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Elas querem mudar o timbre das narrações de futebol

A presença de locutoras sempre esteve no banco de reservas do jornalismo esportivo. Depois de quase cinco décadas, na Copa 2018, o mercado finalmente abriu as portas para algumas.
Natália Lara, da Fox Sports. Crédito: Divulgação Fox Sports

Não é à toa que você só ouviu falar de caras como Galvão Bueno, Luciano do Valle e Osmar Santos nas locuções. Até hoje as mulheres narradoras de futebol não obtiveram espaço suficiente para dividir os holofotes e os gritos de gol, mas, ao contrário do que muitos pensam, elas sempre estiveram lá.

Uma geração de narradoras esportivas iniciou na década de 70 e, desde então, elas lutam para conquistar uma rara vaguinha nas rádios e emissoras por todo o país. É o caso de Luciana Mariano que narra jogos da Liga Europeia na ESPN Brasil, de Natália Lara que é apaixonada por Olimpíadas e está construindo sua carreira no futebol, e de Isabelly Morais que, neste ano de 2018, foi a primeira mulher a narrar uma Copa do Mundo.

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O caminho da locução feminina se iniciou na década de 70 com a “Zuzu”, uma mineira que integrou e comandou a primeira equipe jornalística composta apenas por mulheres. Ela abriu os portões e quebrou todos os tabus em 1971 em uma partida do Palmeiras contra Montevidéu, do Uruguai, na Libertadores. Bem-humorada, ela atingiu o sucesso entre os ouvintes com seu tom dramático, que, entre gritos de gol e cruzadas de escanteio, mandava: “uma mulher a mais no estádio, um palavrão a menos”.

"Zuzu" na capa de um jornal exposto no Museu do Futebol. / Acervo: Zuleide Ranieri Dias/Museu do Futebol

Depois de alguns anos, porém, a audiência da Rádio entrou em decadência e iniciou um novo projeto de contratação de homens na tentativa de melhorar o cenário. Zuleide passou como repórter pela Rede Record e terminou assessorando o ex-governador paulista Paulo Maluf. Nunca mais voltou a fazer locuções esportivas.

O cenário ficou sem mulheres nas locuções por várias décadas. Só em setembro de 1997, Luciana Mariano, hoje locutora esportiva da ESPN Brasil, seguiu o percurso de Zuleide ao narrar um jogo na televisão. Mas, por nunca ter visto uma mulher trabalhando na área, ela não tinha noção do sonho que tinha. O destino teve que se encarregar de direcioná-la ao objetivo.

Em Jundiaí, interior de São Paulo, Luciana com 16 anos foi convidada a trabalhar na rádio da cidade por meio de um amigo e começou fazendo resumo de novelas. Assumiu o cargo de repórter de campo por conta da ausência de uns dos jornalistas na época e ali se descobriu. Depois de entrar na Band para trabalhar como narradora esportiva, ela se tornou a primeira mulher a narrar na TV junto de sua dupla e ex-marido Luciano do Valle.

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Luciana Mariano no estúdio das transmissões de sua atual emissora. / Crédito: Divulgação ESPN.

Assim como ocorreu com Zuleide, as oportunidades se fecharam e Luciana teve que optar por outros meios jornalísticos fora das locuções. Hoje ela está na ESPN e muito mais otimista. O palpite dela é de que “esses espaços de tempo vão ser muito menores agora”.

Isso porque essa Copa do Mundo da Rússia foi marcada por muitos acontecimentos. O Canarinho Pistola, os penteados de Neymar, a geração belga e, claro, mulheres nas principais emissoras esportivas de canal fechado da televisão brasileira.

Depois de um tempo longo na história, elas começaram a aparecer novamente em 2018 por meio de concursos feitos pela Fox Sports, Esporte Interativo e outros canais.

Natália Lara, uma das vencedoras, participou do "Narra Quem Sabe", promovido pelo canal de esportes da Fox. Ela afirma com total certeza que o que falta é espaço para as mulheres que são tão boas e competentes quanto os homens. “Se você dá esse espaço, você quebra essa tradição, e as pessoas se acostumam”, diz.

Natália Lara narrando jogos do "Narra Quem Sabe", seleção da Fox Sports. / Crédito: Divulgação Fox Sports

Partindo de um sonho frustrado de ser jogadora de futebol, ela fez faculdade de Rádio e TV e nunca mais largou os microfones. A radialista teve a sorte de ter como professor um dos melhores narradores da BandNews FM, Renato Rainha. “Ser narradora mulher tem a dificuldade de não ter referências femininas, então tive que buscar qualidades nas masculinas que eu pudesse trazer pro meu estilo”, diz Natália.

A falta de representatividade é uma das maiores razões de ligarmos a televisão ou o rádio e não encontrarmos mulheres ali. A maioria das locutoras descobre que quer ser uma somente quando é oferecido oportunidades a elas. Há 48 anos, faltavam oportunidades e representação para Zuleide. Pelo mesmo motivo de escassez, Luciana e Natália tiveram que suar o dobro para seguir o que já estava escrito em seus destinos. Hoje, ao que parece, os portões se abriram e as locutoras não deixarão que se fechem. Assim, quem sabe, os timbres no futebol começarão a mudar.

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