FYI.

This story is over 5 years old.

Tecnologia

Por que os Documentos de Snowden Devem ser Abertos: Uma Entrevista com Cryptome

Um casal americano toca um site de vazamento de documentos desde 1996. Agora, eles querem pressionar Snowden e seus colegas a liberar todos os documentos da NSA.
Crédito: Flickr/Ekvidi

Desde que a frase "a informação quer ser livre" foi dita pela primeira vez, nos anos 80, ativistas defendem que a tecnologia deve ser um veículo para o conhecimento. Desde então nós presenciamos o nascimento da internet, a proliferação dos computadores pessoais e o surgimento dos sites de denúncia.

Antes do Snowden e do Wikileaks ocuparem todas as notícias, havia o Cryptome. Criado em 1996, a "biblioteca digital", como é descrito por seus criadores John Young e Deborah  Natsios, é um catálogo de documentos confidenciais. Incluindo desde listas de agentes do MI6 até informações sigilosas sobre tecnologia nuclear, o catálogo contém 71 mil arquivos, cobrindo duas décadas de denúncias.

Publicidade

Entre esse documentos se encontram todas as informações dos documentos vazados por Snowden. A dupla por trás do site afirma categoricamente que todos os documentos do NSA devem ser expostos na internet – e não revelados estrategicamente por jornalistas. O Cryptome até insinuou que os documentos do Snowden podem ser publicados na íntegra ainda esse mês.

Eu liguei para Young e para Natsios para perguntar o que eles acham das mudanças que o movimento pró-informação sofreu nos últimos vinte anos – e se elas foram boas ou ruins.

Quando o Cryptome foi lançado como um site demo, passando a hospedar uma vasta gama de documentos disponíveis publicamente, não haviam muitos caminhos para trazer essas informações para a internet. “Nós demos sorte de ter a tecnologia necessária para transformar documentos impressos em documentos digitais", disse Young. “Muitas pessoas não tinham essa tecnologia, na época: scanners e etc.”

Eles ofereciam esse serviço para a lista cypherpunk, uma rede de emails que unia os maiores nomes da criptografia mundial. Julian Assange era um leitor assíduo, e anos depois os primeiros vestígios do Bitcoin seriam postados entre os documentos do site.

Young and Natsios são arquitetos em Nova York. Eles disseram que acham irônico o fato do Cryptome ser considerado um projeto underground porque, segundo eles, "nosso trabalho de fato nos leva para debaixo da terra". No caso, o trabalho de arquitetura da dupla pode levá-los à uma rede de metrô, ou à canos interligados logo abaixo da superfície. Young e Natsios lidam, quase literalmente, com o que se esconde embaixo da cidade.

Publicidade

Abaixo do brilho da Times Square e do rebuliço de Manhattan existe outro mundo, que influencia diretamente na superfície. Um dos trabalhos da dupla é ter certeza de que esses espaços secretos estão funcionando perfeitamente. “Como arquitetos, somos acionados em momentos de crises e degradação, então podemos afirmar que estamos envolvidos em ações de reparo 'radicais'", disse Natsios.

Enquanto seu trabalho de arquitetura envolve manter a cidade em bom estado, seu trabalho no movimento de liberdade da informação (publicar documentos confidenciais) tem o mesmo objetivo: manter o bom funcionamento do domínio público, mas de uma forma "radical". "Como arquitetos, somos obrigados pelas leis estaduais a manter a manutenção de serviços de segurança, saúde e bem-estar geral. Tudo em nome do bem da sociedade. No Cryptome nós nos obrigamos, como arquitetos e ativistas, a policiar a polícia, de certa forma. Somos obrigados a gerar a discórdia, se o objetivo for o bem da sociedade”, ela disse.

Somos obrigados pelas leis estaduais a manter a manutenção de serviços de segurança, saúde e bem-estar geral.

É claro que podemos usar uma analogia contrária para sugerir que os canos abaixo da superfície devem ser desativados para protegê-los de pessoas com más intenções, que expô-los poderia colocar a cidade em perigo – assim como expor segredos governamentais na internet pode ter seus próprios riscos.

