Sampha ganhou o Mercury Prize e isso é só o começo

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Sampha ganhou o Mercury Prize e isso é só o começo

O artista britânico atingiu um novo patamar na carreira mostrando que garotos negros não precisam ser durões o tempo inteiro.

Artigo originalmente publicado no Noisey UK.

Em cerca de uma hora após Sampha ter recebido seu Mercury Prize em Londres na noite da última quinta (14), um comentário surgia a todo momento, no WhatsApp ou dito em voz alta ao longo da noite: "Eu devia ter apostado uma grana nele, hein?". Devia mesmo. Desde que o nome de Sampha apareceu nos indicados do Mercury há alguns meses, quem manja de probabilidades (eu não) começou os corres pra tirar uma grana. Desde o ínicio, a casa de apostas Ladbrokes tinha Sampha e Stormzy empatados com 6/1 — isso duas semanas antes de sabermos da bendita lista no dia 27 de julho. Cerca de dois dias antes da cerimônia de quinta, a poeta Kate Tempest tinha avançado um tanto, com 5/2 e Sampha com 7/2 (Stormzy, por sua vez, seguia estável com seu 6/1). Chegado o dia, Sampha liderava o grupo.

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De certa forma, a vitória de Sampha parecia ter sido pré-determinada — ainda que profundamente satisfatória. Provavelmente como todas aquelas mulheres americanas brancas gostariam de se sentir caso Hillary tivesse ganho nas eleições. Quando Sampha chegou no pódio coberto de confetes no Hammersmith Apollo, em Londres, a sensação era de que anos conhecendo sua obra, lendo seu nome, ouvindo de novo e de novo aquela voz embargada, profunda como um abismo, finalmente havia levado a algo. A abordagem de Sampha em relação à tristeza e vulnerabilidade, bem como seu talento como produtor e cantor-compositor, provam o quão impactante foi esta vitória. E isso tudo é quase bobo, já que premiações e prêmios não compõem um artista, a maioria das premiações nem mesmo valida a obra deles — ainda mais quando você começa a sacar como os jurados votam, o que torna tal lançamento um candidato ou não, ou mesmo os custos de indicar a si mesmo e como todo esse processo impede que nomes menos conhecidos fiquem de fora de prêmios como o Mercury.

Mas diferente, digamos, do BRIT Awards, onde o espírito mercantilista comanda tudo, o Mercury ainda respeita a arte da composição. Eles não premiam o que mais tocou por aí e que de repente caiu no gosto dos juízes que não necessariamente estão enfiados nesse contexto de novos sons ou curiosos em ouví-los e apoiá-los. Observe uma lista dos ganhadores de outros anos e é difícil encontrar alguém que esteja ali por acaso (por mais que alguns argumentem que a estreia de Speech Debelle tenha saído pela culatra). Nos últimos anos em especial, Skepta, PJ Harvey e Benjamin Clementine todos se utilizaram de um momento em especial do zeitgeist, mostrando uma pegada incomparável em termos de composição ou criando discos que fazem você querer voltar a ouvi-los, descobrindo novos pontos de destaque com audições repetidas.

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Para Sampha, este é seu momento de estourar como artista solo por mérito próprio. Process fez isso no começo do ano e o belíssimo longa de Kahlil Joseph de mesmo nome documentou de forma ainda mais detalhada as histórias por trás do álbum. Mas estes lançamentos podem ter passado batido para quem não assina a Apple Music — e por consequência não assistiram ao filme de Joseph — ou que não ouviram os singles de Sampha na rádio e compraram o disco após seu pico de vendas na primeira semana de lançamento (o que certamente mudará agora). Cabe notar que Sampha integrou também a Brit List de seis artistas da BBC Radio 1 — uma iniciativa que busca apresentar novos talentos lançada pela rádio no final de 2016. Críticos desta argumentaram que muitos dos nomes presentes já eram conhecidos por muita gente — Stormzy, Declan McKenna, Anne-Marie, JP Cooper and The Amazons foram citados junto Sampha — mas a inclusão do artista pode muito bem ter contribuído para que seu disco chegasse ao 7º lugar das paradas do Reino Unido em sua primeira semana.

Avancemos sete meses no tempo e agora ele acaba de ganhar mais uma honra que cimenta sua força como artista solo. Durante anos, Sampha esteve naquele limbo de "dama de honra" (uma linda e inspiradora dama de honra, seja dita a verdade), sempre participando das faixas de outros artistas ou nos bastidores, como produtor de seus colegas. O cara está aí há anos, mas este foi seu disco de estreia. Logo após receber a estatueta das mãos de Idris Elba, ele disse: "Parece que estou sonhando — isso é incrível", e dá pra perceber que cada palavra foi de coração. Há um debate mais amplo sobre quem estas premiações beneficiam de fato — as gravadoras, os organizadores da premiação, o artista quando pego no momento certo de sua carreira — mas não dá pra negar o quão especial essa conquista parece.

E essa sensação deriva da voz que a música de Sampha dá ao sofrimento e ao amor de uma forma que mostra que garotos, garotos negros em especial, podem ter reações emocionais em riquíssimas camadas. Eles não precisam ser durões o tempo todo, não é preciso seguir um estereótipo. Process mostra que esses garotos podem ser sinceros com o que sentem e como é perder quem amam; que eles podem ter problemas com sua própria identidade; que eles podem ser eles mesmos e se deixarem levar pela maré do amor romântico. É de partir o coração imaginar como Sampha se sentiu gravando esse disco, pouco após de sua mãe ter perdido a batalha contra um câncer terminal, mas a obra produzida a partir deste momento tão difícil acabará ajudando muitos outros. Os jurados do Mercury Prize reconheceram isso de tal forma que certamente levará o disco de Sampha rumo a novos ouvintes, que ainda não perceberam que precisavam dele. E por mais que muita gente tenha previsto essa vitória, de forma alguma isso tira seu brilho.

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