GAMES

O artesão do joystick

Dos fliperamas para a sala de casa, como os controles evoluíram – e por que um historiador de tecnologia começou a construir os seus.
Tech historian Benj Edwards sitting at a desk.

Uma versão desta matéria foi publicada originalmente na newsletter Tedium .

Dos muitos comerciais do Super Bowl deste ano, talvez o mais interessante – e segundo um estudo pós-jogo, efetivo – foi uma propaganda da Microsoft para destacar um controle de videogame.

O Adaptive Controller do Xbox, com seus botões de ação grandes e dezenas de acessórios, é o tipo de aparelho que talvez não venda um monte de unidades – mas as que forem vendidas serão muito apreciadas por pessoas com deficiências que querem jogar videogame também. Ele representa uma declaração da Microsoft – de que a companhia quer garantir que todo mundo que queira jogar seus videogames possa, e que eles estão dispostos a tomar passos para encorajar essa acessibilidade.

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Isso também destaca quão longe fomos da origem do joystick, que na verdade veio antes dos videogames, mais de 40 anos na verdade, com a primeira patente registrada em 1926.

Seu uso no caso, se você estiver imaginando, era para a aviação, como parte de um sistema de aviação por controle remoto. Para testar a invenção, o engenheiro Carlos B. Mirick criou um aparelho dirigido por controle remoto parecido com um drone primitivo sob rodas, que ele chamou de “cachorro eletrônico”.

Gamers, claro, são muito apegados a seus controles – como deveriam, já que passam horas com eles, seja num fliperama ou em casa na frente de uma TV velha CRT – e estão disposto a procurar pelo controle certo para suas necessidades. Esse interesse crescente levou à ascensão de jogadores como 8BitDo, que fez um nome construindo controles de estilo retrô com acessórios modernos, e Hori, que vende toda uma linha de controles de Gamecube para Smash Bros. para o Nintendo Switch.

E o número de gamers dispostos a pagar mais por esses controles também cresceu – o que significa que há espaço para uma abordagem mais personalizada, levando alguns criadores a fazer seus próprios joysticks.

É o tipo de coisa que exige que você saiba sua história, o que significa que Benj Edwards, um historiador digital e jornalista de tecnologia que frequentemente mergulha em reinos dos primórdios do videogame e computação, talvez seja o cara perfeito para fazer um negócio de controles decolar em 2019.

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O controle do N64, talvez um dos mais controversos de todos os tempos, ajudou a popularizar o thumbstick analógico. Imagem: Evan Amos/Wikimedia Commons

Cinco tipos de controles que contribuíram para a história dos joysticks

1. Paddle. Uma das primeiras variações de joystick usada no jogo Pong de Nolan Bushnell, basicamente uma grande alavanca que funciona com movimentos circulares, o que torna a variedade de movimentos bastante limitada. Apesar de não parecer nada com um remo (paddle), o nome é uma referência a seu uso em jogos estilo tênis. “Na verdade esse tipo de controle provavelmente não seria chamado de paddle se não fosse pelo jogo pioneiro de Bushnell”, apontou a PC Magazine em 1984, junto com uma avaliação de dois paddles que eles diziam ter “formato de dois caixões em miniatura”.

2. D-Pad. Como apontado por um episódio de 2017 do The Gaming Historian, o ícone da Nintendo Gunpei Yokoi inventou o design básico por trás do controle direcional, com a inovação chave envolvendo uma bola como pivô no centro do botão direcional, que dá mais liberdade de movimentos. A Nintendo patenteou esse design básico, o que significou que, por décadas, todos os outros fabricantes de videogame usavam um design alternativo para seus próprios controles direcionais. (Notavelmente, os Joy-Con do último console da Nintendo, o Switch, não usam um D-Pad, apesar de fabricantes terceirizados populares como a Hori venderem esse tipo.)

3. Thumbstick analógico. Uma versão pequena do paddle, popular com jogos 3D, foi popularizado pelo Nintendo 64, que incluía uma alavanca no meio do controle. Como o jornalista Mark Christian apontou em seu blog, esse design acabou se provando único, já que a abordagem foi evitada em favor de tornar a alavanca e o botão direcional igualmente acessíveis em todos os momentos. Digno de nota: uma das primeiras variantes do thumbstick foi o NES Max, que usava um dispositivo chamado cycloid que tem função similar ao thumbstick, mas é mais difícil de usar. Isso levou alguns entusiastas a modificar o controle para acrescentar um thumbstick de verdade.

