Passando Aperto Com Um Coletor Menstrual
Ilustrações por Juliana Lucato.

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Passando Aperto Com Um Coletor Menstrual

Mesmo achando essa parada do copinho meio estranha, topei passar meu último ciclo menstrual de copinho pra ver qual é que é.

Outro dia, minha mãe me contou que, quando ela teve sua menarca, minha avó deu a ela paninhos. Mais tarde, ela ganhou uma calcinha com ganchinhos para prender os absorventes. Isso na metade dos anos 70. Desde então, os absorventes melhoraram muito. Ganhamos a cola que prende o absorvente na calcinha (e perdemos os ganchos), o protetor diário e os absorventes internos.

Mas, como depois que inventaram a expressão "Tá ruim", nada tá bom, menstruar ainda pode ser um estorvo. Às vezes, a gente menstrua demais e o absorvente não dá conta: tem de trocar a cada três horas ou usar um daqueles enormes, os chamados noturnos, os quais, diz a embalagem, aguentam até oito horas de fluxo. Só que, na verdade, a gente perde a conta de quantas vezes acordou de manhã com os lençóis manchados de sangue, tendo de rumar direto à lavanderia e sair correndo até o chuveiro antes mesmo de escovar os dentes. E também de quanta grana gastou com pacotes e mais pacotes de absorventes.

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Sem mencionar o cheiro bem desagradável que o absorvente usado deixa, fazendo a gente recorrer a todo tipo de sabonete íntimo e o máximo de banhos possíveis durante "aqueles dias". Aquelas mulheres felizes menstruadas das propagandas de absorvente são muito criticadas nas conversas de banheiro feminino -- parece que ninguém é feliz menstruando na vida real. Felicidade e menstruação apenas não combinam, por mais que as empresas de absorventes tentem nos convencer disso.

Pensando nesse desconforto, eis que uma (não tão) nova opção surge: o coletor menstrual. Ele surgiu mais ou menos em 1937. Foi inventado por uma mulher, a norte-americana Leona W. Chalmers, que disse ter encontrado a resposta para um problema "tão antigo quanto Eva". Os primeiros coletores eram feitos de látex, um material com alta probabilidade de gerar alergias, e acabaram não bombando como ela esperava.

Quando fiquei sabendo dessa parada, confesso que achei muito estranho. O coletor menstrual é um copinho (hoje, ele é feito de silicone e maleável) colocado dentro da vagina para recolher o sangue menstrual. Aqui no Brasil, ele entrou em moda há uns dois anos através de uma grande rede de migas, uma vez que não existe propaganda de coletor – além de ele custar cerca de R$ 80, um valor que parece salgado, mas, quando colocado na ponta do lápis, a gente percebe que gasta de dez a quinze reais por mês com pacotes de absorventes. Então, o coletor se paga em até uns oito meses. Esse custo-benefício tem sido uma vantagem bem grande para mulheres na África, inclusive.

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São várias marcas vendidas no país, diversas maleabilidades, cores e tamanhos. No geral, existe um modelo de coletor indicado para mulheres que já tiveram filhos de parto normal (e, consequentemente, possuem uma musculatura mais larga) e aquelas que não tiveram (cuja região seria naturalmente mais estreita). O copinho, como foi carinhosamente apelidado pelas adeptas, é feito de silicone medicinal, que, de acordo com a ginecologista Fernanda Araújo Pepicelli, do Hospital Bandeirantes, em São Paulo, é um material seguro para ser inserido em nossos corpos, pois não costuma dar reações alérgicas e pode durar cerca de cinco anos se lavado corretamente. É importante frisar isso de lavar direitinho: não adianta nada trocar o absorvente – que pode originar doenças graças ao sangue que fica em contato com o ar – por um coletor mal lavado, que pode dar ruim de outros jeitos.

Apesar de ser um material seguro, o copinho não é regulamentado no Brasil pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa). Por e-mail, a Anvisa informou que "coletores menstruais não são produtos regulamentados, nem como Produto para Saúde (diafragmas têm registros) e nem como Cosméticos (absorventes íntimos são regulados, mas isentos de registro)"; ou seja, dessa forma, a agência "não dispõe nas áreas técnicas de informações relativas à qualidade e eficácia desses produtos".

Em um grupo no Facebook para trocas de informações sobre os coletores, existem tópicos alertando sobre as marcas chinesas, pois elas não disponibilizam informação sobre o material utilizado. De acordo com a doutora Fernanda, "o ideal é comprar de um fabricante conhecido". Realmente, é bom saber exatamente o que estamos colocando dentro da pepeca, né?

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Mesmo assim, a doutora Fernanda me garantiu que ele não tem contra indicações: todo mundo que menstrua pode usar. Até meninas consideradas virgens podem usar, caso não liguem de correr o risco de perder o hímen. "Por causa do manuseio, diferente[mente] do absorvente interno, que tem aqueles minis, como tem de dobrar [o coletor] para colocar (na hora de sair, principalmente), a chance de romper o hímen com ele é grande", diz a doutora Fernanda. Assim, vai meio por sua conta e risco se você quer perder o hímen com o coletor ou alguma outra coisa dentro da perseguida.

Ilustração por Juliana Lucato.

USANDO O COLETOR

Minha primeira grande preocupação com o coletor menstrual foi de que ele não caberia. Encontrei na internet uma série de vídeos ensinando muitas dobras possíveis para que aquele pequeno monstro pudesse caber em uma vagina. Uma frase que ouvi de muitas amigas que usam copinhos foi que, se nosso corpo consegue parir um bebê, um coletor menstrual é coisa pouca de se colocar lá dentro. Só li verdades – até então.

