A candidata indígena feminista concorrendo à presidência do México
Foto por Adolfo Vladimir. Imagem via Cuartoscuro.com.

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VICE News

A candidata indígena feminista concorrendo à presidência do México

María de Jesús Patricio Martínez Marichuy está buscando mais de 800 mil assinaturas para ter uma chance de se tornar presidente do México.

Numa caravana de seis dias pelo Estado Livre e Soberano de Chiapas mês passado, María de Jesús Patricio Martínez Marichuy transgrediu a política tradicional mexicana deixando sua luta contra o machismo aparente – e garotas e mulheres indígenas visíveis.

Num país que registra uma média de sete feminicídios por dia e governado por uma classe política de homens com altos níveis de corrupção e impunidade, a mensagem da primeira mulher indígena buscando a presidência na história do México está reverberando.

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No evento de encerramento em Oventic, Chiapas – lar do grupo rebelde Exército Zapatista de Libertação Nacional (EZLN) – entre neblina e garoa intermitente, Marichuy, representando o Conselho Indígena do Governo Mexicano (o ICG), disse que são as mulheres que mais sofrem com a dor dos assassinatos, desaparecimentos e prisões arbitrárias cometidos no país.

“Mas precisamente porque somos aquelas que sente mais profundamente a dor, porque passamos pela maior opressão, por isso as mulheres também são capazes de sentir a mais profunda indignação”, ela disse. “E precisamos transformar essa indignação de maneira organizada para partir numa ofensiva para desmantelar o poder de cima, construindo com determinação e sem medo o poder de baixo.”

O caráter histórico dessa dor no México era palpável no evento. No palco estava Regina Santiago Rodrígues, membro do lendário Comitê Eureka de Desaparecidos – um grupos de mães cujos filhos foram sequestrados e sistematicamente torturados durante a Guerra Suja do México, uma campanha escusa do governo contra dissidentes de esquerda entre os anos 70 e 80. Regina era mãe de Irma Cruz Santiago, que desapareceu em 1977. Ao lado dela estava Hilda Hernández, mãe de César Manuel González, um dos 43 estudantes mexicanos de uma faculdade de pedagogia que desapareceram em 2014.

Passando por várias comunidades camponesas, Marichuy defendeu igualmente os recursos naturais que vêm sendo ameaçados ou já foram esgotados pelo governo e poderosas multinacionais.

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No Caracol Oventic. Foto por Adolfo Vladimir para Cuartoscuro.com.

Marichuy – uma mulher nahua nascida em Tuxpan, no estado de Jalisco, oeste do país – foi clara sobre suas políticas feministas em seus discursos. Essa posição também é evidente em suas várias ações de campanha no sudeste marginalizado do México, onde desigualdades de gênero profundas existem graças à persistência cultural da tradição de homens dominando a tomada de decisões em todos os níveis.

Cinquenta conselheiras indígenas – todas mulheres – do ICG, vindas de várias partes do México, acompanharam a candidata nos eventos, compartilhando o microfone e o palco. E exclusivamente mulheres e meninas de grupos étnicos como tzeltal, tojolabal, tzotzil e choles participaram das apresentações de boas-vindas e performances artísticas.

A voz do comando militar do EZLN também veio exclusivamente através de suas comandantes: Everilda, Amada, Rosalinda, Miriam e Hortencia (a tradição zapatista é usar apenas um nome).

Sim, esse é um momento especial para as mulheres. Nenhum homem tomou o microfone durante a caravana, que aconteceu de 14 a 19 de outubro. Quando homens eram visíveis – especialmente em cordões de segurança formados por milicianos zapatistas, equipados com porretes – havia sempre presença feminina entre eles. A cena era dominada por garotas indígenas expressando suas posições anticapitalistas, e oferecendo apresentações refletindo seu empoderamento em campos como saúde, educação e outros serviços essenciais para as comunidades.

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Talvez ainda mais marcante que a dinâmica de gênero ali tenha sido a presença de famílias indígenas sem envolvimento partidário e até simpatizantes do Partido Revolucionário Institucional do México (PRI). E isso apesar de não haver distribuição de comida ou cartazes de lembrança – uma prática política muito conhecida no México chamada acarreo.

Na noite anterior ao evento final em Oventic, por exemplo, cruzamos com um jovem casal que já apoiou o PRI e veio de San Andrés Larráinzar, uma comunidade vizinha que mantém tradições como o caciquismo – uma versão local da política onde o poder é mantido em regiões rurais através de meios corruptos. Eles estavam vendendo café e atole, uma bebida quente tradicional de milho, na estrada. A mulher, Karla, tinha 18 anos e estava fazendo sua primeira incursão ao território zapatista para ouvir o discurso de Marichuy. Seus pais eram apartidários e seus sogros eram simpatizantes do PRI. Mas todos estavam presentes no evento da campanha.

Marichuy, acompanhada de membros do ICG. Foto por Adolfo Vladimir/Cuartoscuro.com.

Vivendo com autonomia

Marichuy passou por cinco Caracoles Zapatistas, o nome dado aos quartéis administrativos onde o EZLN exercita uma forma de governo autônomo. Os rebeldes cortaram laços com todas as instituições do governo mexicano para criar seus próprios sistemas de educação, saúde, justiça, administração e segurança.

