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reportagem

Uma caçada ao melhor LSD já feito

Nos anos 70, um bolsão rural do País de Gales se tornou o centro psicodélico do mundo. Fomos para lá em busca de químicos, traficantes e milhares de cartelas de ácido escondidas.
Chris Bethell
fotos por Chris Bethell
MS
Traduzido por Marina Schnoor
O  ex-traficante de LSD Smiles.

Matéria originalmente publicada na VICE UK.

Dois meses atrás, eu estava num pub de Londres numa tarde de sábado, conversando com um fotógrafo. Enquanto eu dragava desesperadamente minha mente atrás de uma anedota descente, decidi recontar uma história que tinha lido na internet um dia antes. Era sobre vilarejos remotos do País de Gales, que, nos anos 70, se tornaram o lar de um império psicodélico de produtores e traficantes de LSD.

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O grupo tinha uma estrutura de células, o que significa que poucas pessoas envolvidas sabiam da existência dos outros (para que se um grupo fosse derrubado, o resto pudesse continuar operando). E apesar disso, vários deles escolheram como base a mesma região remota no centro de Gales. Algo na área os atraiu para lá.

Quando as células foram derrubadas, em 1976, elas forneciam 90% do LSD do Reino Unido e 60% do LSD no mundo (apesar de alguns relatos posteriores sugerirem que os números foram inflados pelas autoridades para dar mais material aos tabloides). Muitos dos envolvidos não eram fabricantes e traficantes de drogas no sentido que conhecemos hoje. Eram escritores, químicos e livres-pensadores visionários que – sim, gostavam do dinheiro – mas que também acreditavam que inundar a sociedade britânica com um LSD 99,7% puro mudaria a maneira como as pessoas pensavam sobre política, guerra, amor e a mãe natureza.

A operação secreta da polícia e a ofensiva subsequente (que encontrou 7,5 milhões de cartelas de LSD e envolveu dois policiais disfarçados de hippies por quase dois anos) ficou conhecida como Operação Julie. Essa continua sendo a maior operação contra LSD do Reino Unido, e já foi contada em diversas matérias, livros e algumas adaptações toscas para a TV, onde o LSD é mostrado como uma poção demoníaca de suicídio. O contraste entre gangues metropolitanas e o conforto rural torna esse um conto irresistível – tipo um Breaking Bad galês fofo.

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A história voltou aos jornais porque um dos detetives envolvidos (agora aposentado) disse que uma parte do LSD continua enterrado em algum lugar da área, e poderia ainda estar ativo. Isso foi suficiente para fazer a polícia de Dyfed-Powus começar patrulhas noturnas, por medo de que contrabandistas, traficantes ou apenas jornalistas ingênuos pudessem embarcar num caça ao tesouro em busca de desenterrar doces vintage.

Quando terminei de contar a história toda para o fotógrafo no pub, ele olhou para mim e disse "Vamos pra lá", e eu disse "Melhor não". A história já tinha sido contada, e eu não estava a fim de andar por um vilarejo qualquer com uma pá na chuva, procurando antigos rumores enterrados. E aí o fotógrafo disse "Não, a gente precisa ir".

Gay Talese, porém, disse: "A história nunca morre. Tem sempre outra história que você pode escrever 20, 40 anos depois sobre o mesmo caso".

E agora aqui estamos, dirigindo por uma estrada que não é nem vicinal, prestando bastante atenção para não passar por uma placa dizendo "CUIDADO: ÁREA DE TIRO MILITAR", e buzinando para ovelhas soltas que respondem tendo um ataque de pânico e correndo direto para o para-choque do Volkswagen Polo vermelho do fotógrafo.

O GPS diz que estamos a 24 quilômetros de Llanddewi-Brefi; o relógio diz que esses 24 quilômetros vão levar uma hora e dez minutos. "Há! Isso é em quilômetros galeses", me diz um aldeão de olhos tristes no pub mais tarde.

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O DESERTO VERDE

O centro de Gales não é o norte de Gales ou o sul de Gales, nem o oeste de Gales ou leste de Gales. No meião do País de Gales – indeciso entre os condados de Powys, Ceredigion e Carmarthenshire – esse é um lugar descrito no folclore galês como Deserto Verde, graças a falta de estradas propriamente ditas ou civilização, e abundância de montanhas verdejantes, vales íngremes e córregos ancestrais. Li num site de astronomia que se você olhar para o céu aqui numa noite clara, é possível ver a olho nu toda a Via Láctea cruzando o céu. E por alguma razão, essa parte específica de Gales muitas vezes enfeitiça as pessoas, as atraindo por várias razões inexplicáveis.