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4. Trackball. Com a falta de uma alavanca real, claro, a trackball, que cobrimos em 2017, servia a um propósito similar em muitos dos primeiros videogames, os mais famosos sendo Arkanoid e Centipede. O Apple Pippin, talvez o produto mais obscuro d a Cupertino, incluía uma trackball no meio de seu controle estilo bumerangue.

5. Touchpad. Mais recentemente, controles modernos começaram a implementar touchpads em miniatura dentro dos controles – particularmente o PlayStation 4, cujo touchpad DualShock é um acréscimo notável. Variações recentes da Apple TV, que tem controles remoto que também funcionam como joysticks em alguns casos, também incluem touchpads.

Como um historiador de computação se viu comandando um negócio de joysticks

Tecnologia, como acontece com frequência, é um jogo de fabricação em massa – de produtos que são feitos numa certa escala, que não brilham realmente ou atingem a fração ideal de preço/performance a menos que sejam feitos em dezenas de milhares. E os joysticks, como muitos itens de videogame, tradicionalmente se encaixam nesse molde.

Mas videogames retrô, com seus entusiastas procurando maneiras de aperfeiçoar sua experiência de nostalgia – e dispostos a pagar por isso – talvez sejam a principal exceção a essa regra. E isso cria oportunidades para uma abordagem mais DIY, por assim dizer.

Benj Edwards, que comanda o site Vintage Computing and Gaming há quase 15 anos, vem construindo uma variedade de joysticks para plataformas comuns e obscuras – na maioria das vezes a mão. Ele aponta que a BX Foundry veio num momento em que a comunidade de videogames retrô está cheia de pessoas procurando um upgrade.

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“Há uma comunidade grande de gamers retrô agora, e eles estão acostumados a pagar quantias (relativamente) mais altas por jogos raros ou acessórios especiais de edição limitada”, Edwards me disse por e-mail. “Então joysticks artesanais se encaixam muito bem – especialmente quando os controles são bons e entregam uma experiência de sistemas mais antigos que você não consegue mais comprar em grandes lojas.”

Edwards, que já escreveu sobre a invenção do primeiro cartucho de videogame, por que pirataria de software é necessária para preservação, e o desafio de salvar a história do serviço online Prodigy, conhece a história da tecnologia, e traz esse conhecimento para seu trabalho com joysticks.

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Uma amostra dos controles orgânicos e minimalistas de Edwards. Imagem: Benj Edwards

Ele descreve sua abordagem para joysticks como “orgânica e minimalista” – e indo contra a tendência de controles de fliperama para consoles de casa como literalmente réplicas do que você teria numa máquina de fliperama. A estratégia dele é manter as coisas simples – ele usa caixas de plástico normais, botões e alavancas de fliperamas genuínos, geralmente usa uma broca para fazer os furos, e confia na posição das próprias mãos para imaginar o design geral de dado controle.

“Algumas pessoas que fazem joysticks caseiros ficam obcecadas com a posição precisa de cada botão, e até os desenham no CAD primeiro”, ele explica. “Só uso um lápis e uma régua se precisou planejar alguma coisa.”

Essa estratégia se provou eficaz para sua linha de joysticks, que inclui sistemas de um vintage particular, incluindo o Atari 800 e NES. (Mas tem muito espaço para coisas inusitadas; meu controle favorito feito por ele é o BX-10 Cyclops, que é descrito no site como “um único botão para deixar uma declaração dramática”.)

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O BX–110 focado no SNES. Imagem: Benj Edwards

Claro, manter as coisas simples tem seus limites. Isso significa que escalar a produção pode ser um desafio, especialmente no caso do BX-110, um joystick para Super Nintendo que ele atualmente está produzindo. Coisas que você pode não pensar como consumidor, como a cor dos botões e o número de buracos numa caixa, de repente se tornam questões importantes.

“Recebi muito interesse, mas se eu fosse construir 100 deles sozinho, demoraria uma eternidade e não seria prático”, ele explicou. (Revelando tudo aqui: Atualmente estou esperando o envio de um BX-110 que encomendei dele.)

