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Esse simpático senhor quase destruiu a indústria dos videogames nos anos 80

O criador de 'Pitfall' e co-fundador da Activision fala dos bastidores do infame 'crash' de 1983.
David Crane e sua maior criação, o 'Pitfall'. Foto: Bruno Izidro/VICE Brasil.

David Crane é aquele cara que todo mundo queria ter como avô. Um dos convidados internacionais da Brasil Game Show 2017, evento que rolou em outubro em São Paulo, esse senhor de 64 anos estava super de boa com sua camisa havaiana florida e era a simpatia em pessoa na feira.

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De fala mansa e jeito calmo, ele trocava uma ideia comigo nos bastidores do terceiro dia de BGS sobre o game que definiu sua carreira: o clássico Pitfall, do Atari. Vovô Crane é importante para a história dos games, afinal ele também foi um dos fundadores da Activision, dona daquele tal Call of Duty.

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Papo vai, papo vem, eis que ele soltou uma frase no meio da entrevista: "Isso pode te surpreender, mas eu ajudei o crash dos videogames acontecer".

Esse garotão quase acabou com tudo o que você ama. Imagem: Activision/Divulgação.

O "Crash de 1983" é um dos momentos mais infames da história dos videogames – uma crise tão tensa no mercado de jogos dos EUA que fez com que ele quase deixasse de existir por completo.

A crise foi provocada por diversas razões e uma delas foi influenciada, de certa forma, quando o ainda garotão David Crane e outros três funcionários da Atari (Larry Kaplan, Alan Miller e Bob Whitehead) saíram da empresa e formaram a Activision, em 1979.

Na época, somente as próprias fabricantes dos consoles faziam os jogos para as suas plataformas, mas a Activision mostrou que dava era possível produzir e distribuir games de forma independente das fabricantes.

Propaganda original de 'Pitfall', para o Atari 2600.

Jogos como Grand Prix, River Raid e o Pitfall de David Crane foram provas de que a inciativa tinha dado certo. Começava ali um padrão que existe até hoje, de empresas third party produzindo games para várias plataformas. Só que naquela época as coisas repercutiram de uma forma exagerada demais.

Seguindo o sucesso da Activision, empresas de jogos começaram a brotar de todos os lados, copiando o modelo a exaustão, o que criou um efeito borboleta que, no fim, zuou todo o rolê. Crane fala que, no espaço de seis meses, ele viu surgir umas 30 novas companhias que imitavam a Activision.

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Todas essas empresas entupiram o mercado com mais jogos que a demanda podia consumir e, pior, os jogos eram bem meia boca. "Começaram a contratar qualquer um para fazer jogos", lembrou o programador. "Eles tinham algum dinheiro e ideias para games, mas não pessoas que realmente sabiam fazê-los, por isso todas essas companhias novas criavam jogos ruins."

Pra completar, os jogos ruins eram vendidos por uma mixaria. Um jogo da Activision para Atari 2600, por exemplo, custava US$ 40, já os podrões eram vendidos por 1 dólar e, claro, vendiam mais. "Quando as pessoas perceberam que a maioria dos jogos eram ruins, elas pararam de gostar de videogame", recordou vovô Crane.

Chegou em um ponto em que a própria Atari começou a produzir tranqueiras, como a porca adaptação de Pac-Man para Atari 2600 e, claro, o famigerado jogo do E.T – o Extraterrestre. O próprio fundador da Atari, Nolan Bushnell, que na época tinha até se demitido da empresa, disse que ver o crash foi como assistir à Atari cometendo suicídio.

Bushnell contou que a empresa, então comandada pela Warner Bros, não se ligou que o Atari 2600, um videogame já bem defasado que estava no mercado desde os anos 70, precisava de um sucessor para receber jogos de melhor qualidade.

"Na época em que saí da Atari [em 1978] eu queria começar a trabalhar em um novo console e a Warner não queria fazer", disse Bushnell, outro convidado internacional na BGS 2017, em conversa com a VICE Brasil.

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"O problema real é que eles ainda achavam que o mercado absorveria um monte de unidades do 2600, mas já estava tudo saturado e ninguém mais comprava o videogame. Todo mundo perdeu dinheiro", completou o fundador da Atari, hoje um senhor de 74 anos e que aparenta guardar ainda um pouco de mágoa pelas tretas daqueles anos.

Nolan Bushnell, fundador da Atari, hoje com 74 anos. Foto: Divulgação.

Tanto jogo ruim e tanto videogame parado nos estoques das lojas ajudou a criar uma bolha. Quando essa bolha estourou, em 1983, deu ruim pra todo mundo. "Por isso que, indiretamente, a existência da Activision ajudou o crash a acontecer, porque incentivou outras companhias a fazer o mesmo, só que elas falharam e, quando elas saíram do mercado, a indústria de consoles foi junto", falou Crane.

Por sorte, a Activision se voltou para um mercado que começava a crescer e ganhar popularidade: os computadores pessoais. Eles passaram a fazer jogos para o Commodore 64, MSX e ZX Spectrum. A estratégia se esticou até 1985, quando uma tal companhia japonesa chamada Nintendo lançou seu videogame nos EUA e ressuscitou o mercado que todos achavam que tinha morrido de vez.

'International Karate' foi um dos jogos da Atari feito para o Commodore 64. Imagem: Atari/Divulgação.

Apesar do tom alarmista dos desenvolvedores da época, o Crash de 83 afetou basicamente só os EUA e somente os consoles. A crise pouco foi sentida na Europa ou mesmo aqui no Brasil, mas pelo mercado americano já ser um dos principais de games deste então, foi bastante lembrado e deixou suas marcas. "Todas as companhias pararam de ir a feiras e a gastar tanto, houve muitas demissões… foi uma época bem ruim", lembrou Crane.

Como o próprio David Crane se diz um pouco responsável, mesmo que sem querer, pelo crash, terminei a conversa perguntando se ele não se culpa ou sente remorso pelo que aconteceu. "Não, nem um pouco", falou bem calmamente, com sua voz tranquila.

"A gente mostrou como ser um sucesso, o problema foi que muitas outras pessoas tentaram copiar o que fizemos". O sorriso simpático no rosto dele mostrava que ele não se importaria em voltar no tempo só para fazer tudo outra vez.

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