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Música

Desvendamos o Delicioso Mundo do Turntablism com a DJ Lisa Bueno

Conversamos com a DJ paulistana que dá aulas para crianças, idosos e deficientes e também com o Anderson, aluno dela que é deficiente visual.

"Desencana que flui". Era isso que a DJ Lisa Bueno repetia para mim e para a galera que foi ao workshop que ela deu na última quinta (14) no Skol Beats Factory. Era uma noite gelada em São Paulo, quando a pauta caiu no meu colo e eu me liguei que pouco sabia sobre música eletrônica, scratches e que tais. Gaguejei nas três primeiras tentativas de falar turntablism, mas o ensinamento de Lisa voltava à minha cabeça: "Desencana que flui."

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Ok. Vamos aos fatos: a Lisa é instrutora e fundadora da E-DJs, escola pioneira no Brasil. Claramente uma profissa fora de série quando se trata dessa prática aparentemente bem difícil (e que mais parece um trava-línguas), o turntablism. Ela colou no Skol Beats Factory para bater um papo com a galera sobre o tal malabarismo nos toca discos. Resultado: eu, que manjo lhufas de música eletrônica, saí de lá querendo ser DJ também.

Viciada em música desde a adolescência, Lisa caiu para dentro da eletrônica aos 15 anos. Foi nessa época que a então garota preferiu ganhar um toca-discos ao tradicional baile de debutantes. Depois do presentinho, ela começou o curso na Playboy Music Hall, na Freguesia do Ó, bairro onde morava. Fissurada pelos novos equipamentos, Lisa passava o dia inteiro praticando, ainda que não conseguisse criar lá muita coisa. Quando estava quase desencanando de ser uma DJ de verdade, os primeiros scratches surgiram e foi daí que veio também o ensinamento que ela hoje passa adiante: "A música é muito mais sentir, do que ouvir. Desencana que flui", repetia Lisa.

É o que ela ensina para os seus alunos: desde as crianças da turma "DJ Kids", passando pelos senhores e senhoras da "Vovô não! Eu sou DJ", chegando nos portadores de deficiência física, visual e auditiva do "DJ Sem Barreiras".  À frente de todas essas empreitadas, a didática da DJ é clara, ainda que a parada seja complexa. Até os mínimos detalhes fazem toda a diferença na performance, como a altura da mesa, por exemplo. Mas Lisa trata a dificuldade como um diferencial. Segundo ela, essas dificuldades servem para o DJ sair da zona de conforto. Em uma época em que pipocam fake DJs - uns mostram os peitos, outros tocam de sunga e cada vez menos existem caras que mixam. Que mixam de verdade, sabe?

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Enquanto eu olhava atônita ela ensinar os scratches mais simples para a galera, Lisa me contou sobre algumas particularidades dos cursos. Como ensinar um deficiente visual a ser DJ? Como ele diferencia os sulcos de um LP? Como ele sabe escolher as faixas? Os aparelhos foram adaptados? Esssas foram apenas algumas das perguntas que fiz para ela. Se liga nas respostas:

THUMP: Na questão do Turntablism… Comentei com um amigo meu que viria aqui conversar contigo e ele me disse que não sabia que existia turntablist mulher. Como é pra você ser a única mina (pelo menos até onde eu sei) no Brasil a praticar isso?

Lisa Bueno: Sempre participei de campeonatos, só eu contra mais vinte homens, então a pressão sempre foi muito grande. A gente tem que ser melhor ainda. Eu acabei me dedicando bastante por conta de toda essa pressão e não é fácil. Fora a timidez, tem uma trava que me levou a fazer terapia. Só depois do tratamento eu consegui me apresentar sem ficar tão nervosa, isso porque já cheguei a quase desmaiar. Eu ficava muito nervosa MESMO em campeonatos. Agora para tocar em festas nunca tive problemas. De qualquer forma, depois do tratamento eu finalmente consegui participar de campeonatos de boa como se fosse uma festa normal mesmo.

Durante o seu workshop você comentou que a prática do turntablist é uma especialidade avançada voltada mais para o hip hop.

Mas dá para fazer com outros estilos também.

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E dá para conciliar isso na pista?

Dá para usar algumas coisas mas não o tempo todo porque a pista para. É uma coisa que chama atenção, por isso é mais para assistir. O legal mesmo é usar em um certo momento do set para chamar atenção do público, aí a galera bate palma, grita e você continua seu set. Não dá pra fazer o tempo todo se não enche o saco.

Como você chegou no turntablism?

Fazia uns sete anos que eu já era DJ, mas estava cansada da mesmice e estava começando a ficar chato. Pensei: "como pode ficar chata uma coisa de que gosto tanto?" Foi quando pensei que teria que mudar, fazer mixagens mais performáticas e comecei a treinar.

Sobre a didática, como você descobriu que tinha esse dom para ensinar essa parada tão complicada?

Eu acho que tudo o que a gente quer, a gente consegue. Por mais que a pessoa não tenha paciência, ela adquire. Só depende da pessoa mesmo. Tudo é costume, e é se dedicando no dia-a-dia que a gente consegue aos poucos ser o que não era. Todo mundo pode ter um dom. O dom é adquirido através da força de vontade. Eu não nasci boa pra isso, eu ralei muito. Ralei mesmo.

