A evolução de MF DOOM
Foto via RESPECT

FYI.

This story is over 5 years old.

Noisey

A evolução de MF DOOM

Contamos a história de um dos mais geniais artistas do hip-hop da atualidade.

O MF DOOM é uma figura singular no hip-hop. Produtivo e ilusório, o londrino radicado em Nova York Daniel Dumile já era um artista antes do SBTRKT pensar em bater suas asinhas e do Daft Punk considerar usar capacetes de robôs. Por atrás da privacidade garantida pela sua simbólica máscara de metal, ele meticulosamente criou um mundo único, atraindo um culto de fãs que nenhum outro rapper conseguiu. É um mundo infestado de ficção científica e referências tiradas de histórias em quadrinhos, construído através de múltiplas personalidades com uma estética inseparável e, claro, com corpos musicais meticulosamente construídos.

Publicidade

Agora prestes a lançar um material novo, vamos olhar os destaques de cada capítulo da carreira do DOOM.

KMD E ZEV LOVE X

Enquanto crescia em Long Island, Dumile dividia seu tempo entre música, quadrinhos e vídeo games. A música foi gradativamente tomando espaço graças ao seu irmão DJ Subroco. Assim, o rap e a produção musical tornaram-se mais do que um hobby. Em 1988 os irmãos montaram o grupo Kausing Much Damage, mais conhecido como KMD.

O álbum de estreia do KMD Mr.Hood foi lançado em 1991, após o caça-talentos Dante Ross descobrir o grupo ouvindo a participação deles em “The Gas Face”, dos nova-iorquinos do 3rd Bass. Na época, o KMD se identificava como membro da comunidade Jund Ansar Allah (uma organização armada islamista), portanto o LP era bastante focado na questão negra americana, falando sobre religião e racismo mas compensando o ar pesado com samplers tirados do programa infantil Vila Sésamo. Apesar disso, foram faixas mais leves como “Peachfuzz” que garantiram algum sucesso para o grupo.

Entretanto, com o lançamento de Black Bastards em 1993 o grupo mudou radicalmente o tom de suas músicas, indo bem longe do bom humor presente no álbum de estreia. O disco, aliás, foi rapidamente engavetado pela gravadora Elektra Records, que achou o título e a capa muito controversos. O grupo foi demitido da gravadora logo em seguida. O Black Bastards, que foi exaustivamente pirateado e deu ao KMD um status cult, teve um lançamento oficial em 2000, mas, à época, Dumile e seu alter ego Zev Love X sumiram completamente do radar musical.

Publicidade

A PRIMEIRA APARIÇÃO DO METAL FACE E O LANÇAMENTO DO OPERATION DOOMSDAY
Foto via GrandGood

Dumile reapareceu no final de 1997 em noites de open mic em Nova York (em lugares como o Nuyorican Poets Café) utilizando diversos disfarces. Porém, foi em 1999 e graças a sua icônica máscara de metal que ele se tornou um símbolo, com o lançamento do seu primeiro álbum completo Operation: Doomsday, sob o codinome MF DOOM, pela gravadora independente Fondle ‘Em Records. O afrocentrismo melódico e otimista do Zev Love X ficou para trás. A inspiração agora vem do vilão Dr. Doom, tirado das páginas do HQ “Quarteto Fantástico” da Marvel, e de uma incessante busca pelo anonimato, que dizem ter sido desencadeada por um desgosto com a indústria musical adquirida após o KMD.

DOOM explicou o surgimento do seu alter-ego para a Wire :

O personagem MF DOOM é uma combinação de todos os vilões através dos tempos. O vilão clássico que usa uma máscara no estilo do Fantasma da Ópera. Claro que tem uma pitada do Dr. Doom, assim como do Destro do G.I. Joe. É um ícone da cultura americana. Eu meio que fiz uma mistura de todos os vilões e como meu sobrenome é Dumile, todo mundo costumava me chamar de “doom”. É uma paródia de todos os vilões.

Blake Lethem, grafiteiro e amigo próximo do rapper, detalhou que tudo isso começou como uma maneira de Dumile lançar sua música para o mundo sem aparecer nos holofotes, mesmo que fosse apenas usando uma bandana para esconder o rosto. No vídeo abaixo, Lethem conta para a Frank 151 como ele ajudou a criação do MF DOOM, começando por máscara velha pintada com a cara do Darth Maul e acabando na máscara metálica que fez Dumile se tornar o Metal Face Doom.

Publicidade

VIKTOR VAUGHN, KING GEEDORAH E OS CZARES DA MONSTA ISLAND

Atingindo um status relativamente cult com o Operation:Doomsday, DOOM manteve seus fãs ao trabalhar com diversos outros pseudônimos. Em 2003 ele colaborou com vários produtores, incluído o RJD2 para lançar Vaudeville Villain, assinado pelo personagem Viktor Vaughn. O mesmo ano também foi marcado pela aparição do King Geedorah, um alter ego que ele usou para produzir o LP Escape From Monsta Island! do grupo Monsta Island Czars, assim como o LP do mesmo grupo denominado Take Me to Your Leader. De acordo com DOOM, o último foi um álbum conceitual:

Geedorah é um monstro espacial. Ele não é da terra. Eu fiz diferente de propósito. Foi uma mistura de letras e instrumentais da hora. Para mim é muito mais legal do que qualquer outra porcaria de agora…O álbum todo é a perspectiva que o alien Geedorah tem sobre os humanos.