Sempre fiquei curioso com as logísticas de produzir algo do zero – não só as histórias de sucesso, mas os desafios e complicações. O jeito como Edwards fala disso destaca bem quão difícil essas coisas podem ser para novatos, como isso estabelece parâmetros (“o investimento para caixas de joystick moldadas por injeção é astronômico, e não posso pagar tudo isso agora”) e destaca, infelizmente, o jeito como o mundo funciona agora.

“Vou te dizer o desafio que é mais deprimente”, ele aponta, como exemplo. “As fábricas e empresas americanas são glacialmente lentas e ineficientes, enquanto os fabricantes chineses são muito rápidos, altamente habilidosos e fazem de tudo para tentar te ajudar como podem.”

(Ele tem alguma ajuda na forma das peças que ele usa para os aparelhos – muitas vindo da Sanwa Denshi, uma fabricante japonesa de peças para fliperama que trabalha com joysticks desde o começo dos anos 1980. A empresa japonesa fabrica vários elementos-chave para controles estilo fliperama, e acabou se tornando o padrão para muitos gabinetes de fliperama com os anos.)

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Ele diz que a demanda é alta para joysticks de Super Nintendo, o que aumenta o tempo de espera pelos controles, mas que ele está resolvendo o problema. Mesmo com as frustrações, ele vê o lado positivo aqui.

“Aprendi muito sobre fabricação, então tem sido uma experiência fascinante e gratificante”, ele diz.

Uma coisa que acho interessante sobre a ideia de Benj de fazer um negócio de joysticks é quão extenso é seu conhecimento da história da computação – o que se manifesta de várias maneiras, como na grande coleção de equipamentos vintage de computador dele, que literalmente virou manchete quando ele tentou vender ano passado. No fronte do jornalismo, já temos uma piada interna: sempre que pesquisamos para uma matéria, acabamos cruzando com o nome um do outro, já tendo escrito sobre dado tópico.

Benj poderia ter aproveitado seu conhecimento em várias áreas – até ter escrito um livro. Mas ele escolheu controles de videogame, uma área que talvez seja a mais tangível possível para colocar seus talentos. Mesmo que seu negócio continue pequeno ou não consiga ir além de seu país natal, ele acrescenta valor a um nicho importante, um nicho que entende o que ele está oferecendo para o mundo dos videogames retrô.

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O controle para Virtual Boy. Imagem: Benj Edwards

Recentemente, Edwards teve um grande sucesso num lugar inesperado: ele encontrou uma grande demanda por controles para Virtual Boy, uma plataforma que não tem controladores terceirizados devido a seu curto tempo no mercado e popularidade extremamente limitada no lançamento. Mas como com qualquer sistema criado que não seja o Gizmondo, o console tem uma base de fãs, e no caso do Virtual Boy, esses fãs têm um hack caseiro para Street Fighter II: Hyper Fighting na ponta dos dedos.

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O que significa que depois que ele anunciou um controle dual-stick para Virtual Boy, Edwards ganhou atenção inesperada em janeiro. O controle necessita de PCBs e conectores customizados de controles abandonados de Virtual Boy. Depois de inicialmente esperar fazer apenas um para ele mesmo e outro para o colega gamer e historiador Jeremy Parish, ele já fez uma dezena de controles de Virtual Boy até agora. A única coisa limitando a produção é o tempo que Edwards tem disponível.

“Muitas outras pessoas disseram que se o preço fosse mais baixo, elas comprariam um – mas cada um demora um dia para fazer, então acabo recebendo por volta de $5 por hora de trabalho no final das contas”, ele diz. “Não é prático, mas é muito divertido.”

Edwards, que frequentemente posta suas criações no Twitter, tem vários controles para plataformas menos conhecidas em desenvolvimento agora, incluindo alguns para Neo Geo e Sega Saturn. (O mais famoso PlayStation 1 também pode ganhar seu próprio controle.)

Como colega jornalista que às vezes também faz zines, e pula de escrever sobre coisas para realmente fazê-las, lidar com a logística de envio, design e criar uma loja é um grande passo – mas como tudo mais que acontece com o trabalho de Edwards, parece que ele está deixando a história mostrar o caminho.

“Nunca suspeitei que me envolveria na fabricação de controles. Mas também nunca planejei ser jornalista profissional”, ele diz sobre seu novo status como fabricante. “Mas quando você abre as portas para novas experiências, a vida se encaixa do jeito que você mesmo espera.”

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