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A Síria Está a uma Decapitação de Virar o Maranhão

Se os extremistas repetirem a ameaça contra David Haines, ultrapassam Cascavel e igualam o número de decapitações do presídio maranhense de Pedrinhas em 2013.

Foto via Conectas

O Estado Islâmico cortou ontem a cabeça de mais um jornalista americano na Síria. Com a execução, o grupo iguala o número de decapitações do presídio de Cascavel, no Paraná, além de ficar a apenas uma cabeça de distância do governo do Maranhão, onde três internos do presídio de Pedrinhas tiveram suas cabeças decepadas e outros 65 foram mortos de maneiras igualmente brutais durante todo o ano de 2013. Só nos primeiros seis meses deste ano, outros 17 presos perderam a vida nas celas do Estado – 12 deles em Pedrinhas.

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ATENÇÃO: imagens fortes

Detentos comemoram selvageria em presídio no Maranhão

Enquanto a morte dos norte-americanos Steven Sotloff e James Foley despertou comoção mundial e uma enxurrada de críticas dos chefes de Estado europeus, promessas de envio de mais tropas pela Casa Branca, toneladas de artigos de opinião, posts na internet e prenúncios da chegada do fim do mundo, as decapitações brasileiras deram voz a pessoas que consideram que os presidiários merecem matar uns aos outros dentro de suas celas.

Conversei sobre isso com o professor Reginaldo Nasser. Ele é mestre em Ciência Política pela Unicamp, doutor em Ciências Sociais pela PUC e professor do curso de Relações Interacionais Santiago Dantas, da Unesp, Unicamp e PUC. Nasser não acha que as situações da Síria e do Brasil sejam iguais. Na verdade, ninguém pensa assim. Mas o professor vê pontos em comum – além das cabeças rolando – que merecem análise.

“Não é tudo igual, mas também não se pode dizer que não tenha nada a ver. Nos dois casos, são práticas de terror. São mortes que só têm valor se podem ser comunicadas amplamente, mandando um recado político e forçando de alguma maneira uma negociação”, disse.

Na Síria, o Estado Islâmico tenta reerguer um califado que opere em áreas hoje pertencentes à Síria e ao Iraque, implementando a versão mais dura possível da sharia, a lei islâmica, perseguindo dissidências religiosas e expandido seu poder para todo o mundo islâmico. Nos presídios brasileiros, os governos dizem que as mortes de presidiários são acertos de contas entre grupos diferentes, já os presos dizem que são formas extremas de chamar a atenção para torturas, maus-tratos e abusos repetidos dentro de confinamentos superlotados. No caso de Pedrinhas, a OEA (Organização dos Estados Americanos) recebeu “denúncias de estupro contra mulheres e irmãs dos presos que visitam as unidades em dias de visitas”, o que teria dado início às execuções.

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Foto via Conectas

É claro, portanto, que, na Síria, as decapitações compõem um quadro geopolítico mais grave, e a ação do Estado Islâmico “é vista como uma ameaça à democracia, aos direitos humanos e à paz mundial”, de acordo com Nasser. No Maranhão, “parece estar mais ligado à melhoria das condições”. Nesse ponto, não há comparação.

No auge da crise maranhense, organizações de direitos humanos pediram ao procurador-geral da República, Rodrigo Janot, que federalizasse os crimes cometidos em Pedrinhas. A Sociedade Maranhense de Direitos Humanos chegou a dar o nome das vítimas à Comissão Interamericana de Direitos Humanos da OEA, acusando o governo maranhense de descumprir medida cautelar emitida anteriormente pelo mesmo órgão.

“Acho que dar mais importância a jornalistas brancos na Síria que a pobres negros em Cascavel ou Pedrinhas é hipocrisia”, disse à VICE o presidente da Sociedade Maranhense de Direitos Humanos, Zema Ribeiro. “Isso tem a ver com a postura da média da população que acha que bandido bom é bandido morto ou que defender direitos humanos é defender bandido. Ninguém é a favor da impunidade. Quem comete crimes tem que pagar por eles, mas o Estado é responsável pela preservação da vida e integridade física de quem está sob sua custódia”, completou.

Hoje, o presidente americano, Barack Obama, disse que “a justiça será feita” contra o Estado Islâmico. “Nosso objetivo é claro: desintegrar e destruir o Estado Islâmico até que não seja mais uma ameaça não apenas para o Iraque, mas para toda a região e para os EUA”, declarou. Ele também mencionou a morte do jornalista, dizendo que “seja lá o que for que esses terroristas pensem que alcançarão matando americanos inocentes como Steven, eles já falharam”.

No caso do Maranhão, Zema diz que as famílias ainda aguardam pela justiça. “A superlotação em Pedrinhas ainda é uma realidade, mortes continuam acontecendo e nenhuma família foi indenizada. Há ações ajuizadas por defensoria pública, algumas com intermédio da Sociedade Maranhense de Direitos Humanos, mas todos sabemos como é a morosidade da justiça no país.”

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