"Você está muito longe / O mais longe possível da loucura do mundo", escreveu o poeta nacionalista galês Herri Webb – responsável pela popularização do termo "deserto verde" – escrevendo sobre a área em 1969. Os traficantes de LSD devem ter concordado. Assim como Salman Rushdie, que achou a área um bom lugar para se esconder nos anos 80, depois que o Aiatolá do Irã colocou uma fatwa contra ele. Vários organizadores de festivais hippies também foram atraídos para cá nos anos 70, fazendo suas festas de milhares de pessoas aqui principalmente porque o lugar era remoto, mas também pela riqueza de cogumelos mágicos que ainda crescem fortes nos vales.

O caminho através do deserto é uma trilha sublime e sinuosa que sobe, desce, sobe e desce de novo eternamente. Uma floresta densa de Picea sitchensis caindo sedutoramente dos ombros do vale, e as partes amareladas da grama fofa verde se tornam douradas e aveludadas no pôr do sol. No pé da colina há um riacho murmurante que começa sua vida acima na montanha como uma cascata, um lugar que daria um belo comercial de uísque.

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Para alguém que veio do barulho e do fedor de Londres, há uma estranheza exultante aqui, logo além das janelas do carro. É como se o campo fosse flexível; estivesse vivo, respirando – e não consegui deixar de sentir a sensação irracional e misteriosa de que ele sabe que estamos passando por ele.

Passamos por uma fantasmagórica capela presbiteriana abandonada no meio da natureza, chamada Soar Y Mynydd. O ex-presidente norte-americano Jimmy Carter vinha para cá pescar nas férias. Carter poderia pescar em qualquer lugar do mundo, mas algo no deserto verde continuava atraindo o homem para cá. Ele comprou uma pintura de Soar-y-Mynydd para sua coleção de arte. "Nunca vi nada assim na minha vida", ele disse.

O carro engasga numa inclinação de 40º (que, segundo o GPS, se chama a Escada do Diabo), e chega a uma curva em U só para revelar mais 370 metros de subida satânica. Essas estradas serpenteantes nunca foram pensadas para um Polo; eram rotas usadas na Idade Média por criadores de gados, misteriosos e carismáticos galeses da antiguidade que ganhavam a vida passando pelas fazendas e coletando gado, fazendo os bichos marcharem até mercados de Birmingham, Manchester e Londres. Alguns deles até levavam gansos, colocando pequenas botas de couros nas patas deles para que eles não se machucassem.

Mais tarde, traficantes de drogas usaria essas mesmas rotas para levar rebanhos de LSD para mercados muito diferentes da Inglaterra.

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Bem no coração desse deserto vasto e ondulante, encarapitado na encosta de uma grande montanha, fica um vilarejo de não mais que 500 pessoas: Llanddewi-Brefi – um lugar que parece como qualquer outro da Inglaterra, mas quando cava um pouco, você nota estranhas peculiaridades que começam a explicar seu estranho magnetismo.

O ASSASSINO NAS COLINAS

Llanddewi-Brefi.

Chegamos às 18h13 de uma tarde de quinta-feira. Há um silêncio mortal no ar, que parece ainda maior com a combinação de céu noturno e nuvens saídas de um quadro do Turner que mergulham o vilarejo num tom profundo de azul. A rua está deserta, fora uma senhora no cemitério colocando flores num túmulo.

Exceto por alguns becos estreitos que saem dela, essa é a única rua da cidade, e todas as cabanas, o pub, a prefeitura e uma loja se enfileiram nos lados da via. É o tipo de lugar onde se você não pegar a garrafa de leite da sua porta até as 10 da manhã, alguém vai bater para saber se está tudo bem.

Ao leste, a igreja St. David tem uma vista de olho de deus, com sua torre pairando sobre todas as casas. Ela fica empoleirada num monte de terra que parece artificial. A história é que St. David, o santo patrono de Gales, veio pregar aqui no ano de 560. Enquanto ele começava a pregar para uma multidão de aldeões, alguém reclamou que não conseguia vê-lo ou ouvi-lo, então ele fez o chão plano se levantar num monte, para que todos pudessem ouvir a palavra. A igreja foi construída depois disso, e Llanddewi-Brefi (que pode ser traduzido toscamente como a Igreja de David no Rio Brefi) ganhou seu nome.

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Até os anos 2000, a igreja era a principal atração turística do vilarejo. Aí, em 2003, Matt Lucas e David Williams usaram Llanddewi-Brefi em Little Britain como o lar de Dafydd, ou "O Único Gay do Vilarejo". Eles nunca explicaram exatamente por quê. As pessoas ainda vêm para cá no verão tirar fotos com a placa da vila. E em quatro ocasiões ela sumiu e reapareceu no eBay, para desgosto da polícia local. "Acho que 99% do vilarejo nunca assistiu a série", um local disse à BBC e ao resto da mídia mainstream que veio para cá para o vox pops em 2004, "o resto acha engraçado".