MADVILLAINY E O ENCONTRO DE MENTES

O encontro do produtor Madlib com DOOM para a criação do Madvillainy resultou em um dos álbuns mais bem sucedidos da história do hip-hop. Lançado pela Stones Throw Records em 2004, o álbum foi aguardado ansiosamente pelos fãs e acabou atraindo um público muito mais amplo do rap, sendo também muito elogiado por publicações mainstream de música.

Jeff Tank, o diretor de arte da Stones Throw e responsável pela curadoria visual de artistas como J Dilla e Dudley Perkins, explicou em uma entrevista para a EgoTrip a importância que o Madvillainy teve para a consolidação da primeira aparição de verdade do DOOM. Jeff também contou que o lento processo de criação do álbum deve-se pela relutância de DOOM em usar a foto do Eric Coleman na capa, além da maconha, bebida e a necessidade dele e do Madlib de ficarem sozinhos. Ele também citou uma de suas inesperadas referências que inspiraram a capa icônica:

Publicidade

Outra coisa –que é meio que uma piada interna para mim- é que a foto em branco e preto do MF DOOM lembrou um pouco a capa do primeiro álbum da Madonna, onde também é só ela em branco e preto. Tem o “MADONNA” na lateral e a letra “O” é laranja. Eu vi as duas fotos lado a lado e ri demais. É como se fosse uma versão rap da “Bela e a Fera”. Então eu coloquei um pouco de laranja no canto da capa do Doom, parte porque eu queria algo distinto e porque também eu queria combinar com a cor da Madonna.

Com o lançamento, a esmagadora maioria dos críticos elogiaram o uso de faixas mais curtas que juntas contabilizavam 45 minutos, assim como o retorno mais melódico de DOOM e Madlib. Tempos depois, em uma entrevista para a HipHopDX, DOOM citou Madlib como uma das suas maiores inspirações, elogiando sua parceria com ele:

A coleção de discos do Madlib é absurda e esse cara tem uma ética de beats [beat ethics] maluca. Às vezes os produtores costumam ficar muito técnicos e falam coisas como “Aumenta um pouco mais a caixa, não, calma, agora diminui um pouco.” Mas esse cara? Ele chega e manda “Pega o disco. Deixa eu colocar as batidas. Isso é o loop. Deixa eu colocar a bateria agora.” Ele só faz essas coisas e o cara tem centenas de batidas assim.

MM…FOOD E O RETORNO DO METAL FACE

Desde o lançamento de Operation Doomsday, o personagem MF DOOM fez um triunfante retorno com o álbum MM…Food? em 2004, lançado pela Rhymesayers. A aventura culinária de MF DOOM não foi tão bem recebida pela crítica como o Madvillainy, porém os fãs elogiaram o álbum pela riqueza das letras e por ter um DOOM mais fanfarrão, além de saudarem o retorno dele no comando da produção, como nas ótimas faixas “Hoe Cakes” e “Rapp Snitch Knishes”.

Publicidade

Com o MM…Food?, DOOM voltou a trabalhar com o artista Jason Jägel. Junto com a Frank 151, DOOM ajudou na curadoria de dois vídeos de animação, celebrando o melhor dos seus meticulosos trabalhos visuais.

DANGERDOOM E O FLERTE COM O MAINSTREAM

Em 2005 DOOM armou a colaboração com o talentoso produtor Danger Mouse, sob o pseudônimo Dangerdoom resultando no LP The Mouse and the Mask, lançado pela Epitaph e licenciado para a gravadora inglesa Lex Records. O projeto foi um encontro de entendimento comercial e pedantismo nerd, junto com uma variedade absurda de artistas colaboradores. Entre os mais esquisitos, um com o Aqua Teen Hunger Force mandando um refrão sujo mas satisfatoriamente babaca para a música “Sofa King”, assim como nomes mais conhecidos como Cee-Lo garantindo um gancho para a “Benzie Box” e Talib Kweli embelezando a faixa “Old School”. Era, entretanto a esperada colaboração do DOOM e seu parceiro, o letrista Ghostface, conhecido pelas suas letras enigmáticas, na faixa “The Mask” que chamou mais a atenção.

JJ DOOM E ALÉM

Em 2009, seguindo a mudança de DOOM para o Reino Unido e o sucesso comercial de The Mouse and the Mask, o sêlo britanico Lex Records lançou Born Like This sob o nome encurtado de DOOM. Embora ele um álbum muito mais denso do que Madvillain e Dangerdoom, salpicado de referências a Charles Bukowski e temas de desilusão e anti-establishment, o álbum se tornou o seu primeiro CD solo a emplacar nas paradas, estreando no 52º lugar nos EUA. Embora ele seja uma de suas aventuras mais macabras, Born Like This estava cheio de primeiras vezes para DOOM; incluindo a primeira vez que ele tocou fora dos EUA, enroscos musicais com Thom Yorke e Gorillaz e um outro EP chamado Gazzillion Ear. Seu último pulo oficial foi o projeto colaborativo com companheiro do selo Lex, Jneiro Jarel, entitulado de JJ DOOM, que fez os fãs de DOOM se apaixonarem por ele novamente.

Os mais recentes capítulos da história do DOOM já podem ser vistos na faixa gloriosamente obscura “Owl” com o The Child of Lov e também na parceira com o produtor de New Jersey Clams Casino na música “Bookfiend”, que é um rework de música “Bookhead”. Inclusive, o vídeo clipe dirigido pelo legendário artista de rua Steve “ESPO” Powers já foi lançado aqui no Noisey e você conferir aqui junto com o making of.