Assaltos, homofobia e estupros: eis o histórico de violência na UFABC
Foto: Guilherme Santana/ VICE

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Assaltos, homofobia e estupros: eis o histórico de violência na UFABC

São contabilizados oito casos de estupro nas imediações dos campi desde dezembro.

O clima não está muito leve para os alunos da Universidade Federal do ABC (UFABC).Além de queixas de assaltos e roubos quase que cotidianas, crimes sexuais ao redor da instituição também aterrorizam as alunas, sobretudo a partir do começo deste ano. Tanto que até uma Comissão de Mobilização Contra Violência Sexual foi criada para articular soluções.

O grupo contabiliza oito casos de estupro nas imediações dos campi desde dezembro. Pelas contas das estudantes, são três casos de estupro em Santo André e outros cinco em São Bernardo do Campo. Para propor soluções, as alunas têm se reunido com a reitoria para pedir ações que deixem, ao menos, o entorno dos prédios mais seguros, como mais iluminação pública e linhas de ônibus.

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Campus de Santo André. Foto: Guilherme Santana/ VICE

O crime mais recente, em 15 de abril, ganhou mais visibilidade porque a vítima, uma aluna de 26 anos, deu detalhes nas redes sociais. A estudante foi abordada por um motociclista nas imediações do campus de Santo André e ao conseguir de desvencilhar do criminoso após ficar 40 minutos rendida e amarrada dentro do próprio carro, teve a entrada barrada na faculdade pelos seguranças. Ela estava sem a carteirinha da instituição e teve que atropelar cones para conseguir entrar no prédio.

Relato da estudante.

O agravante deste caso é que a aluna conta que teve o socorro negligenciado por homens da segurança patrimonial e pela Polícia Militar. "Ele convenceu todo mundo de que éramos um 'caso/ namorados' algo do tipo e só queria pegar suas coisas dentro do meu carro", escreveu ela que viu policiais devolverem a cueca e um moletom usado pelo estuprador sem grandes problemas. "Conversei com os policiais, me questionaram diversas vezes sobre eu ter ingerido álcool ou algum entorpecente, questionaram diversas vezes a minha amiga se eu tinha certeza que havia sido estuprada", escreveu ela, ressaltando ter sido desencorajada diversas vezes a lavrar o Boletim de Ocorrência. O criminoso foi detido quatro dias depois e reconhecido por outras duas vítimas, de 38 e 27 anos, também por estupro.

Obras no campus de Santo André. Foto: Guilherme Santana/ VICE

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Apesar dos ataques terem ocorridos próximos à instituição (nas ruas Japão, Arujá e Angatuba), a polícia não vê relação entre eles, além da oportunidade do bandido. "Os crimes não têm motivação estreita pelo fato de haver uma faculdade no local. Ela não está isolada e nesta região também ocorrem vários crimes, só ver notícias ao redor da estação e do hospital", disse o delegado assistente do 2º Distrito Policial de Santo André Georges Amauri Lopes.

Supostos cinco casos de estupro na região do campus de São Bernardo também preocupam as alunas, que evitam andar sozinhas para chegar ou sair das aulas. "Tem um grupo criado no WhatsApp chamado 'Vamos Juntas' e a proposta é que as mulheres evitem andar só. Ele foi criado após esses casos (de estupro), apesar de que em função de casos de assalto já existia um movimento nesse sentido dentro da Universidade. O problema é que agora o motivo ficou ainda pior", ressalta a integrante do Coletivo Feminista Cláudia Maria Juliana Fabbron.

Escadaria próxima ao Campus da Federal do ABC. Foto: Guilherme Santana/ VICE

Nenhum dos casos de violência sexual, porém, está registrado no 2º DP de São Bernardo do Campo, responsável por aquela região. "Não temos nenhuma ocorrência sobre estupro feita aqui. O registro nos faz agir por conta própria, mas devido aos boatos estamos investigando e mandando viaturas caracterizadas e descaracterizadas de duas a três vezes por semana, mas o máximo encontramos usuários de drogas no entorno da faculdade", contou o chefe dos investigadores Wilson Rodrigues. Os agentes, inclusive, foram oficiados pela Delegacia Seccional da cidade para ficarem de olho em crimes sexuais.

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Os cinco casos são contabilizados pelas alunas através de relatos de conhecidas. "São denúncias anônimas que recebemos. São amigas ou amigas de alguém que relatam os crimes", disse a relações-públicas do Coletivo Feminista Cláudia Maria Camila Garcia.