A parede do New Inn.

Chegamos à entrada do pub local, o New Inn. Era aqui que acontecia a ação durante os anos lisérgicos de Llanddewi-Brefi. Numa noite movimentada, o pub era uma mistura de moradores, um traficante de LSD chamado Smiles e seus amigos e associados, além de dois policiais disfarçados, os dois sem saber ou escondendo a verdadeira identidade um do outro, mas ainda enchendo a cara e jogando dardos juntos. Depois, todo mundo partia para a cabana de Smile para fumar becks, cheirar cocaína e quem sabe viajar.

Quando estamos prestes a abrir a porta do pub, um cara bem bêbado sai tropeçando e cantando "Feeling Good" da Nina Simone. Ele parece envergonhado quando nos vê, e digo a ele que ele tinha uma bela voz. Ele balança a cabeça. "O que vocês dois estão fazendo aqui afinal?" Esqueço que sutileza existe e conto a ele que somos jornalistas de Londres, ali para desenterrar LSD antigo.

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"Bom…", ele começa. "Minha mãe se mudou para cá em 1972, e trabalhou de babá para o químico de LSD e sua esposa. Ela me ligou uma noite e disse 'John, é tudo tão estranho. Eles não têm móveis e há muitas imagens estranhas de –." Ele baixa a voz imediatamente quando vê uma senhorinha descendo a rua atrás de nós. Ficamos vendo ela passar, depois nos voltamos para John, que disparou para o outro lado da rua e para fora da nossa vista.

Entramos no New Inn e somos recebidos pelo previsível silêncio de "Quem são esses caras?", pontuado apenas pelo som das cabeças se virando. Depois todo mundo volta para seus pints e a ópera ambiente da conversa de bar continua, um pouco em inglês, a maior parte em galês. O lugar parece a sala de estar de alguém: todo mundo senta no balcão, ninguém senta nas mesas, mas não há mais lugar no balcão então temos que sentar nas mesas. O que imediatamente nos ostraciza.

Um dos caras nos bancos está usando uma jaqueta de alta visibilidade, seu rosto está coberto de terra, com dois pequenos olhos brancos aparecendo. Ele termina seu pint e vai embora. "Ele está sempre sujo, mas nunca o vi trabalhando", alguém diz, "acho que ele suja a cara antes de vir para cá".

Você pode imaginar quão integral a existência desse pud deve ter sido para a ofensiva da polícia. Se ele não existisse, não consigo imaginar como alguém poderia encontrar outra pessoa aqui, fora no correio. Assim como acontece no resto da Inglaterra, o que sobrou da vida tradicional do vilarejo gira precariamente em torno da escola, da igreja e do pub. Mas com escolas rurais como a de Llanddewi-Brefi sob risco de fechar, e as igrejas cada vez menos frequentadas, o ônus frequentemente recai sobre o último. O que não quer dizer que o New Inn está lotado; está meio vazio, e me contam que já era assim nos anos 70. Mas em comunidades desse tamanho, literalmente não há outro lugar para as pessoas simplesmente desfrutarem da companhia das outras.

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As paredes estão pontilhadas de fotos do time de futebol local, pinturas de um artista daqui chamado Geoff, fotos antigas do vilarejo e notícias dos próximos eventos. Isso não é apenas um pub; é um museu da vida local. Antes de ser um pub, o lugar era uma pousada para os vaqueiros, com um estábulo mais acima na estrada e um campo ao lado para eles deixarem seu gado.

Já me sentindo um estranho, começo a jogar conversa fora com um cara com sotaque Cockney, que parece ter uns cinquenta e poucos anos. Ele me conta que mudou para cá quando sentiu que Londres estava se tornando muito violenta. Ele estava sentado num restaurante em Romford um dia, comendo seu almoço de domingo, quando um grupo entrou, sentou na mesa ao lado e começou a falar sobre esfaquear alguém. "Foi a gota d'água para mim", ele diz. "Viemos para cá. Ar limpo, sem crimes. É como morar em Romford 50 anos atrás." Agora ele é dono da loja local.

O comerciante.

Elaine está no bar tomando uma bebida efervescente com um canudo preto. Não sei o que é, porque ela pediu "o de sempre". Ela nasceu no vilarejo e era professora da escola, mas agora se aposentou. Seu avô era ferreiro, e no tempo livre ela gosta de viajar para outros vilarejos procurando portões e cercas de ferro com a assinatura dele. É um jeito dela conhecer ele melhor.

