A resistência da arte está em ver o que realmente importa
Mural de Ananda Nahu em Cleveland (EUA) - Divulgação

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A resistência da arte está em ver o que realmente importa

As artistas baianas Ananda Nahu e Virginia de Medeiros focam seus esforços em fortalecer discursos e posicionamentos sobre temas como feminismo e identidade de gênero.

Uma cortina de fumaça. É assim que artista Ananda Nahu enxerga as polêmicas atuais em torno da arte: fechamento antecipado da mostra Queermuseu; protestos contra o MAM-SP; tentativas de censura à exposição Histórias da Sexualidade, no MASP, e, no SESC, à palestra da filósofa Judith Butler e à peça de teatro “Evangelho Segundo Jesus, Rainha do Céu”. "Passamos por esses momentos no mundo inteiro. Sempre existe um interesse político, querem tirar a atenção do que realmente importa, do que está acontecendo", acredita.

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A artista Virginia de Medeiros vê a situação de forma parecida: a história é cíclica e estamos revisitando um momento de mudança de paradigmas e censura à arte. "Sinto como se fosse uma armadilha, a gente corre o risco de perder direitos e acho importante não apontar pro inimigo. Vou muito pelo desvio, porque temos que ter cuidado para não tirar o foco das coisas importantes", aconselha.

Em 1998, a fotógrafa norte-americana Joyce Tennenson criou esta imagem para a Absolut. Na obra há uma resistência delicada, mas feminista. A colaboração de Chevelle Makeba Moore Jones com a marca foi um ano antes, em 97 – Fotos: Divulgação/ Montagem

Em 1998, a fotógrafa norte-americana Joyce Tennenson criou esta imagem para a Absolut. Na obra há uma resistência delicada, mas feminista. A colaboração de Chevelle Makeba Moore Jones com a marca foi um ano antes, em 97 – Fotos: Divulgação/ Montagem

Representatividade é poder

Além de sacarem esse aspecto sobre o contexto artístico atual, tanto Ananda quanto Virginia são baianas e voltam suas obras para que lutas sociais relevantes e atuais ganhem visibilidade. Mas isso não é uma exclusividade brasileira, ainda bem! A fotógrafa Joyce Tenneson faz fotos de nus e seminus cheias de simbolismo, que vão de encontro à visão objetificada que pode ser vista em grande parte das artes produzidas por homens. A artista norte-americana Chevelle Makeba Moore Jones, por sua vez, usa cores vibrantes para falar sobre temas fortes e seu trabalho se alinha ao de Ananda, no que tange ao feminismo.

As pinturas e grafites de Ananda têm como motes principais as mulheres e a cultura afro e, muitas vezes, os dois assuntos se unem: mulheres negras. São questões que ela sempre curtiu abordar, mas suas escolhas também têm uma pegada a serviço da resistência. "Se você promove a repetição de imagens positivas, de força, de empoderamento, de mulheres fortes, você muda a frequência mental de quem vê aquela arte - especialmente das mulheres que se veem retratadas ali - e estimula um comportamento de amor próprio", explica.

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A artista plástica Ananda Nahu trabalha com muralismo e retrata em suas pinturas temas como a cultura afro e as mulheres. Já trabalhou em diversos lugares do país e no exterior – Foto: Lisa Dejong/ Divulgação

Em meio a um mix de estilos, aspectos visuais e técnicas de pintura que vão do spray livre ao estêncil, Ananda traduz mulheres poderosas, independentes e visualmente ricas. Alguns trabalhos são inspirados em famosas como Sarah Vaughan, Aretha Franklin, Mary Gresham, Margie Joseph, Nina Simone e Betty Wright, entre outros nomes fortes na música e na política. "O meio artístico tem cabeça mais aberta, mas mesmo assim existe um preconceito velado de que eu, como mulher, não vou conseguir e não sou capaz de fazer aquilo. A mulher é o tempo todo comparada e questionada, ela já nasce com os padrões estabelecidos do que deve ser e exercer na sociedade e como precisa se comportar perante os homens", afirma Ananda.

O espelho que nos faz pensar

Virginia extrapola as questões femininas (e feministas) para as que transitam pela identidade de gênero, entre outros assuntos. Suas vídeo-instalações são o resultado da troca antropológica vivenciada em seu trabalho. A artista entra em contato, se mistura e se conecta com as pessoas, vê nesse processo o cerne da questão. "Cada artista concebe sua prática em razão de alguma coisa que não lhe foi dado. É sempre um lugar de autoconhecimento, de transformação e experimentação. A arte atravessa a todos como sensação. Essa força da emoção é o que projeta futuros e move a vida", diz.

A artista Virginia de Medeiros trabalha com diversos suportes e trata de temas plurais, como a identidade de gênero

Esses princípios nortearam, por exemplo, obras como “Studio Butterfly" (2006) e "Sérgio Simone" (2007-2014), ambas sobre travestis. A primeira é fruto da convivência de um ano e meio com elas, em uma pequena sala de um prédio comercial no centro de Salvador (BA). A outra é sobre a travesti Simone que, depois de uma overdose de crack, abandona a droga e seus trajes femininos, volta para a casa dos pais e retoma o nome de batismo, Sérgio.

"Às vezes a gente precisa distorcer a realidade pra chegar em uma verdade, colocar um verniz pra fazer ver algo que não foi acessado. A arte contemporânea já começou a entender os laços afetivos como algo fundamental. Quando você se envolve, você produz de forma que isso chegue às pessoas. E essa emoção é transformadora", reflete.

A vídeo-instalação “Sérgio Simone” foi produzida entre 2007 e 2014, tempo que a artista acompanhou a personagem

Para as artistas, a experiência e o reconhecimento das mais diversas camadas e tipos de pessoas na arte é um propósito. É um discurso e uma forma de inclusão. A arte, aqui, mais uma vez resiste e faz pensar.

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