Qual é a eficiência dos bloqueadores de celular nas prisões do Brasil?
Foto: Marcello Casal Jr./Agência Brasil

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Qual é a eficiência dos bloqueadores de celular nas prisões do Brasil?

Ainda que seja uma das melhores soluções para impedir o uso dos telefones, tecnologia possui problemas como deixar áreas descobertas e a necessidade de atualização.

No começo de julho, uma denúncia feita pelo Ministério Público de São Paulo mostrou a agressividade da expansão do Primeiro Comando da Capital ao redor do país. Entre as revelações, estava o fato de que lideranças do PCC conseguiam se comunicar por telefone em dois presídios com bloqueadores de sinal de celular em São Paulo e Mato Grosso do Sul, como publicado pela Folha de S. Paulo.

A notícia surge num ano em que os bloqueadores têm sido discutidos à exaustão. Em fevereiro, o Senado aprovou um projeto de lei que obrigaria a instalação dos dispositivos em todas as prisões do país. (Enviado para a Câmara, o PL não avançou muito desde então. Uma das razões seria a escassez de recursos, já que a implantação da tecnologia não é nada barata.) Além disso, Paraná, Minas Gerais, Bahia, Paraíba, Mato Grosso do Sul e Piauí já criaram leis estaduais semelhantes, sempre derrubadas pelo STF, já que apenas o governo federal pode legislar sobre telecomunicações.

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“Olha, realmente pode ocorrer falhas”, disse ao Motherboard o promotor Lincoln Gakiya, responsável pela denúncia da Operação Echelon, que culminou na denúncia do MP. “Precisa ser monitorado, testado. Mas eu sou a favor que se amplie a cobertura de área bloqueada não só em São Paulo, mas no país todo. É preciso cortar a comunicação das lideranças das facções.”

Mas como, afinal, funcionam os bloqueadores de sinal de celular? Como as falhas se dão?

Em teoria, o princípio é simples. Toda a comunicação feita por meio de um celular transita no ar em ondas de rádio, tanto ligações comuns quanto redes 2G, 3G ou 4G. A frequência por onde passam essas ondas varia conforme o serviço, a operadora e a região. Configurado da maneira correta, o bloqueador emite um sinal de alta potência que inviabiliza o uso dessas faixas.

“Em uma comparação simplista, é como se você tivesse falando no telefone e no fundo tivesse um som extremamente alto que impedisse de ouvir qualquer coisa”, diz Leandro Manera, coordenador do Laboratório de Inteligência Espectral da Faculdade de Engenharia Elétrica da Unicamp. “Esse ruído na faixa de frequência, que chamamos de jamming, bloqueia a comunicação entre os aparelhos.”

O problema é que, se configurado de maneira incorreta, o bloqueador pode deixar buracos negros onde o sinal funciona dentro dos presídios ou interferir na vida de quem não tem nada a ver com a história. Manera recorda que, há alguns anos, moradoras da vizinhança de uma unidade prisional em Guarulhos começaram a reclamar que o sinal de Wi-Fi era intermitente ao longo do dia, e os mouses wireless não funcionavam. “Esse ajuste precisa ser feito por pessoal especializado, para calcular de maneira precisa a área bloqueada”, explica.

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Ao longo dos últimos anos, Manera trabalhou junto a uma empresa paulista que desenvolve tecnologia na área e presta serviço de bloqueio de sinal de celulares no Sul e Sudeste em um simulador que ajuda nesta tarefa. Para realizar o cálculo de instalação do bloqueador, afirma, leva-se em consideração a área em que está instalada a prisão, o tipo de material utilizado na construção e obstáculos físicos para o sinal. Em seguida, são instalados um conjunto de antenas que podem ser direcionais, que apontam para a área bloqueada, ou omnidirecionais, capazes de bloquear um raio ao redor de si.

“É necessário ajustar o mínimo de potencial para chegar a determinado local. Se subirem um pouco o muro da prisão, precisa ser recalculado e se uma pequena área do presídio ficar descoberta, os presos descobrem por tentativa e erro”, conta Leandro.