Quando digo que viemos de Londres, ela diz "Alguém tem que vir, né". E quando tiro o gravador do bolso, todo mundo olha para ele como se eu tivesse sacado uma granada e tirado o pino. Enquanto conversamos, um homem de cara inchada vermelha atrás dela, tomando Strongbow, me encara intensamente. "Nem todo mundo gosta quando as pessoas daqui falam sobre a Operação Julie", ela diz.

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Elaine era adolescente durante os dias lisérgicos, e lembra vividamente deles. "Éramos muito ingênuos. Pensando agora, acho que deveríamos ter desconfiado: um cara com sotaque inglês, jaqueta de veludo, calça boca de sino e chamado 'Smiles'. E eles nem estavam se escondendo. O Smiles estava sempre no pub, acendendo seus cigarros com notas de £20. Um dia ele estava conversando com um homem da vila que disse que não tinha TV. No outro dia ele saiu e comprou uma TV para o cara. Mas Llanddewi-Brefi era um caldeirão naquela época, então ninguém questionou."

Digo a ela que estou desenvolvendo uma teoria: enquanto a maioria dos vilarejos têm uma grande história, este em particular parece atrair acontecimentos estranhos numa taxa anormal. "Bom, os anos 80 foram uma época difícil aqui…", ela começa. "Em janeiro de 1983, alguém chegou em casa e disse para minha mãe: 'acabei de ver algo que nunca tinha visto antes, alguém andando pela montanha de madrugada…'"

A figura estava andando perto de Brynambor, uma remota fazenda de ovelhas de propriedade de John Williams. No dia seguinte, alguns fazendeiros vizinhos foram ver se John estava bem depois que ele não atendeu a porta. Eles o encontraram em seu quarto. Ele tinha levado cinco tiros de sua própria arma. O assassino logo foi revelado: um andarilho inglês de 33 anos chamado Anthony Grambell, que continuou foragido e acreditava-se ainda estar escondido nas colinas. O caso chocou o vilarejo. John Williams era um cara querido; tesoureiro da capela Soar-y-Mynydd, ele era descrito como "o homem mais feliz de Gales".

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O assassino nas colinas aterrorizou o vilarejo por anos. Ninguém sabe por que ele veio, mas ele desenvolveu uma obsessão por Llanddewi-Brefi. Às vezes ele encontrava trabalho pastoreando ovelhas e supostamente dormia a céu aberto nas montanhas. Seis anos depois do assassinato, ele invadiu de novo a casa de John Williams e roubou uma arma. Mais tarde, ele teria feito um casal refém com uma foice. Por séculos, o folclore britânico assustou crianças com os simbólicos cães negros; forças malévolas nas colinas que apavoram pequenas comunidades. Agora, Llanddewi-Brefi tinha um pesadelo desses na vida real.

A polícia temia que ele matasse de novo, ou pelo menos fizesse reféns. Eles disseram aos moradores para trancarem suas portas, conferir se os vizinhos estavam bem regularmente e não sair à noite. Eles receberam um código secreto para usar em caso de perigo, e a polícia ligava para fazendas remotas a cada meia hora para saber a situação. O medo foi demais para muita gente, e 12 agricultores se mudaram durante a caçada.

A polícia eventualmente rastreou Grambrell: ele tinha fugido para Hampshire. Ele foi julgado e condenado a 30 anos de prisão pelo tribunal de Lampeter, a 14 quilômetros de Llanddewi-Brefi. Um grupo de moradores se reuniu na frente do tribunal para mostrar seu desprezo por ele enquanto o cara era enfiado num camburão. Ano passado, um documentário galês chamado Y Detectif revisitou o assassino. A série descobriu que Gambrell ainda mandava cartas para alguns moradores do vilarejo de sua cela em Durham.

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"Nunca recuperamos a arma, o que é uma preocupação", disse o ex-detetive John Lewis durante uma entrevista para o documentário. "Quando for libertado, ele pode voltar para buscá-la. Quem sabe o que ele vai fazer se voltar?"

UM MONSTRO SAGRADO

Ebenezer está sentado num sofá em seu conservatório, usando uma blusa de algodão roxa e calça bege, lendo o Cambrian News com ajuda de seu óculos retangular enquanto a Sky News passa ao fundo. Ele também tem um Daily Mail ao seu lado, que ele compra todo dia para "estar consciente do que o inimigo está aprontando". Ele fala com um sotaque teatral e pesado do centro de Gales – é uma coisa meio cantada que te faz querer batucar um ritmo na sua perna.

