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Here Be Dragons

A Estranha Ciência da Coreia do Norte

Como o regime menos racional do mundo lida com a disciplina mais racional do mundo?

Exposição anual de flores em Pyongyang mostrando a Kimilsungia e a Kimjongilia, as flores nacionais da Coreia do Norte. Foto por Maxime Delvaux.

Martin Robbins é escritor e palestrante que escreve sobre coisas estranhas e maravilhosas para o Guardian e a New Statesman. Here Be Dragons é uma coluna que explora negação, conflito e mistério nas margens selvagens do entendimento científico e humano. Siga-o no Twitter (@mjrobbins) ou mande um e-mail com dicas e comentários para martin@mjrobbins.net.

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Não importa de quem seja o dedo no botão vermelho, bombas nucleares são assustadoras pra burro. Mas, coloque-as nas mãos de uma liderança que aparentemente acredita em unicórnios e você sentirá o mesmo desconforto de ver um bebê brincando com uma arma de fogo carregada. Como o regime menos racional do mundo lida com a disciplina mais racional do mundo?

A resposta, em grande parte, parece um tipo de pragmatismo implacável. A Coreia do Norte deixa o pensamento criativo pro Ocidente decadente e respeita dólares, produção industrial ou armas melhores como o resultado mais importante de qualquer programa de pesquisa. Em alguns casos, essa abordagem tem sido bastante lucrativa, com avanços na fabricação de drogas abrindo novos fluxos de lucro que se igualam aos dólares ganhos com a exportação inexplicável de estátuas patrióticas gigantes pra África subsaariana. No que pode ser considerado o primeiro caso de um país que tirou seu exemplo econômico diretamente da série Breaking Bad, os coreanos construíram laboratórios de metanfetamina e exportam o produto pra China e talvez até pro Ocidente por meio de uma rede de diplomatas. As drogas agora são tão fáceis de conseguir, e remédios de verdade tão difíceis de achar, que a população local está usando isso medicamente – heroína é um tratamento comum pra gripe em algumas partes do país.

O Líder Supremo da Coreia do Norte, Kim Jong-un, parece o líder mundial que você gostaria de ver respondendo perguntas sobre “ciência e natureza” num Show do Milhão global. Além de ter um diploma em física, o chefe de Estado mais jovem do planeta é renomado em quase toda a Coreia do Norte como um especialista em ciências sociais.

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Estudante no laboratório de computação da Universidade Kim Il Sung.

Suas realizações são tão grandes que, em agosto passado, um simpósio dedicado às “Ideias e teorias esclarecidas pelo querido Kim Jong-un em seus trabalhos recentes” aconteceu em Pyongyang. Esses trabalhos incluem publicações marcantes como “O Grande Camarada Kim Il-sung é o Líder Eterno de Nosso Partido e do Nosso Povo”, o ricamente intitulado “Vamos Cumprir Brilhantemente a Causa Revolucionária do Juche, Mantendo o Grande Camarada Kim Jong-il em Grande Estima como o Eterno Secretário Geral do Nosso Partido” e, claro, “Vamos Lutar Dinamicamente Pela Vitória Final, Erguendo a Bandeira do Songun” – tido por muitos como um tipo de O Gene Egoísta da política.

De acordo com a Agência de Notícias Central norte-coreana, os trabalhos apresentados no simpósio provaram “a grandeza das ideias e teorias de Kim Jong-un”, e médicos e professores fizeram fila de maneira totalmente espontânea pra louvar o ditador. O Dr. Yon Jong Sul, por exemplo, “notou que Kim Jong-un, em de seus trabalhos, elucidou o Kimilsunguismo-Kimjonglismo como a única ideia guia pro Partido dos Trabalhadores da Coreia e a Revolução Coreana”, enquanto o Dr. Hong Thae Yon “lembrou que Kim Jong-un formulou cientificamente a ideia de que quando a unidade obstinada, o músculo militar invisível e a revolução industrial do novo século são somados, eles fazem uma nação socialista próspera”.

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Muito interessante. No geral, parece que todos os envolvidos se divertiram muito empurrando seus estudos de caso inteiramente objetivos na direção geral do Líder Supremo.

Dadas as muitas conquistas gloriosas de Kim Jong-un, você deve estar pensando por que os maiores cientistas da Coreia ainda não criaram uma nova flor especial pra ele, assim como fizeram pro seu pai e seu avô. Apenas recentemente, o simpósio científico nacional começou a discutir as pesquisas vitais sobre as flores Kimilinsungia e Kimjongilia, duas linhagens imortais de begônias produzidas pelos maiores cientistas/magos da Coreia do Norte em honra aos predecessores do jovem líder. Até agora, no entanto, uma espécie Kimjongunia continua invisível.