Esta grande área deserta fica há alguns metros da entrada do campus de São Bernardo. Foto: Guilherme Santana/ VICE

Ao andar pela faculdade é fácil encontrar alguém que tenha sido vítima de algum crime ou tentativa. Uma aluna de Santo André, que preferiu não ser identificada, foi perseguida por um homem com um pedaço de pau, mas escapou com a ajuda de desconhecidos ao voltar para casa à noite, em abril. "Eu tenho medo de voltar sozinha agora, fico igual doida olhando para trás. Meu pai agora me busca no ponto de ônibus. Odeio dar trabalho. Essa sensação de que por ser mulher eu preciso de um homem para me proteger é frustrante", disse a jovem de 22 anos que fez um B.O reclamando de ameaça.

Terreno baldio na Rua Agatuba. Foto: Guilherme Santana/ VICE

No Facebook, as alunas e alunos colocaram filtros nas fotos com a mensagem "UFABC contra violência sexual" forma de protesto e dar visibilidade ao assunto.

Na mesma rede social, o grupo UFABC Assaltos reúne 2,8 mil estudantes que relatam quase que cotidianamente crimes ou tentativas. "Um indivíduo com blusa cinza de moletom e capuz escondendo a metade do rosto estava me seguindo, eu estava sozinha, quando percebi que ele vinha em minha direção para abordar, não pensei duas vezes e acelerei o passo, mas ele continuou atrás de mim, eu entrei a tempo na estação e pedi ajuda" e "pessoal, (vamos) ficar ligados, dois elementos em motocicleta do tipo CG 150 (estão) rondando as ruas adjacentes, um deles capacete rosa claro. Tão pro crime, então fiquem ligeiros" são algumas das mensagens mais recentes.

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Cartazes feitos pelas estudantes do campus de São Bernardo. Foto: Guilherme Santana/ VICE

Outro acontecimento estranho dentro da instituição também intriga os estudantes: um falso agente da Polícia Federal visitou o campus da faculdade em Santo André no fim de abril. Segundo relato de alunos, o falso policial que seria "careca" e "tatuado" queria informações sobre os casos de estupro no local. A UFABC registrou dois B.Os, na PF e Polícia Civil.

Com a palavra, a reitoria

Após este caso da aluna estuprada, o Conselho Universitário (ConsUni) soltou duas moções, uma de preocupação e outra de repúdio. A primeira, assinada pelo reitor Klaus Capelle, "manifesta sua preocupação com os inúmeros episódios de violência, em especial a de gênero, que vêm ocorrendo no entorno dos campi" e a segunda recomenda "reuniões para tratar da iluminação dos campi e seu entorno com as Secretarias de Segurança dos municípios de Santo André e São Bernardo do Campo". "Vale esclarecer que não tivemos nenhum caso de estupro dentro da Universidade e apenas um caso envolvendo aluna, ocorrido no entorno da instituição", divulgou a instituição.

Campus de São Bernardo do Campo. Foto: Guilherme Santana/ VICE

Procuradas, as secretarias de Segurança dos dois municípios não retornaram até o momento. A Polícia Militar informa que ampliou o trabalho ao redor da Universidade. "Cabe esclarecer que não consta registro formal de pedido da reitoria da UFABC (de reforço nas rondas), mas independentemente disso, a PM já direcionou o patrulhamento", aparece em nota.

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Universidade do século 21?

Os terríveis casos de violência sexual, no entanto, não são os primeiros a preocuparem os alunos da instituição, que completou 10 anos de existência em 2015.

Em junho de 2015, uma audiência pública também foi realizada na UFABC após o aparecimento de pixações nada amistosas com "viado tem que morrer", "vai ter homofobia sim" e "viado vai morrer: bala ou aids". Alguns estudantes acreditaram que essas mensagens eram uma reação motivada pela rearticulação do Prisma, um grupo estudantil dedicado a difundir o respeito à diversidade sexual. Em novembro, a mensagem "viado, preto e feminista vão morrer" também incomodou os alunos de São Bernardo. "Diante deste clima de intolerância, temos medo que um dia apareça alguém esfaqueado ou baleado", disse o integrante do grupo Prisma Raimundo Neres, que também relata a ofensa "ministra das macacas" durante uma visita da ministra Nilma Lino Gomes, em fevereiro deste ano à faculdade.

Foto: Reprodução

Grupos estudantis estudam entrar com representação no Ministério Público Federal (MPF) para investigue crimes de ódio e intolerância dentro da faculdade e na região do ABC.

Alunas do campus de Santo André também se revoltaram contra o assédio por parte de um operário da construção que trabalha no local, entre março e abril de 2015. Ao menos 15 estudantes procuraram a reitoria na época para reclamar de um funcionário que além de dizer impropérios para elas, também se masturbava em público. Procurada, a reitoria não se pronunciou sobre esse assunto.

A UFABC tem como a frase "Universidade de Ponta para o Século 21" e orgulho do currículo moderno, boas classificações em rankings universitários e prédios novinhos. Mas ao redor dos campi, homens continuam a correr atrás de mulheres e as aterrorizando, clássica cena do já extinto homem de neandertal.