Do outro lado do conservatório fica a sala de jantar, onde o notebook prateado de Ebenezer está fechado, mas pronto para ser aberto a qualquer momento. Desde 1967 ele é um celebrado jornalista e escritor local. Quarenta anos atrás, por volta das 11h de uma manhã fria de março, ele foi um dos primeiros repórteres na cena da ofensiva da Operação Julie, andando pelo vilarejo enquanto os vizinhos ficavam na porta de suas casas, observando o caos e dizendo que sempre souberam que tinha alguma coisa acontecendo.

"Sabiam coisa nenhuma!", ri Ebenezer. Essa se tornaria a maior matéria de sua carreira, e ele escreveu um livro sobre o caso, Operation Julie: The World's Greatest LSD Bust. Ele me conta que ninguém tinha nada de mau para dizer sobre os caras do LSD aqui: Smiles, especialmente, era até meio que um herói local.

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"Lembro de pensar sobre a história de como St. Davi fez o chão se levantar embaixo de seus pés", diz Ebenezer, "e pensar: essas pessoas fazendo e tomando todo esse LSD provavelmente já viram coisas assim. Nada mudou por aqui!"

Quando pergunto se ele acha que ainda pode haver algum ácido enterrado por aqui, ele dá um sorriso malicioso. "Ah, eles adoram essa conversa na vila. São eles que mantêm os rumores vivos. Mas acho mesmo que pode haver algo aqui ainda, sem dúvida. Alguns dizem que pode estar enterrado na pedreira, mas acho que Smiles está por trás dessa lenda. Ele era um garoto muito travesso."

Pergunto a Ebenezer se ele conhece algum outro acontecimento estranho em Llanddewi-Brefi, e seus olhos se acendem quando ele fala sobre um homem misterioso que apareceu aqui no final dos anos 60, uma década antes do LSD. "Ele era um homem incrível. Um safado, mas altamente inteligente. Um fugitivo do grupo dos Irmãos Kray parece, e tinha uma cicatriz que ia de uma orelha a outra."

O homem em questão era David Litvinoff, um personagem enigmático e imprevisível da Londres dos anos 50 e 60, com várias conexões no mundo do rock, das artes, da aristocracia e do submundo criminoso dos Irmãos Kray.

O cantor inglês de jazz e blues George Melly descreveu Litvinoff assim: "O falador mais rápido que já conheci, cheio de histórias ultrajantes, e pelo menos metade delas são verdade, um dândi da miséria, um rosto bonito ou feio, nunca consegui saber exatamente, mas certamente 100% judeu, um catalisador próprio que não se importava em se machucar desde que algo acontecesse, um monstro sagrado, primeira classe".

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Numa noite em 1968, Litvinoff teve um desentendimento com um de seus associados gangsteres e foi espancado. Logo depois ele desapareceu. Quando reapareceu alguns meses depois foi na loja de Llanddewi-Brefi, implorando para o dono deixar ele levar algumas provisões fiado porque ele ainda não tinha conseguido receber nenhum dinheiro. Ele tinha se mudando para uma cabana branca com telhado de ardósia no final da vila, uma construção chamada Cefn Bedd (algo como Atrás do Túmulo).

Logo, os amigos famosos de Litvinoff começaram a chegar de Londres para visitá-lo nesse pequeno vilarejo que ele chamava de seu "Celticlimboland", onde "nada é normal e com toda razão". Entre 1970 e 1972, os Rolling Stones, Eric Clapton, Marc Bolan, John Lennon, Yoko Ono e muitos outros vieram até Llanddewi-Brefi, para diversão e confusão dos moradores. Uma vez, Litvinoff foi cercado por um grupo de senhoras excitadas no correio depois de dizer que Cliff Richards estava no seu carro lá fora, só para decepcioná-las depois mostrando um desconcertado Keith Richards.

Festas notórias aconteciam em sua casa, uma mistura de amigos de Londres e qualquer jovem local que tivesse coragem de participar. "Nos dias de sol", escreve Keiron Pim em sua biografia de Litvinoff Jumpin' Jack Flash, "ele colocava os alto-falantes de seu aparelho de som nos ramos das árvores da cabana e a música chegava até os campos, enquanto ele e os amigos nadavam no rio ou tomavam sol pelados em sofás na pradaria, fumando haxixe".

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Quando Ebenezer visitou Litvinoff em sua cabana uma tarde, ele notou um convite na mesa para o enterro de Jimi Hendrix em Seattle. Tinha um doce no convite: a mensagem dizia que o doce continha LSD e instruía quem não pudesse ir ao funeral a tomá-lo no mesmo dia. Numa série de eventos que levaram Litvinoff a sair do vilarejo, ele ofereceu o doce a um policial que fazia a ronda da tarde. Ele passou o resto do dia esparramado no sofá de Litvinoff, alucinando e gritando coisas sem noção em seu walkie talkie.

