem o jogo”. No momento, a falta de recursos para manter o estúdio funcionando de forma independente — enquanto o jogo não é lançado — é um dos maiores desafios das duas empresas brasileiras atualmente.

“Vivemos nas trincheiras dos independentes e aqui é necessário ter muita dedicação e fazer sacrifícios para conseguir atingir os resultados que a gente tanto almeja,” lamenta Arthur.

Já Ade adiciona uma outra perspectiva de quem vê a nossa indústria emergente de fora, afirmando que o mercado de games vê com bons olhos os produtores independentes brasileiros.

“Há uma enorme criatividade no cenário de desenvolvimento indie brasileiro, que cresceu sem uma indústria de jogos consolidada", diz Ade. "Tenho certeza de que continuará crescendo e veremos mais jogos incríveis saindo do Brasil.

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