Esses cinco Caracoles reúnem cerca de 30 municipalidades autônomas datando de 2003, com cerca de 250 mil indígenas vivendo da produção de café, milho e vários microempreendimentos.

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O ritmo da caravana se deslocando entre um Caracol e outro era lenta devido a buracos, estradas de terra, chuva pesada e calor intenso. Mas em cada local várias pessoas esperavam pela chegada de Marichuy, às vezes por até cinco horas, como no caso do Caracol de Morelia.

Nos eventos nos Caracoles, cada comandante zapatista deu um discurso sobre temas similares: críticas ao capitalismo, argumentando que o sistema destruiu o país e estendeu a impunidade para aqueles cometendo feminicídio; o histórico de violações sexuais e injustiças sofridas por suas avós nas mãos dos donos de terra da região; e a violência diária encarada pelas famílias e comunidades.

E diferente de muitos discursos em apoio a candidatos a presidente, a Comandante Hortencia pediu explicitamente que profissionais, estudantes, cientistas, servidoras e artistas mulheres se juntassem à causa e confrontassem o neoliberalismo. “Temos que unir nossa luta com aqueles que têm suas próprias lutas e garantir que a política não vai nos dividir. Como se tivéssemos que pedir permissão para existir, para ser, para lutar. As instituições políticas do status quo têm vergonha de nós: Nós, mulheres de cor, gays, lésbicas, trans e todos que são diferentes.”

A Comandante Hortencia apontou que “o mundo é grande o suficiente para todos nós, todos nós. A única coisa que não se encaixa é o sistema capitalista, porque ele domina tudo e não nos deixa respirar. Pior, o capitalismo não tem fim – nenhuma morte, destruição, miséria ou desolação é suficiente. Não, ele quer mais: mais guerra, mais mortes, mais destruição”.

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Mulheres zapatistas armadas com porretes. Foto por Adolfo Vladimir/Cuartoscuro.com.

A caravana da curandeira

A caravana de Marichuy contava com 156 mulheres e homens do ICG, vindos de 63 regiões indígenas do México, falando mais de 39 línguas originais, como o wixárika de Jalisco, o rarámuri de Chihuahua, o mazaua do Estado do México e o yaqui de Sonora.

O Conselho, parte do Congresso Nacional Indígena (CNI), é a frente de resistência contra grandes mineradoras, hidrelétricas e projetos de energia, além de outros tipos de negócio e construções públicas, como o novo aeroporto internacional sendo erguido na cidade mexicana de Texcoco.

Em maio, o conselho de 1.480 membros elegeu Marichuy como candidata a presidente num processo de seleção que levou seis meses. Durante esse tempo, ela consultou suas comunidades para saber se elas apoiavam sua candidatura. A resposta foi sim.

A representante nahua de 53 anos, que trabalha com ervas medicinais, foi escolhida por seu trabalho participativo e inclusivo no CNI nos últimos 20 anos.

Jovens tzeltales durante apresentações num comício. Foto por Adolfo Vladimir/Cuartoscuro.com.

Na busca do que é preciso

Marichuy precisa juntar 866.593 assinaturas em 17 estados para ser incluída na eleição como candidata independe à presidência. O prazo final é 12 de fevereiro de 2018.

A candidata disse que apesar de ter obtido apoio de 1.480 voluntários para coletar assinaturas eletrônicas, o aplicativo criado pelo Instituto Nacional Eleitoral (INE) para registrar as assinaturas foi bloqueado durante sua visita a Altamirano e Ocosing, duas municipalidades de Chiapas.

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Mas Marichuy não vai desistir. Ela planeja cruzar o México para conseguir as assinaturas, incluindo centros universitários como a Universidade Nacional Autônoma do México (UNAM).

Durante seu discurso em Palenque, no norte de Chiapas, Marichuy anunciou que está tentando dobrar o número de voluntários. Na praça central da cidade, sob o sol forte, a pioneira indígena disse que não vai ceder em seus esforços para gerar uma base de apoio popular.

“Acima de tudo”, ela disse, ela pretende “amplificar e fortalecer as estruturas organizacionais da nossa indignação e dor, para que pelo país todo, elas façam a terra tremer e permitam a sobrevivência dos povos nativos e a reconstrução do México, que tem sido intencionalmente despedaçado por aqueles no poder”.

A infraestrutura eleitoral da campanha de Marichuy é sustentada pelas próprias comunidades indígenas, além de simpatizantes, que acreditam que “é hora do florescimento dos povos”, e inclui o escritor Juan Villoro, o cientista político Pablo Gonzáles Casanova e a antropóloga Sylvia Marcos. O desafio é cobrir os custos da campanha, já que a candidata e o ICG decidiram rejeitar o financiamento da campanha pelo INE – a autoridade eleitoral do México – para manter a autonomia de seu governo.

Milhares de pessoas recebem Marichuy em La Garrucha. Foto por Rafael Castillo/VICE News.

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Tradução do inglês por Marina Schnoor.