Nos anos 60 e 70, havia essa noção crescente da zona rural idílica como uma fuga de um mundo que parecia cair repetidamente na guerra e no caos. Muitos tinham concepções nostálgicas sobre o interior como um lugar saído de um quadro de paisagens do século 16; onde a vida nunca mudava e era vivida num ritmo lento. Havia essa fantasia particularmente inglesa do interior como um mundo mais autêntico, civilizado e gratificante que a realidade suja, apressada e industrial da vida urbana. É algo que está voltando agora, enquanto as pessoas fogem da hiperconectividade da existência metropolitana e possibilidade de guerra nuclear, e começam a sonhar de novo com o isolamento absoluto em barcos para alugar no AirBnB e cabanas nas montanhas.

Mas como observado pelo sociólogo Howard Newby, essas paisagens de pinturas nunca retrataram a realidade rural: são sonhos utópicos de beleza pastoril seguindo uma série de regras sobre o que tornava a cena pitoresca. E quando Litvinoff – e muitos dos hippies e boas-vidas que o seguiram – se mudam para lugares como Llanddewi-Brefi, eles logo descobrem que a vida não é tão perfeita e simples, que o campo é um lugar implacável que vem com seus próprios demônios.

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"Litvinoff era muito gregário e urbano", explica Keiron Pim. "Sempre que ele visitava Londres depois de estar em Gales, ele não conseguia parar de falar porque estava sozinho antes e não sabia lidar com essa solidão. Ele era alguém que precisava estar sempre cercado de pessoas. No final das contas, Llanddewi-Brefi o deixou louco."

Litvinoff acabou no tribunal da cidade depois que seu cachorro massacrou uma ovelha. Logo depois disso, ele se mudou.

SER NORMAL É A COISA MAIS LOUCA QUE VOCÊ PODE FAZER

Smiles não partiu para encontrar Llanddewi-Brefi em julho de 1971, mas acabou lá mesmo assim. Ele, sua namorada e a filha dela estavam dirigindo por vários vilarejos de Gales procurando por casas à venda. Quando perderam as esperanças, eles decidiram parar em Llanddewi-Brefi. A cabana Y Glyn não estava à venda, mas obviamente ninguém morava lá. O vizinho era o dono. Ele pediu £1.250 pela casa. Smiles ofereceu £1 mil e eles apertaram as mãos.

Smiles foi um dos primeiros hippies que os moradores locais viram de perto. Outros já tinham passado pela cidade, mas a cabana de Smiles era bem na rua principal. Ele frequentava o pub regulamente, se juntou à equipe de dardos e passeava pelo lugar usando calça boca de sino, colares, glitter no rosto, cabelo tingido com henna e os olhos com sombra. Ele tinha cabelo comprido e uma grande barba. No começo, alguns caras locais queriam chutar a cabeça dele. Outros moradores especulavam em que tipo de negócio ele estava envolvido; a maioria assumindo que era pornografia ou roubo a bancos.

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Mas com uma mistura de simpatia e ridículo, ele logo encantou o vilarejo, que, nessa época, tinha começado a desenvolver uma visão de mundo excêntrica – ou pelo menos uma abertura cada vez maior a coisas que aconteciam ao seu redor que não eram tão normais.

A cabana dele tinha dois andares e quatro cômodos, e aqueles que tiveram o prazer surreal de fazer uma visita falavam em uma grande Parvati (a deusa hindu da fertilidade, amor e devoção) pintada numa parede da sala e um grande Shiv Shankar azul em outra. Os rodapés tinham sido pintados para parecer grama e caracóis. Em um dos quartos do segundo andar havia uma escultura em papel machê de Jimi Hendrix saindo da parede, seu cabelo feito de fios de cobre. O quarto infantil tinha sido transformado numa caverna de papel machê, colorida em marrom claro com toques de vermelho e amarelo, decorada com bolas de Natal brilhantes. Eles tiraram o telhado nos dois quartos e o transformaram em um teto solar, para que todo mundo pudesse dormir sob as estrelas.

Durante esse tempo no vilarejo, Smiles se envolveu com a rede de LSD e foi de um traficante menor para alguém que lidava com 100 mil cartelas de ácido por semana, o transformando em um dos maiores nomes da operação. Quando os policiais chegaram a Llanddewi-Brefi disfarçados de hippies, Smiles era o alvo.