Festivais da Kimjongilia acontecem todo ano na Coreia do Norte. Não parece uma coisa muito empolgante.

Além de apresentar pesquisas sobre o cultivo de flores e ecologia, “os palestrantes do simpósio citaram fatos que provam que a Kimilsungia e a Kimjongilia, a flor do sol, são flores famosas mundialmente, com sua floração refletindo os louvores e a reverência ardente de todas as pessoas por esses inigualáveis grandes homens”.

Curioso pra saber mais sobre essas flores mundialmente famosas, entrei em contato com Rajveer Sihota, dos Reais Jardins Botânicos de Kew, Inglaterra, que possui a maior coleção de plantas vivas fora da Coreia do Norte. Ele se consultou com alguns dos especialistas do Kew e voltou com notícias chocantes: “não temos nenhum exemplo dessas flores aqui”. E não era só isso: “meu contato no viveiro tropical acha que elas nunca foram cultivadas fora da Coreia do Norte”. Os horticultores da Inglaterra têm muito o que aprender mesmo.

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Mas a ciência na Coreia do Norte não é só diversão. Graças à política nacional de autossuficiência do “Juche”, há um senso forte de pragmatismo, com foco no exército, indústria e agricultura. “Eles colocam muito trabalho na ciência agrícola, inteiramente sem necessidade”, disse um especialista norte-coreano com quem falei e que preferiu se manter anônimo. “As sanções são um golpe forte no abastecimento de alimentos. A última tentativa de lançar um satélite em abril passado custou 250 mil toneladas de ajuda em alimentos dos Estados Unidos e fora o que vem pela fronteira com a China, os coreanos precisam ser inteiramente autossuficientes.”

Enquanto isso, a Central de Notícias norte-coreana anuncia mais simpósios científicos – e a gente fica imaginando quando os cientistas do país trabalham de verdade – que revelarão novas descobertas radicais a serem alcançadas em áreas como tecnologia de soldagem, construção de bondes modernos e modernização da Fazenda de Porcos de Pyongyang. Eles até parecem levar as mudanças climáticas a sério, o que coloca os norte-coreanos algumas décadas à frente dos norte-americanos republicanos e da ala eurocéptica do Partido Conservador inglês.

Crianças brincam num carrossel de jatos de guerra num jardim de infância na Coreia do Norte. (Foto por Alex Hoban)

Enquanto a notícia de que arqueólogos da Coreia do Norte encontraram um covil de unicórnios foi amplamente ridicularizada pelo Ocidente, isso pode ter sido injusto. “Acredito firmemente que a história foi mal traduzida, perdendo acidentalmente a palavra vital 'mítico'”, disse o especialista com quem conversei. “A história toda era pra confirmar uma parte vital do folclore de que Pyongyang é a antiga capital da Coreia, mas foi mal formulada. E os jornais ficaram felizes em mostrar isso como mais um exemplo de 'esses coreanos malucos'.”

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Talvez um dos maiores avanços da Coreia do Norte tenha ocorrido na saúde. Enquanto nós aqui do Ocidente lutamos com adesivos de nicotina e aqueles cigarros eletrônicos que fazem parecer que a pessoas está tirando alguma satisfação de chupar uma minilanterna, os moradores de Pyongyang podem comprar uma pílula pra “parar de fumar”. Feita com “ervas medicinais raras de montanhas altas e vales profundos”, o remédio “remove a nicotina acumulada no corpo humano”, o que faz a pessoa “parar de fumar espontaneamente”. Quem dera nossos governos pudessem ignorar os protestos da indústria do cigarro e começassem a importar essa pílula milagrosa.

Há um foco prático intenso na ciência norte-coreana que até o conservador mais raivoso se esforçaria pra igualar. Enquanto os cientistas do Ocidente dão duro pra encontrar coisas novas que o Professor Brian Cox possa apontar em seu programa sobre a formação do universo, os Einsteins e Newtons da Coreia do Norte marcham em seu próprio ritmo, criando novas flores, sugerindo heroína pra o tratamento de gripe e investigando bombas nucleares.

Criatividade, pensamento livre e troca aberta de ideias não são bem-vindos nesse mundo: se você não puder louvar o líder, alimentar um trabalhador, construir uma fábrica ou explodir os Estados Unidos com sua invenção, então, pode voltar pra a prancheta de desenho. Esse é o tipo de progresso que pode ser alcançado com uma abordagem de força bruta, microgerenciamento e alvo-orientada da ciência. O que, por sua vez, não é lá um grande progresso.

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Siga o Martin no Twitter: @mjrobbins

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