Dez anos após a criação do Cryptome surgiu o Wikileaks. O Wikileaks foi responsável por algumas das denúncias mais devastadoras da história recente, como os documentos sobre a guerra do Iraque e a Trans-Pacific Partnership – e apesar de ambos sites terem um objetivo similar, o Wikileaks tem uma diferença fundamental.
“O trunfo [do Wikileaks] foi utilizar publicidade e patrocínio, coisa que nunca fizemos. Eles também incentiveram a cobertura da imprensa”, disse Young. “Eles deram um caráter jornalístico para a denúncia, com comunicados de imprensa e tudo mais. Eles transformaram o site em uma operação de alto nível.”

Publicidade

Você pode até achar que isso foi benéfico para a liberdade de informação e que trouxe mais envolvimento do público para a questão, mas Natsios discorda: “[o Wikileaks] trouxe alguns métodos problemáticos para a discussão, como o sensacionalismo de tablóide", disse. Ela afirma que o público "é menos instruído – eles não estão pensando nas nuances desses assuntos e estão se tornando passivos. Eles estão consumindo vinhetas sensacionalistas, e essa forma de comportamento consumista não trará o bem-estar público.” Ao invés de usar o material do Wikileaks para algo produtivo, ela afirma que as pessoas estão esperando "por um pico de adrenalina ainda maior que virá com o próximo terabyte de informações vazadas".

O Cryptome tem uma opinião parecida sobre os documentos do Snowden. “Snowden, faça o favor de mandar seus slides e outras informações para meios de comunicação menos impressionáveis do que o Washigton Post e o Guardian", escreveu o casal em junho de 2013.

Quando foram indagados sobre o que eles fariam caso o Cryptome tivesse acesso aos documentos do Snowden, Young disse à Gawker: “nós iríamos postar tudo de uma vez, tudo. Todo mundo gosta de jogar o jogo do 'e se isso afetar alguém negativamente?' e esse tipo de besteira. É tudo covardia. É claro que os advogados das empresas que mandam nos meios de comunicação não as deixariam fazer isso; ninguém se dispõe a correr esses riscos quando existe dinheiro envolvido."

Publicidade

O site Intercept decidiu, recentemente, não revelar o nome do país que, segundo os documentos do Snowden, grampeia 100% de suas gravações telefônicas. A decisão foi justificada "devido à uma preocupação legítima de que tal informação pudesse incentivar a violência", segundo o artigo publicado. O Wikileaks, no entanto, revelou mais tarde que esse país era o Afeganistão.

Para evitar a pressão para abafar certos detalhes, Young e Natsios lutam contra a ideia de registrar o Cryptome como uma instituição. “Nós observamos que os grupos de liberdade de informação têm se tornado exponencialmente inflexíveis e lentos devido a pressões financeiras e legais", disse Natsios.

“Nós preferimos ser agentes independentes: nós valorizamos essa agilidade e ausência de grandes agitações e polêmicas; não queremos nos limitar às obrigações legais a qual as ONG's de liberdade de informação se sujeitam; nós não queremos ter que escrever nenhum relatório anual." O Cryptome publica dados mais controversos do que outros grupos, como fotos explícitas da Guerra do Iraque.

O Cryptome defende, basicamente, que quanto maior o número de informações, maior o benefício para um público bem-informado. “O grupo do Snowden amarelou e não publicou todo esse material por poder, supostamente, afetar a nação; mas eu acho que a nação será mais afetada se eles não os publicarem", disse Young.

Ele sugeriu, por exemplo, que uma quantidade maior de detalhes poderiam incentivar as pessoas a resistirem à vigilância do NSA. “A internet já é um ambiente vendido, o que faz dela um lugar não-apropriado para a liberdade da informação", disse. “O público já está mais informado e Snowden teve um grande papel nisso – mas ele só revelou por volta de 2% de tudo. Ele não revelou nenhum dos caminhos que podemos seguir para combater esse ataque.”

“Achamos que todos os documentos deveriam ser publicados, para que mais pessoas possam entrar na luta anti-vigilância", continuou. “Temos pessoas trabalhando nisso, buscando uma forma de contratacar; mas acho que elas não poderão contratacar sem o resto dos documentos do Snowden, visto que elas não têm noção do nível de controle [exercido pelas agências de inteligência].”

As formas de distibuição de informação mudaram drasticamente desde a criação do Cryptome. Já tivemos os cypherpunks, o Wikileaks e agora temos o jornalismo do mundo pós-Snowden – não há dúvida de que o público atual sabe muito mais sobre as ações de seus governos do que antigamente. Nós podemos ter o maior número de informações da história, mas como afirma o Cryptome, nós ainda precisamos de mais.

Tradução: Ananda Pieratti