Stephen Bentley era um dos detetives disfarçados. Ele escreveu um livro sobre suas experiências, Undercover: Operation Julie – The Inside Story, e é o responsável pelas alegações recentes de que ainda há ácido enterrado no local. Ele me conta por Skype que se tornou incrivelmente próximo de Smiles nos dois anos em que passou disfarçado, e chegou muito perto de contar tudo a ele no final de semana anterior à ofensiva. Smiles jura que sabia que Bentley era policial da primeira vez que o viu, mas era um caso de manter os amigos perto e os inimigos mais perto ainda. Aí, às 5h do dia 26 de março de 1977, Smiles acordou com o som da sua porta sendo arrombada, e foi o fim.

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Smiles não aparece em nenhum dos livros ou documentários de TV sobre a Operação Julie, então achei que ele não queria mais falar sobre aqueles anos. Mas eu sabia que ele ainda estava por aqui: ouvi de uma fonte confiável que ele tinha ido recentemente ao funeral de um dos outros caras presos nos anos 70, e que deixou todo mundo chapado na área de fumantes do velório. Se alguém realmente sabia se ainda existe do seu LSD místico enterrado por ali, seria Smiles.

No final das contas, encontrá-lo não foi nada difícil, e depois de um dia nos correspondendo ele nos convidou para tomar chá na casa dele. Ele saiu de Gales e viajou pelo mundo, mas no final se viu não muito longe de onde começou: nas florestas perto da fronteira com o País de Gales, a duas horas de Llanddewi-Brefi. Galhos batem na janela e o mato que cresceu no meio da estrada raspa embaixo do nosso Polo: o caminho escondido para a casa de Smiles. É óbvio que ninguém passa de carro por aqui há algum tempo. Finalmente, viramos numa curva e vemos uma antiga casa de fazenda reformada.

Smiles atende a porta ao som de cachorros latindo. Ele tem um rosto marcado mas gentil; olhos azuis-claros, uma boca sorridente, um nariz forte e uma longa juba de cabelos brancos até os ombros. Ele está usando uma camisa azul justa, calças de veludo, meias vermelhas e mocassins. As mangas estão enroladas para revelar tatuagens de dragões e serpentes, que depois descubro serem coberturas para antigas tattoos do exército. Joias de aspecto espiritual estão em volta de seu pescoço e ele usa um punhado de anéis de prata. Ele fala com um sutil sotaque de Manchester, diluído pelos anos.

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Ele anda até o quintal da casa e senta numa mesa de madeira perto de um lago. O tilintar suave de mensageiros do vento enchem o ar. Sem uma estrada asfaltada, com seu próprio suprimento de água e uma estufa onde cultiva todo tipo de vegetal, ele mais uma vez encontrou seu pedaço de isolamento.

Noto que o cachorro menor está arrastando uma guia longa presa na coleira com uma cabeça de machado enferrujada na outra ponta. Smiles me pega olhando. "Não é crueldade, sério", ele diz. "Ele é um corredor, sabe. Da última vez, ele saiu correndo e sumiu por dois dias, depois voltou faminto, gelado e sujo no meio da madrugada. Temos que manter ele preso com esse peso quando saímos."

Minha primeira pergunta é a mais óbvia: Por que Llanddewi-Brefi? "Essa é a grande pergunta, não. Por quê? Eu mesmo gostaria de saber por que tudo aconteceu lá. Tudo que sei é que fomos atraídos para o lugar." Segunda pergunta: Como era tomar o que possivelmente foi o melhor ácido já feito? "Era uma loucura, cara." Terceira pergunta: ainda tem ácido enterrado lá. "Não, desculpa, isso é bobagem."

Nesse ponto, Smiles saca um beck longo e grosso, enrolado em papel transparente, o acende e dá uma série de tragadas profundas e experientes. Isso me faz pensar em um tenista profissional entregando um belo serviço. Ele me oferece o beck. Não fumo, nunca, mas pensei: que outra chance vou ter de fumar maconha no quintal de um ex-traficante internacional de drogas? Dou duas tragadas atrapalhadas que devem parecer mais o Mr. Bean jogando tênis.

"Llanddewi-Brefi era só outro vilarejo de Gales, só isso", começa Smiles. "Não tinha nada de especial, mas depois se tornou muito especial. Eu sei, vendi ácido para o padeiro, vendi ácido para o leiteiro, e até vendi ácido para o cara que me vendeu a casa. Ele era muito religioso. Ele estava indo bem, mas saiu da sala de repente. Depois ouvi alguma coisa através das paredes. Fui procurar e ele estava coberto de sacos, cantando hinos a plenos pulmões. Aí ele decidiu que estava morrendo, então segurei a mão dele e ele morreu várias vezes. A gente se divertiu pacas, isso eu te garanto."

