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saúde mental

Por que você sente tanta ansiedade quando está de ressaca?

Um novo estudo explorou todo aquele pavor existencial que bate na porta depois que você enche a lata.
Mulher segurando bebida alcoólica
Foto: Emily Bowler.

Ansiedade de ressaca é uma coisa muito millennial, né? Só a Geração Floco de Neve pra pegar um mal aparentemente direto – a ressaca – e meter num balaio de saúde mental.

Acontece que há uma história bem pesquisada ligando álcool a ansiedade social, com 28% das pessoas com transtorno de ansiedade social (TAS) dizendo sofrer com problemas com álcool. Timidez é um análogo subclínico do TAS. O que significa que você pode experimentar sintomas similares – talvez aversão a situações sociais, corar e ficar com a boca seca quando encontra pessoas que não conhece – mas esses sintomas não se desenvolvem para formas de ansiedade mais debilitantes.

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Um estudo recente descobriu que a ansiedade de ressaca – uma sensação aguda de pavor ou culpa numa ressaca que, de sua maneira, é pior que a dor de cabeça e vomitar no banheiro do trabalho – em indivíduos altamente tímidos pode ser ligada a problemas com álcool. Resumindo: se você é tímido e experimenta ansiedade de ressaca todo final de semana, provavelmente é porque você está bebendo de um jeito pouco saudável para aliviar sua timidez.

“Álcool produz um efeito ansiolítico no cérebro”, diz Beth Marsh, que produziu o estudo e é uma pesquisadora de psicofarmacologia na UCL. “Então quando você está sob influência do álcool, químicos no seu cérebro te fazem sentir menos inibido e ansioso. Isso vale se você é uma pessoa tímida ou ansiosa ou não.”

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Foto: Emily Bowler.

Um exemplo pessoal: quando tinha 14 anos, eu odiava a escola. Eu era um vegetariano constrangido – eram os anos 1990, então esse estilo de vida ainda não era considerado legal – com poucos amigos, insônia e a cara parecida com uma pintura do Pollock. Eu passava os almoços nos computadores da biblioteca, geralmente sozinho. Acabei num grupinho com quem eu bebia cidra nos finais de semana, aí eu virava o palhaço da turma e ocasionalmente conseguia pegar alguma menina. Um dia perguntei pra eles se eu era mais engraçado bêbado ou sóbrio, e eles responderam bêbado.

Todo mundo cria contos de fada sobre seu passado, mas isso ficou na minha cabeça. Vinte anos depois, ainda me sinto menos confiante – e com certeza menos engraçado – quando não bebo. Por anos, frequentei baladas e tinha a reputação de ser babaca enquanto tentava fingir que era um alfa. Na verdade eu estava sempre bem bebaço, e foi só nos últimos anos que comecei a ficar confortável com o fato de que sou basicamente um cara quieto e introvertido. O que me levou a diminuir a bebida e outras substâncias foi a natureza cada vez mais ansiosa das minhas ressacas, e o fato de que elas estavam ameaçando minha carreira como jornalista (que estava começando a dar certo).

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“É fácil cair em padrões”, diz Celia Morgan, professora de psicofarmacologia da Universidade de Exeter, e investigadora chefe do estudo, “e álcool facilita a socialização se você se sente ligeiramente desconfortável. Também tem uma relação interessante de mão dupla. Na maioria dos casos em que ansiedade social leva a abuso de álcool, o álcool é uma muleta. Mas para algumas pessoas é o contrário.”

Uma coisa em comum para todo mundo com quem falei para esta matéria era um sentimento de constrangimento e desconexão. Simon, um diretor de comédia de 34 anos, usava o álcool socialmente na adolescência e na universidade para ajudá-lo a esquecer sua gagueira: “Isso me tornou muito tímido. Quando estava bêbado, eu gaguejava menos”. Ele acabou percebendo que não podia usar o álcool como um mecanismo para lidar com seu problema de fala, especialmente enquanto suas ressacas se tornavam “cheias de vergonha: 'As pessoas me odeiam? Por que ela não gosta de mim?'” E por isso agora ele raramente bebe.

Brodi Snook, uma comediante de 27 anos, mudou de cidade muitas vezes quando era criança na Austrália. “Passei por umas 10 escolas antes de fazer cinco anos e era uma coisinha muito nervosa e amedrontada desde pequena”, diz. Ela descobriu o álcool aos 14 anos e isso a ajudava a fazer amigos e conhecer caras. Brodi descreve suas ressacas como um medo existencial geral sobre suas carreiras e escolhas de vida, em vez de “Caralho, exagerei ontem”.

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Há algumas situações onde pessoas altamente tímidas podem acabar numa manhã particularmente ansiosa no dia seguinte. Pense na festa de fim de ano da firma.

“Há muita antecipação para algo assim; que pode ser de excitação ou ansiedade. Quando você está estressado, o sangue vai mais para os músculos que para o o estômago”, diz Celia. Isso significa que o álcool é absorvido mais rápido. “E isso te faz beber mais rápido.” Acrescente o fato de que você esqueceu de comer antes de chegar no open bar e, pronto, o resultado disso tudo é uma manhã sombria enquanto você lembra que encoxou seu chefe ao som de “Mr. Brightside”.

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Foto: Emily Bowler.

Uma faceta interessante da ansiedade da ressaca é o fato de que as taxas de consumo de álcool estão caindo. Dez milhões de adultos no Reino Unido relatam ser abstêmios, com 29% das pessoas entre 16 e 24 anos dizendo que não bebem. Então os dias da ansiedade de ressaca estão contados?

“Enquanto o uso de álcool está caindo, ainda há 600 mil dependentes de álcool no Reino Unido”, diz Beth Marsh. “E enquanto as estatísticas mostram que, no geral, as pessoas estão bebendo menos, aqueles com níveis mais baixos de saúde e bem-estar – talvez incluindo pessoas experimentando ansiedade – ainda estão bebendo demais.”

Então, numa era de ansiedade onde – segundo uma pesquisa de 2017 do Conselho Britânico de Psicoterapia – as taxas de pessoas com ansiedade de moderada a extrema e depressão entre os trabalhadores do Reino Unido aumentou 30,5% desde 2013, a ligação entre ansiedade, timidez e álcool provavelmente vai continuar.

Uma coisa que as gerações mais jovens têm a seu favor é de que, talvez, ser tímido seja algo mais aceito agora. O livro de Susan Cain Quiet: The Power Of Introverts in a World That Can't Stop Talking explora os benefícios de ser introvertido, e vendeu mais de dois milhões de cópias. E os padrões de masculinidade também estão lentamente mudando: homens e garotos que bebem muito para pagar de alfa agora podem se sentir mais confortáveis na própria pele, e não precisam mais tomar aquelas doses de tequila indutoras de ansiedade.

“É uma questão de aceitar ser tímido ou introvertido”, diz Celia. “Isso pode ajudar as pessoas a se afastar do uso pesado de álcool. É uma característica positiva. Tudo bem ser tímido.”

@dhillierwrites

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