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análise

A política caça-cliques convence mesmo o eleitorado brasileiro?

Os três primeiros meses da gestão Doria em SP investiram numa ideia de transparência via posts nas redes. Notícias, no entanto, mostram que dados do gestor nem sempre correspondem à realidade.

Foto via Facebook

Desde o começo da campanha para disputar o cargo de prefeito de São Paulo, a estratégia de João Doria em apostar sua imagem de empreendedor nas curtidas e compartilhamentos nas redes sociais, somada à capacidade de se promover adquirida em anos de televisão, foi certeira. As próprias urnas paulistanas não deixaram mentir o sucesso da campanha com a esmagadora vitória no primeiro turno contra Fernando Haddad, e as investidas publicitárias de Doria, apostando sempre na internet, com uma equipe hábil para responder os anseios de seus eleitores na sua fanpage e uma "superexposição" controlada da vida do prefeito por meio de vídeos quase diários exibindo-o ou em reuniões, em casa, vestido como gari ou trabalhador do Mcdonalds deixam claro que o prefeito paulistano segue em campanha permanente. A presença marcante de Doria nas redes sociais parece mostrar uma gestão transparente e de rápida resposta aos cidadãos, porém até que ponto ela é realmente o que diz ser?

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Em uma recente polêmica envolvendo o prefeito e a empresa Amazon — que fez uma propaganda sugestiva contra o apagamento dos graffittis na cidade —, a manobra de usar a publicidade negativa em cliques foi novamente efetiva para João Doria. Prontamente, o prefeito gravou um vídeo na sua página do Facebook acusando a Amazon de usar São Paulo como plataforma para vender seus produtos e cobrando uma "ação transformadora" da empresa, sugerindo a doação de livros para as bibliotecas, computadores e tablets para as escolas municipais. A tática de respostas rápidas de Doria foi eficiente, reunindo empresas como a Livraria Saraiva e a Comic Com Experience em um evento essa semana para anunciar a doação de produtos para a rede de ensino municipal. Até o líber Instituto Mises prometeu doar 5 mil livros de economia para as escolas. Apesar da declaração de Doria, no ano passado, durante a campanha eleitoral, em que dizia simpatizar com o projeto Escola Sem Partido e defendia uma "educação neutra", o backlash do prefeito à Amazon garantiu uma oportunidade em exibir sua contribuição à educação municipal nas redes sociais.

Com inegável talento de comunicador, o prefeito, porém, se esquiva ao falar do crescente número de acidentes nas marginais. Conforme prometido aos eleitores durante sua campanha, a primeira medida de Doria foi acelerar as vias expressas da cidade. Nos primeiros 30 dias, segundo a Companhia de Engenharia de Tráfego (CET), 102 acidentes de trânsito com vítimas foram registrados nas marginais Pinheiros e Tietê, contra os 64 acidentes mensais registrados no ano passado. No dia 20 de janeiro, uma decisão liminar proferida pela Justiça de São Paulo chegou a proibir a implementação do aumento da velocidade nas vias, mas a liminar foi derrubada quatro dias depois, após a prefeitura recorrer.

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Com a primeira promessa do aumento da velocidade nas marginais cumprida, junto também a forte divulgação do programa de zeladoria Cidade Linda, Doria foi aprofundando a simpatia do eleitorado paulistano, positivamente convencido do perfil de gestor e trabalhador construído minuciosamente pela equipe de comunicação do prefeito. Com a promessa de efetuar mutirões de limpeza nas ruas e travando uma já conhecida guerra aos pixadores da cidade, fazendo até com que a Secretaria de Segurança Pública (SSP) destacasse um uma parcela do Departamento Estadual de Investigações Criminais (Deic) para investigar a ação de pixadores (tática bem parecida com a guerra ao pixo em Belo Horizonte), Dória foi investindo em aparições públicas junto a garis, jardineiros e outros trabalhadores para sinalizar a conclusão de tarefas realizadas logo no início do seu mandato. No entanto, alguns dados levantados pela imprensa sinalizaram o contrário do que prometeu o programa Cidade Linda: a gestão recuou na varrição de rua e recolhe menos lixo nas ruas em comparação à gestão Haddad. A equipe do prefeito, em sua defesa, ligou a diminuição da recolha de lixo à conscientização da população após a divulgação de um programa incentivando os cidadãos a não descartarem lixo das ruas.