Ele continua falando, mas minha cabeça começa a girar. Foco em não perder o controle, o que me faz perder o controle porque não estou ouvindo mais o que ele diz. Olho para cima. Ele para de falar. Olho para baixo, para as perguntas que escrevi no meu caderno. Elas não fazem sentido. Olho para o beck. Parece uma arma na mão de um bebê. Coloco ele lentamente na mesa, esperando que ele não note. Mas ele nota. "Tudo bem aí?", diz Smiles, rindo. Pelo meu conhecimento limitado de maconha, vou chutar e dizer que o bagulho era forte. A esposa dele chega com um prato de biscoitos. Uma mistura de shortbread e chocolate. Como oito.

Smiles trabalhou cinco anos como parte da rede de LSD, mas não se arrepende. "Você tem que viver cada dia com o que tem", ele diz. "Uma das coisas que o LSD te ensina é que isto é o agora. É a única realidade. O dinheiro não era o principal para mim. Havia essa ideia na época de que íamos mesmo mudar o mundo para melhor. O ácido te faz perceber que há maneiras melhores de lidar com os problemas que encaramos, porque olha onde estamos agora."

Aos 70 anos, Smiles agora fala sobre a cultura de drogas do Reino Unido como uma narrativa da qual ele não faz mais parte, e ele logo me garante que está aposentado faz tempo. Mas ainda monitora tudo de longe. A ascensão do ecstasy o surpreendeu. Para Smiles, essa é uma substância relativamente sem consequências e insignificante. "É derivado da anfetamina, não é… então te faz querer ficar no meio de um campo dançando, mas você não está incomodando ninguém fora seu vizinho. Você não vai mudar a direção da sociedade e alterar radicalmente a maneira como você pensa; só vai dançar e suar todo final de semana. Acho que isso é um passo atrás. O mundo precisa de outro grande fornecedor de LSD."

Digo que parece loucura, essa ideia de que o ácido pode mudar o mundo, e ele joga as mãos para o ar e diz: "Ser normal é a coisa mais louca que você pode fazer, garoto. Olha pra toda merda que fazemos quando somos normais. O tempo todo, todo dia, porra, continue seguindo o relógio!"

ZOOM ZOOM ZOOM, BOOM BOOM BOOM

Na nossa última noite em Gales, voltamos para Llanddewi-Brefi para um último drinque no New Inn. Ainda quero falar com a dona do pub, e ela está exatamente onde a deixamos, sentada num banco atrás do balcão, servindo pints e ocasionalmente mexendo em seu iPad.

Ela assumiu o pub 27 anos atrás, e nunca foi muito longe daqui. Ela conhece cada rosto da cidade e sabe exatamente onde cada um mora. Quando pergunto se ela gosta de comandar o pub, ela diz "Tenho, né". Sua parte favorita do vilarejo é a placa, porque quando vê a placa ela sabe que está em casa. "O vilarejo", ela admite, "parece mesmo ter algum tipo de… poder sobre as pessoas", antes de resmungar alguma coisa sobre raves. Que raves? "Raves ilegais nas montanhas."

Ela descreve ouvir uma barulheira fora do bar numa noite de sábado em junho passado, por volta das 22h30; buzinas, ronco de motores e pessoas gritando. "Eu só conseguia ouvir ZOOM ZOOM ZOOM!", ela diz. Ela espiou lá fora e viu uma cena metade Mad Max, metade Only Fools and Horses, uma fila interminável de vans e carros passando pela vila em direção à montanha. "Aí a música começou, e você conseguia ouvir daqui do vilarejo por dias – BOOM BOOM BOOM!"

Procuro isso na internet pelo celular e encontrou um vídeo no YouTube intitulado "UKTEK 2016 LLANDDEWI BREFI". Centenas de pessoas dançando e gritando na frente de enormes caixas de som, com lindos pinheiros ao fundo, bexigas de NOS nas mãos, viajando e se esfregando enquanto o DJ tocava um remix de "Macarena". A música mudou, as drogas mudaram, e mesmo depois de todos esses anos, as pessoas ainda são atraídas pelo mesmo vilarejo no vasto Deserto Verde do País de Gales.

Deixamos o pub, andamos até o estacionamento e olhamos para o alto. O site de astronomia tinha razão: a Via Láctea se mostra em todo seu brilho, se espalhando pelo céu como um sorvete derramado. As estrelas não estão cintilando, estão urrando, a lua está tão inchada que parece que vai cair. É bonito demais, e um pensamento mais velho que os séculos passa pela minha cabeça: talvez eu devesse me mudar para Llanddewi-Brefi.

Alguns nomes foram mudados para proteger o identidade dos entrevistados.

@joe_zadeh / @Cbethell_photo

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