Por que nossa geração é tão fodida da cabeça?
Ilustração: Kato

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saúde mental

Por que nossa geração é tão fodida da cabeça?

E como o excesso de informação e a vida alheia nas redes sociais pioram tudo isso.

Faço terapia há pouco mais de um ano. Não me sentia meio fodida da cabeça ou qualquer coisa do tipo, mas talvez eu tenha sido influenciada pelo fato de que praticamente todos os meus amigos vão – ou acham que deveriam ir – a um terapeuta.

Ansiedade, depressão e crises de pânico são alguns dos problemas já relatados por conhecidos meus em conversas cotidianas. Em algum momento, comecei a me perguntar: qual o problema da minha geração? Estamos de fato mais suscetíveis a esses transtornos psicossociais ou apenas passamos a falar mais sobre isso?

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De acordo com um estudo da BDA- Morneau Shepell, um em cada cinco millennials sofria de depressão nos EUA em 2015, o equivalente a 20% da população millennial do país. No Brasil, o suicídio é a quarta maior causa de mortes entre jovens de 15 a 29 anos.

E parece haver uma evolução da incidência desses transtornos ao longos dos anos. Segundo um estudo de 2009 de Jean Twenge, professora de psicologia da Universidade de San Diego, que estuda a relação entre o uso de smartphones e redes sociais e a ocorrência de problemas de saúde mental entre integrantes das gerações Y e Z, houve um aumento do número de jovens que estão usando antidepressivos e estimulantes, como a Ritalina.

Para Fabiana Ratti, mestre em psicologia clínica pela PUC-SP, e Paula Prates, doutora em saúde pública pela USP, ambas atuantes no Coletivo Feminista Sexualidade e Saúde, as cobranças em relação aos jovens atualmente são maiores. "Na geração anterior, as pessoas passavam anos no mesmo trabalho. Havia uma certa estabilidade. Não era preciso ter muitos diplomas ou línguas para se ter um bom emprego", comparam. "Hoje a competitividade é frenética. Os jovens captam tudo isso. O futuro passa a ser assustador e assim eles ficam mais temerosos com as frustrações, gerando mais ansiedade, mais frustração, menos vontade de investir, mais depressão."

E parece que nossa relação com redes sociais não está ajudando muito.

Uma pesquisa realizada pela Amdocs, empresa norte-americana de softwares e serviços de mídia e comunicação, avaliou o uso de redes sociais por jovens de 10 países. Além de apontar que não saímos do celular, o estudo mostrou que 68% dos jovens entrevistados ficam ansiosos e solitários quando estão sem internet. A taxa vai para 65% quando eles estão longe da família.

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FOMO ("fear of missing out", o medo de ficar de fora dos rolês), insegurança diante das reações a uma nova publicação, dificuldade de focar em uma só atividade diante das notificações que não param de chegar e a constante sensação de que a grama do vizinho é mais verde (ou pelo menos é isso que o feed do Instagram faz parecer).

Embora todo mundo que está conectado fique suscetível a esses incômodos típicos de uma sociedade hiperconectada, os problemas decorrentes disso se acentuam nas gerações que nasceram tendo seus celulares praticamente como uma extensão do próprio corpo.

"Através de imagens e postagens as pessoas mostram momentos paradisíacos, se colocam em posições maravilhosas que causam no usuário a sensação de que ele está fazendo pouco. Então, a pessoa deixa o que está fazendo, abandona seus próprios desejos para correr atrás do que o outro quer", avaliam Fabiana e Paula. Na mesma lógica de raciocínio, na internet, muitas vezes, as pessoas não escolhem, mas são escolhidas. Filmes, sites, notícias, tudo é sugerido. "Por um lado temos a sensação de estar escolhendo, de tudo estar acessível, por outro, é um aprisionamento, uma falsa liberdade", cravam.

Nossa geração e a ainda-não-muito-bem-definida que veio em seguida talvez de fato sejam um pouco fodidas da cabeça, mas, do mesmo modo em que nos esforçamos por mostrar nossa melhor versão na rede, também aprendemos a falar sobre os problemas que nos atingem.

Se antes tratar de temas como ansiedade, depressão ou mesmo de alguns fatores sociais que contribuem para isso – como relacionamentos abusivos, preconceito etc. – era tabu, ou no máximo limitados às discussões privadas, hoje sabemos que expor, por exemplo, as altas taxas de suicídio entre jovens é fundamental para começarmos a pensar em soluções.

"Antigamente havia um estigma sobre a pessoa que dizia ir ao psicólogo, psicanalista ou ao psiquiatra, essa pessoa era vista como 'problemática', como aquela que não sabia resolver seus problemas sozinha e muitas escondiam como um segredo. Hoje em dia, cada vez se fala mais abertamente sobre o cuidar da saúde mental com a ajuda de profissionais especializados", concluem.

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