FYI.

This story is over 5 years old.

Outros

Vida LGBTT nos Bastidores do Carnaval de São Paulo

"Temos que acabar com essa história de que 'viado é bom na família dos outros'."
Foto: Felipe Larozza/VICE

Enquanto a bateria da Unidos de Vila Maria arregaça na quadra, o clima dentro do ateliê num domingo à noite, a uma semana do desfile oficial, é de tranquilidade. Lá, com um cigarro entre os dedos e um boné de aba reta com os dizeres "Favela", o carnavalesco Lucas Pinto larga as fantasias que estão sendo finalizadas para receber a equipe da VICE.

"A escola de samba é o espaço dos degradados da história. Sempre foi. No início, o carnaval era constituído de putas, marginais", pontua, assim que ligo o gravador. "E, na verdade, foram essas putas e esses marginais que fizeram essa festa se transformar internacionalmente."

Publicidade

Casado no cartório com um professor, o carnavalesco conta que foi o primeiro integrante homossexual da escola a oficializar a união, assim que a lei foi aprovada em 2014. "Temos de acabar com essa história de que 'Viado é bom na família dos outros'. É bom em qualquer família", frisa.

De calça jeans skinny, camisa estampada e um corte de cabelo digno dos salões mais hipsters da cidade, Marcelo Muller se apresenta: é o diretor da Vila Maria. Antes do encontro, nosso contato por telefone o deixou animado: "Acho importante falarmos sobre a questão LGBTT no Carnaval".

O machismo também entra em pauta. Para ele, que é gay, "o mundo do samba é muito masculino". Uma amostra disso é a composição da diretoria da escola. "Entre 60 e poucas pessoas, só temos três mulheres. Mas é uma luta que vamos construindo aos poucos", relata. Como diretor da Vila Maria, tenta fazer o seu papel. Lá, travestis e transgêneros usam o banheiro de acordo com sua identidade de gênero.

Marcelo nos leva para um tour pela escola, que é enorme. Ao me presentear com um top cropped da Vila Maria, pergunta: "Serve, bebê?".

Recentemente coroada como a "1ª Princesa LGBT" no concurso Carna Gay, a travesti Andrea Maria Bionda conta sua história: ela ama carnaval desde pequena, já que a avó era tesoureira da ala das baianas de uma antiga escola. Ainda criança, se fantasiava de "malandrinho". Hoje, contabiliza quase 15 anos na escola.

Publicidade

"A Vila Maria abriu portas pra mim e pro povo LGBTT porque nós, gays, fazemos parte do Carnaval. Mas fazemos parte internamente. Quando estamos na frente, existe preconceito", desabafa.

Estudante de Pedagogia da Unifesp, homossexual e componente da Vila Maria, Gabriel de Oliveira enxerga fatores políticos na convivência entre gays e héteros da escola. "Aqui, nós não temos militantes de esquerda, de partido. Aqui, a militância é uma coisa prática. Não é teórica, não é acadêmica. Aqui, você vive a militância sem saber que é militante. Você é mulher e está na frente de uma bateria, na frente de 50 homens, e tem de se impor ali, sambando. Você é travesti, mas representa o pavilhão da sua escola", relata.

Neste ano, a Universidade de Guarulhos (UnG) ofereceu dez bolsas de estudo para o pessoal da escola. Andrea está feliz da vida, porque irá se candidatar a uma das vagas. "Vou prestar Psicologia", suspira.