Outro fator também faz com que os bloqueadores necessitem de suporte constante: o avanço tecnológico. Há relatos de que diversos presídios ao redor do Brasil que são capazes apenas de bloquear dados 3G, mas não 4G. Isso ocorre porque foram instalados e configurados antes da ativação da nova rede ao redor do Brasil, entre 2012 e 2014, e, portanto, não poderiam adiantar qual frequência seria utilizada por ela.

Para entender o tamanho do imbróglio, em algumas regiões o 4G usa a faixa de 70MHz, antes reino do sinal analógico de televisão. Vale lembrar que a expectativa é que o 5G esteja disponível em 2020 - em agosto, a Motorola lançou o primeiro celular que será capaz de suportar a tecnologia. Vai ser uma nova corrida para atualizar as prisões.

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Como chegam os telefones

O promotor Lincoln Gakiya afirma que, nas duas penitenciárias mais importantes do estado de São Paulo, a Penitenciária 2 de Presidente Venceslau e o Centro de Readaptação Penitenciária de Presidente Bernardes, não há sinal de celular desde a instalação dos bloqueadores, no final de 2012. “Em 2013, ofereci uma denuncia com 75 réus e centenas de interceptações, a maioria delas na P2. Essa realidade mudou com o bloqueador”, diz.

“O que pode acontecer: em unidades abrangidas pelo bloqueador e que tinha investigado no celular, havia sinal, mas neste caso com escuta. Aí era proposital. Não se avisa para não atrapalhar investigações. Quando é encerrado, há o ajuste.”

Mesmo assim, agentes penitenciários de São Paulo apreenderam 227 celulares dentro de celas de presídios com bloqueadores de celular no estado em 2017, segundo uma informação obtida pelo G1 por meio da Lei de Acesso à Informação.

Desde o começo dos anos 2000 os celulares começaram a ter papel fundamental na articulação do PCC e de outras facções criminosas dentro das prisões brasileiras. De lá para cá, eles entram no sistema prisional das maneiras mais variadas, desde as triviais - escondidos junto com visitantes - até as inventivas como amarrados nas costas de pombos.

Durante as investigações da Echelon, apareceram métodos novos, que incluem o uso de grávidas e pessoas com próteses como pinos de metais para burlar scanners corporais, assim como embrulhos feitos com fita 3M e papéis de carbono para burlar o equipamento. Ainda assim, Gakiya afirma que os scanners são tão importantes quanto os bloqueadores. "Hoje temos no estado de SP 144 unidades com instalação de scanners corporais tipo os do aeroportos. Eu mesmo já testei, passo por ele, é bastante eficiente. A tecnologia pega até aqueles celulares pequenos que parecem pen drive", diz. "Claro que muitas unidades possuem celulares lá dentro, mas a entrada, com o scanner corporal, é reduzida. A não ser que haja corrupção ou erro na fiscalização."

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Para Gakiya, no entanto, é preciso ir além. É preciso inibir qualquer comunicação das lideranças com pessoas de fora. “Aqui na P2 mesmo, as principais ordens não saíam mais pelo celular, para não expor o líder. Saíam e saem por escrito e por familiares. Para a liderança, nada disso [bloqueadores de sinal de celulares e scanners corporais] adiantará se não proibimos visitas íntimas.”

Segundo o Levantamento Nacional de Informações Penitenciárias (Infopen) de 2016, o mais recente, o Brasil tem hoje 1453 unidades prisionais. O Departamento Penitenciário Nacional (Depen), ligado ao Ministério da Segurança Pública, não revela quantos destes possuem bloqueadores de sinal de celular de celular. Na realidade, como entre estas unidades há prédios municipais, estaduais, federais e privados, o Depen sequer confirma ou não que tem este dado.

No Brasil, de acordo com regulamentação da Anatel, bloqueadores de sinal de celular podem ser utilizados apenas no sistema carcerário. O que não impede que estejam a venda na internet e sejam utilizados em roubos de carga, por exemplo, para interferir no sistema de localização dos caminhões.

Já se discutiu sobre a possibilidade de usar dispositivos do tipo em locais de prova de Enem e vestibulares para evitar colas eletrônicas. A conversa não foi para frente, mas daria razão a todos os estudantes que acham que a escola é uma prisão.

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