'Roguemance' transforma relações amorosas em videogame
Imagens: Lucas Molina/Reprodução.

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'Roguemance' transforma relações amorosas em videogame

Como o jogo feito por um ex-professor de história traduz dates, crushes e ciúmes em linguagem de game.

Vocês já repararam que relacionamentos amorosos em videogames são muito usados nas narrativas, mas quase nunca como elemento de jogabilidade?

Seja ao flertar com sua cara metade alienígena em Mass Effect ou enfrentando os dilemas do protagonista de Catherine, jogos não conseguem aproveitar um romance pra muito mais do que uma ferramenta de história.

Ouça essa matéria completa aqui:

Até os games de simulação de namoro, os chamados date sims, são baseados somente em narrativa e desperdiçam toda a interatividade dos videogames ao retratar o amor.

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Por isso que é interessante olhar pra Roguemance e perceber como ele traduz aspectos de uma relação amorosa em mecânicas de videogame.

Roguemance é um jogo do gênero roguelike, que se caracteriza pela repetição de gameplay e elementos e fases geradas aleatoriamente. O game foi criado pelo ex-professor de história Lucas Molina e lançado pra PC, na plataforma Steam, no dia 14 de fevereiro de 2018, quando foi comemorado o Dia dos Namorados lá na gringa.

Molina fez a arte, programação, game design e parte das músicas de Roguemance. Eu fui trocar uma ideia com ele pra saber como surgiu esse jogo que retrata o amor de uma forma diferente:

“Eu acho engraçado como tem pouco jogo que fala sobre amor e relacionamentos. Se a gente olhar pra outras mídias, como cinema, música e literatura o foco principal é amor e relacionamentos. Nos jogos o centro das histórias é matar gente. Eu acho estranho isso”, falou o desenvolvedor.

Roguemance tenta levar os jogos um pouco mais pra esse lado dos relacionamentos e dessa maneira diferente, não trazendo como história, ele não tem uma narrativa pronta, mas são mecânicas e o jogador interagindo com elas é que vai desenvolvendo os relacionamentos”

Em Roguemance, o jogador (ou jogadora) está em uma ilha chamada Heartipélago, um trocadilho da palavra coração, em inglês, com arquipélago. A ilha, que tem a forma de um coração, é separada em duas por causa de um vulcão.

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O objetivo no jogo é juntar as duas metades novamente enfrentando inimigos e chefes que se referem a problemas de relacionamento.

Um exemplo disso é o primeiro chefe do game — um urso segurando um coração rasgado. Ele é inspirado naqueles ursos de pelúcia de presente de namoro, e representa o término de uma relação.

Só que Roguemance começa a ficar interessante mesmo com a possibilidade de encontrar interesses amorosos pelo caminho, que são controlados pela inteligência artificial do jogo.

Esse crush vai te ajudar (ou atrapalhar) contra os monstros nas lutas. Quer dizer, lutas não, dates, já que é assim que são chamados os combates no jogo.

A grande sacada de Roguemance é como a interação com esses companheiros acabam sendo metáforas pros relacionamentos da vida real. Cada namorado ou namorada no jogo possui um humor que é representado por uma expressão que fica abaixo do personagem, ela vai desde raiva até completamente apaixonado.

Os humores mudam dependendo de escolhas jogador, como seguir ou ignorar o caminho que o crush vai no mapa ou se decide matar ou poupar os monstros após os dates.

Não agradar sua alma gêmea em forma de pixel faz ela ficar triste até ter o coração partido e te deixar solteiro. Já se você agradar muito o boy e fazer todas as suas vontades, ele fica tão apaixonado que ganha um ponto a mais de vida.

Caso o amor continue, é possível até mesmo controlar o parceiro nos dates, o que facilita pra caramba o combate.

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No papo que tive com Lucas Molina, ele disse que essas escolhas morais refletidas como mecânicas amorosas funcionam como camadas de conflito que o jogador preciso avaliar o risco e recompensa de cada decisão:

“No Roguemance eu coloquei essas duas camadas de decisão sobrepostas. Uma camada é o que o jogador quer fazer, que pode ser lutar contra um inimigo, se curar ou conhecer alguém, mas tem outra camada por cima é o que os parceiros querem.”

“Então, de repente, o parceiro quer lutar contra os inimigos, mas o jogador está com pouca vida e vai ter que escolher entre agradar o parceiro e lutar ou se curar, mas deixar o parceiro triste.”

Outra característica bem interessante na jogabilidade de Roguemance é a possibilidade de ter mais de um namorado ao mesmo tempo na aventura, uma clara referência a relacionamentos poligâmicos.

Só que adicionar um novo companheiro muda a dinâmica do jogo. Daí, surge o que Molina chama de mecânica do ciúme.

“Quando você vai pro combate com um personagem os outros parceiros ficam chateados porque só pode convidar um pra te acompanhar, como se fosse um encontro mesmo”.

A forma como Roguemance traduz sentimentos e relacionamentos em mecânicas pra um videogame é algo diferente e que funciona. Só que não é imune a falhas.

Ao tentar se distanciar de elementos narrativos e ser só mecânica, Roguemance ignora aspectos que deixariam os personagens mais próximos de quem joga.

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Na experiência que tive com o jogo, a sensação foi de que aqueles meus companheiros eram meras ferramentas que usava pra alcançar o objetivo, quase que até representando relacionamentos abusivos.

Eu não me importava com meu namorado ou namorada virtual porque eles não tinham personalidades ou traços únicos que fizesse eu me importar ou gostar deles.

Outros jogadores podem ver de outro jeito e ter outras interpretações, claro, como o próprio Molina argumentou quando troquei essa ideia com ele.

“Muitos jogadores podem criar vínculos com os personagens porque lembram que eles estavam juntos naquela batalha que estavam pra morrer, mas ele salvou no final. Então, isso é uma narrativa emergente que pode criar uma memória afetiva praquele jogador e que foi gerado pelas mecânicas do jogo mesmo. Isso pode surgir pra uns, mas não pra outros”.

Ao criar Roguemance, Lucas Molina queria falar de relacionamentos tirando melhor proveito da linguagem própria dos videogames. Nesse quesito, ele se diz bem satisfeito com o jogo que criou.

Pena que não foi o suficiente pra chamar a atenção de mais jogadores. Mesmo com avaliações positivas no Steam, Molina revelou que Roguemance não foi bem em vendas. Até por isso, o jogo deve continuar disponível somente pra PC.

Pois é, tem vezes que nem mesmo o amor salva.

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