Nesses três primeiros meses da gestão Doria, e com intensa divulgação do programa Cidade Linda, muita gente parabenizou o novo prefeito por mudanças tão rápidas — em geral feitas na região do centro expandido da capital. Em uma reportagem, o jornal Folha de S. Paulo denunciou que de 30 queixas de zeladoria no município, apenas sete foram atendidas dentro do prazo estipulado. A equipe do prefeito culpou a gestão anterior por deixar uma herança de 589.026 solicitações não atendidas, além de um rombo orçamentário de R$ 7,5 bilhões. A acusação foi rebatida em nota por Haddad, afirmando ter deixado R$ 5,5 bilhões em caixa para Dória.

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A atenção e os esforços da gestão não se concentram apenas nas aparições públicas do atual prefeito e ao combate à pixação. Desde o final do segundo semestre de 2016, Dória prometeu acabar com o programa Braços Abertos de Haddad, oferecendo em troca o programa Redenção, que prevê a internação compulsória de viciados em crack. Também disse em entrevistas que seu plano é acabar com a Cracolândia. Por ora, todo o ecossistema delicado da região permanece intacto, mas desde o começo do ano os moradores do fluxo enfrentaram duras ações policiais. Historicamente, a Cracolândia mudou diversas vezes de endereço e Dória não ofereceu soluções inovadoras para modificar essa zona de tensão.

Por enquanto, talvez até por uma fixação maior da imprensa paulistana, os esforços de Doria parecem voltados ao Plano Municipal de Desestatização, que ganhou contornos melhor definidos a partir um vídeo levado pelo prefeito à Dubai oferecendo um dos "maiores programas de privatização da história de São Paulo" a fim de atrair investidores para injetar capital na metrópole. No vídeo de pouco mais que quatro minutos foram ofertados ativos que vão do Parque do Ibirapuera ao Autódromo de Interlagos, passando pela concessão do serviço funerário e até a polêmica venda de dados dos usuários do Bilhete Único. Quase na mesma semana, o transporte público, que é uma das iniciativas que mais parece atrair os olhares de investidores por conta do número de usuários, sofreu um corte de R$ 30 milhões para pagar "serviços de consultoria" para o projeto de desestatização planejado pela gestão tucana. A ânsia de acelerar a privatização da cidade acabou gerando críticas de especialistas pela falta de transparência e prestação de contas à população.

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A tática de surfar na onda antipetista, reforçada pela operação Lava-Jato, serviu como uma luva para Dória se fortalecer sobre o ex-prefeito Haddad (criticado justamente por ter governado mais para o centro expandido do que para o restante de São Paulo) e ir chutando ou deformando gradativamente algumas características emblemáticas da gestão anterior, como as ciclofaixas, os eventos de rua e congelando drasticamente 43,5% das verbas de cultura no município, mesmo com o orçamento da pasta representando cerca de 0,9% do total dos gastos da Prefeitura.

Leia também: "O que há por trás do programa de privatização em SP?"

Os esforços intensos de Doria em manter a imagem de gestor conquistada entre os eleitores paulistanos já causaram algumas entortadas de nariz quando o novo prefeito, ao lado de alguns secretários, gravou um vídeo divulgando produtos da Ultrafarma, empresa que doou medicamentos que estavam em falta na saúde municipal a pedido do prefeito e pagou pela divulgação do logo do programa Cidade Linda nas placas eletrônicas de publicidade do Estádio Centenário, no Uruguai, durante o jogo Uruguai x Brasil no dia 23 de março.

Ainda assim, considerando o ecossistema complexo da rede mundial de computadores, é de se perguntar até que ponto a política caça clique de João Doria está de fato impactando e efetuando mudanças em São Paulo conforme prometido. Há de se desconfiar muitas vezes do engajamento nas redes sociais, já que contas-robôs podem efetivamente ajudar a fortalecer o coro a favor de alguém. Como em 2016, durante a disputa da prefeitura de SP, quando foram descobertas inúmeras contas robôs que replicavam mensagem favoráveis ao candidato do PSDB. Doria negou prontamente o uso dessa manobra.

Se no começo de 2016 a candidatura de Doria representava um racha no PSDB entre José Serra e Geraldo Alckmin, eternizada na foto do homem de calça arriada em meio de uma briga nas prévias do PDSB no Tatuapé, hoje impressiona a efetividade da campanha de Doria ao jogar para os internautas o julgamento se ele está, ou não, realizando um bom trabalho. Não à toa, especula-se uma virtual disputa de Doria ao cargo presidencial em 2018. Porém, até que ponto usar o Facebook como palanque conseguirá se sustentar e convencer o eleitorado brasileiro?

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