Os cientistas que buscam decifrar o gene do suicídio
Ilustração: Cassio Tisseo

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Os cientistas que buscam decifrar o gene do suicídio

Casos de suicidas na mesma família abriram as portas para uma longa investigação: a tendência a tirar a própria vida está ou não no DNA?

Uma carreira política, um bilhete de despedida, um tiro de revólver. Há três gerações, a história se repete na família Vargas. Tudo começou em 24 de agosto de 1954, quando o então presidente da República, Getúlio Dornelles Vargas, de 72 anos, saiu da vida para entrar na História com tiro no peito. Em 15 de janeiro de 1997, um dos cinco filhos dele, Manuel Antônio Sarmanho Vargas, de 79 anos, repetiu o gesto do pai. Deu fim à própria vida com um disparo no coração. No último 17 de julho, foi a vez de Getúlio Dornelles Vargas Neto, de 61 anos: a polícia descobriu um ferimento de arma de fogo na cabeça e, ao lado do corpo, uma carta de despedida endereçada à família.

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Casos assim não são raros. O mais famoso deles talvez seja o de Ernest Hemingway, que se matou com um tiro de espingarda, em 2 de julho de 1961. Cinco membros do clã do escritor – incluindo seu pai, um irmão e uma irmã – tiraram a própria vida. Diante disso, uma pergunta é inevitável: qual a parcela de culpa da genética em casos de suicídio em família? Será que existe, de fato, um gene do comportamento suicida? "O comportamento suicida, bem como o comportamento humano de forma geral, tem inegável determinismo genético", afirma a bióloga Sandra Leistner-Segal, do Laboratório de Genética Molecular do Hospital de Clínicas de Porto Alegre. "No entanto, as formas de transmissão são complexas e ainda pouquíssimo compreendidas."

Pelo mundo afora, pesquisadores das mais conceituadas universidades tentam descobrir se, afinal, a tendência a se matar está no DNA. O protocolo das pesquisas, na maioria dos casos, obedece ao mesmo ritual: recrutam-se voluntários com diagnóstico de depressão ou transtorno bipolar. Desses, investiga-se quantos já tentaram o suicídio. Em seguida, compara-se o DNA desses suicidas em potencial com o de indivíduos saudáveis. As descobertas são variadas: Zachary Kaminsky, da Universidade Johns Hopkins, nos EUA, concluiu que o comportamento suicida está ligado a uma variação no gene SKA2. Já Virginia Willour, da Universidade do Iowa, identificou o gene ACP1 como relacionado à tentativa de suicídio. J. John Mann, da Universidade de Columbia, por sua vez, está convencido de que a chave do enigma está numa mutação do gene GSR2. Qual deles está com a razão?

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"Um dia chegaremos perto de identificar os genes de transtornos mentais. Quando esse dia chegar, desenvolveremos drogas preventivas que reduzirão incidência de esquizofrenia, por exemplo."

"As pesquisas em genética permitiram identificar inúmeras variações na sequência de DNA que podem ter efeito na gênese do comportamento suicida. No entanto, esse efeito ainda é muito pequeno ou insuficiente", pondera o psiquiatra Jair Segal, que concluiu seu doutorado pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), com o tema Aspectos Genéticos do Comportamento Suicida. "Ao contrário do que se pensava inicialmente, um único gene ou conjunto de genes não pode ser responsabilizado pelo comportamento suicida. O fenômeno é multigênico", afirma Segal, que coordena a equipe de Saúde Mental do Hospital de Pronto Socorro (HPS) de Porto Alegre.

Ilustração: Cassio Tisseo

Mais que multigênico, o suicídio é fenômeno multifatorial. É o que faz questão de salientar a psiquiatra Alexandra Meleiro, doutora pelo Instituto de Psiquiatria da Universidade de São Paulo (USP) e coordenadora da Comissão de Estudo e Prevenção ao Suicídio da Associação Brasileira de Psiquiatria (ABP). Dos 32 suicídios registrados por dia no Brasil, segundo estimativas do Ministério da Saúde, quantos são provocados por fatores genéticos e quantos são motivados por razões ambientais? Impossível saber. "Há indivíduos que têm predisposição genética e continuam vivos, e há outros que não têm e se suicidam", diz Meleiro.

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No caso da família Vargas, o que mais chama a atenção de Alexandrina é o fato de os três – pai, avô e neto – terem tirado a vida depois dos 60. "Em geral, quando existe um componente genético, o suicídio se dá em uma idade mais jovem. Na terceira idade, costumamos dizer que os indivíduos não desenvolveram estratégias de enfrentamento dos problemas", explica a psiquiatra, referindo-se, entre outros motivos, ao acúmulo de perdas (de saúde, autonomia, produtividade, etc) e ao isolamento social. No Brasil, o número de casos de suicídios entre idosos, a propósito, subiu inacreditáveis 215,7% entre 1980 e 2012.

Dá para saber pela genética se alguém tem tendência a se matar?

Muitos dos que hoje se dedicam a investigar o DNA do suicídio sonham, no futuro, detectar, por meio de testes genéticos, se um determinado indivíduo tem propensão a se matar. Para o psiquiatra Neury José Botega, do Departamento de Psicologia Médica e Psiquiatria da Faculdade de Ciências Médicas da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), a hipótese acima está mais para Os Jetsons que outra coisa. Mesmo assim, ele não perde as esperanças. "Um dia, acredito eu, chegaremos perto de identificar os genes de inúmeros transtornos mentais. Quando esse dia chegar, desenvolveremos drogas preventivas, que conseguirão reduzir a incidência de esquizofrenia, transtorno bipolar etc. Esse dia ainda está longe de chegar, mas o cara que descobrir isso leva o Nobel de Medicina", diz.

Enquanto esse dia não chega, Botega aconselha cuidar melhor de nossas crianças. "Estimulando a empatia, desenvolvendo a resiliência, respeitando as minorias", diz o psiquiatra. Alexandrina Meleiro concorda. Algumas medidas de prevenção do suicídio são: aumentar o esclarecimento da população sobre os transtornos mentais – 90% dos suicidas são portadores de distúrbios, muitas vezes não diagnosticados –, propor iniciativas eficazes como o Centro de Valorização da Vida (CVV) que oferece esperança e restringir o acesso a meios letais, como gás encanado, pesticidas tóxicos e armas de fogo. "Não precisamos esperar a ciência descobrir o gene do suicídio para começar a pensar em prevenção. No Brasil, o oitavo país do mundo em números absolutos de suicídio, a cada 45 minutos uma pessoa tira a própria vida. A prevenção começa hoje. Quanto mais cedo, melhor", alerta Alexandrina.

Esta matéria faz parte de uma série de reportagens de saúde mental para o mês de prevenção ao suicídio. Para ler mais, clique ao longo do mês em VICE Setembro Amarelo.

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