E de onde surgiu a ideia de ensinar deficientes?

Foi através do Anderson, que apareceu na escola dizendo que queria fazer performance. Só que ele já era DJ e mixava com CD. Aí eu falei para testarmos e vermos o que dava para fazer. De cara, eu nem sabia o que falar pra ele. Mostrei o disco com os adesivos que já usamos para visualizar onde estão os pontos, aí coloquei a mão dele nos adesivos e pensei que, de repente, assim como usamos para ver, ele podia sentir. Aí ele percebeu onde estavam as faixas, mas com a rapidez que mexemos nos discos continuava difícil para ele sentí-los. Foi quando ele trouxe os adesivos com braile e fomos testando. Na verdade, eu e ele fomos descobrindo formas de fazer ele aprender. Foram várias experiências e tentativas até ele conseguir.

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Para deficientes auditivos foi como?

Foi com o Léo. Eu fui tocar em uma festa que ele promove. É um evento só para surdos; achei incrível. Todo mundo curtindo. Um somo muito grave. A energia era super legal e ele toda hora ia olhar o que eu estava fazendo. Vi que ele tinha interesse e o chamei. Dsse: "Vamos tentar? Por que eu não sei o que fazer com você". Foi quando ele topou. Na festa, eles têm uma filosofia de sentir a música com o grave, então seguimos o mesmo esquema. E está dando certo! O Léo ainda não terminou o curso, mas já tá conseguindo tirar um som.

Qual a maior dificuldade que os deficientes têm na hora de aprender?

Todo mundo tem praticamente as mesmas dificuldades. Primeiro de ritmo, depois de coordenação motora. Não adianta, ninguém nasce sabendo, só vem com a prática. Quem consegue treinar mais, consegue fazer mais, é normal. De repente a pessoa não tem tempo, trabalha muito, aí só treina uma vez por semana. Vai aprender? Vai, só que mais devagar. O outro que consegue se dedicar mais, irá aprender mais rápido. Resumindo: é dedicação. Tem gente que mesmo treinando todo dia é mais devagar! No caso dos vovôs, é uma situação em que temos que ir mais na manha. Mas de qualquer jeito, é persistência, né?

Quais são suas maiores influências?

Quando eu comecei, ia nas festas do Marky, do Patife… De influências brasileiras são mais esses. Quando ia na Broadway, o DJ Rogerinho. Mas o que mais me encantou mesmo foram os sets de performance depois que comecei a colecionar os DVDs de campeonato. No caso, tenho que citar os DJs Gilbert e Craze, que são campeões mundiais.

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Para finalizar, fala pra gente uma lembrança musical sua.

Drum and bass e Easyroller. Lembro da Broadway…. Dá muita saudade dos amigos e da época.

Ex-aluno da Lisa, Anderson da Mata, 30, agora é instrutor das turmas do "DJ Sem Fronteiras". Ele que ficou cego em 2008, aos 23 anos, conta como a música serviu como refúgio e se mostrou como caminho para a nova vida. Eu também conversei com ele, que me contou sobre essa guinada. Saca só:

THUMP: Como surgiu seu interesse pelo mundo da eletrônica?

Anderson da Mata: Eu perdi a visão faz pouco tempo, em 2008. Sempre gostei de música. E assim, nada melhor do que juntar um gosto musical com essa profissão de DJ. Mas isso tudo veio à tona mesmo depois que eu perdi a visão.

E como você chegou em uma escola de DJs e falou "olha, agora eu quero seguir essa profissão"?

É até engraçado o que eu vou falar: foi um refúgio mesmo. Eu estava passando por uma situação muito complicada devido a perda da visão e procurando algo para me ocupar, para sair daquela situação, pesquisei sobre o que eu poderia fazer e cheguei até isso. Me perguntei: "por que não ser DJ?". Nisso comecei o curso básico. Gostei muito do que eu tinha aprendido e pensei em como ter um conhecimento maior a partir disso, foi quando iniciei o curso intermediário, avançado, e tô aí hoje.

É verdade que você não tem nenhuma dificuldade na prática? Como é isso?

Eu nunca imaginei que poderia performar assim. Faço tudo isso porque gosto muito, mas nada a ponto de chegar em um aluno dizendo "vem que eu vou te ensinar". Nunca imaginaria. Aí a Lisa me chamou, disse para iniciarmos esse projeto e eu topei. Hoje estou dando aula para deficientes visuais e logo mais começam as aulas com os deficientes físicos. A Lisa ministra as aulas com os auditivos.

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Mas vem cá, quanto você treina em média por dia?

Em média duas horas durante a semana e nos finais de semana eu treino um pouco mais. De duas e meia a três horas.

Me conta sobre suas maiores influências.

A Lisa. Eu acho a Lisa e o Marky muito legais. Mas fora da eletrônica também tenho muitas referências. O DJ King, acho ele muito bom. O DJ Luciano Rocha também. Essas são as minhas referências de sempre querer algo mais. Vejo o estilo de cada um deles e procuro pegar um pouco de cada um e colocar no meu trabalho.

Saiba mais sobre o trampo:

Curso de DJ e Produção Musical na E-Djs

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