Fiz as minhas contas de que menstruaria numa terça-feira e coloquei o copinho bastante animada. Essa animação durou pouco. Primeiro, porque o cabo do coletor ficou me incomodando muito em toda posição que eu ficava: sentada, em pé, deitada, andando ou parada. Não pensei duas vezes em cortar o cabo fora, apesar da preocupação que me bateu de não conseguir tirar nunca mais aquilo do colo do meu útero e ter de correr para um pronto-socorro a fim de resolver tal situação ridícula. Mas acabou que cortei o cabo e deu tudo certo. O coletor ficou tão confortável que, em alguns momentos, esqueci que tinha um copo de silicone entre as minhas pernas.

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No fim do dia, minha segunda decepção: minha menstruação atrasou.

Isso não me gerou preocupação, apenas desapontamento, pois a ansiedade de ver meu sanguinho (e talvez fertilizar uma salada com ele) era grande.

Foi só na quinta-feira, antes de dormir, que vi aquela manchinha tímida na calcinha e dei pulos de alegria como nunca antes. Fervi meu coletor numa caneca especialmente comprada para a ocasião e me preparei. O grande segredo para colocar o coletor menstrual é relaxar. Cada mulher relaxa em uma posição: deitada, sentada no vaso, de cócoras ou até mesmo em pé. Escolhida a posição, basta apenas dobrar e… colocar lá.

Colocado, o coletor não deve escorregar nem incomodar; na verdade, a gente não tem de sentir que está lá, porque ele fica encaixado embaixo do colo do útero e cria um vácuo para que o sangue não vaze e ele cumpra sua função de coletar.

Passei uma bela noite com meu coletor bem encaixado depois de uma hora de tentativas para acertar o lugar. Percebi que uma coisa que a doutora Fernanda me contou é verdade: "A mulher brasileira tem uma dificuldade de se conhecer, de saber como é o corpo dela mesma. A maioria das mulheres nunca colocou um espelhinho para se olhar. O coletor não é invasivo, mas a mulher tende a não se conhecer direito; [não conhece] a cavidade vaginal, onde está o colo do útero, onde está a vagina. Uma boa parte das mulheres desconhecem como é seu próprio corpo; então, acho que isso é a maior dificuldade de as mulheres aceitarem, é um pouco cultural".

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Eu até achei que conhecia meu próprio corpo, mas a missão foi meio difícil. Leva algum tempo para achar uma posição confortável, uma dobra que dê certo, e aprender que não devemos fazer movimentos bruscos, porque a região é muito sensível. Percebi que, se tivéssemos o costume de manipular nossas próprias vaginas, assim como os meninos aprendem como funcionam seus pênis, talvez a missão tivesse sido mais fácil. No dia seguinte, acordei seca e sem sinal algum de que tinha passado uma noite menstruada. Quase soltei fogos.

Antes sair de casa, atrasada, não quis acreditar que ele estava mal colocado; logo, saí na pressa, com as coisas do jeito que estavam. Foi um erro. Cheguei à redação ligeiramente vazada – bem menos do que se estivesse usando um absorvente, importante pontuar –, mas nada que um protetor diário não pudesse resolver. Outro segredo que aprendi vivendo com um coletor menstrual é que é preciso ter paciência. Para colocar, para tirar, para não surtar quando você vê que, apesar de ter sangue no coletor, também tem sangue na sua calcinha e nas suas coxas.

Passando esses dias de coletor, eu percebi que a gente não tem noção nenhuma do quanto menstrua – tanto para mais, quanto para menos. Fiquei muito surpresa de ver um quarto do copo cheio quando tirei pela primeira vez – depois de cinco horas de uso – e também de descobrir que a menstruação não tem cheiro. Sangue tem cheiro de sangue, apenas.

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Essa é mais uma prova de que não conhecemos o nosso corpo.

As primeiras 24 horas seguiram nessa briga contra os vazamentos, além de um rebolado no banheiro da firma para tirar e colocar de volta o coletor direito sem fazer sujeira.

O segundo dia, eu achei que seria mais tranquilo, mas acordei muito suja, correndo até a lavanderia e até o chuveiro antes mesmo de acordar de verdade, e resolvi que ia colocar um absorvente, não me importando com o maior argumento a favor do coletor menstrual de que um absorvente leva até cem anos para se decompor na natureza. Fui bem egoísta com a mãe natureza e coloquei um interno; saí leve e feliz, sem passar o dia preocupada com o silicone entre as pernas.

Chegando em casa no fim do dia, resolvi deixar a irritação de lado e tentar mais uma vez. Só que, dessa vez, eu fui mais esperta e coloquei um absorvente comum para não acordar furiosa com a minha ideia pouco brilhante de escrever essa matéria. De manhã, metade do meu sangue estava no coletor e metade no absorvente. Passei minutos no banheiro tentando entender como aquilo pode ter acontecido, sendo que coloquei da mesma forma que fiz na noite de lua de mel com meu coletor. E também passei muitos minutos desesperada, porque, sem o cabo, é muito mais difícil rebolar para tirar o coletor.

Dividi minha grande decepção com as amigas defensoras do copinho e recebi milhares de dicas de novas dobras, posições para colocar e tirar, além de sugestões de que eu posso ter errado no tamanho na hora de comprar (isso me chateou mesmo). Algumas dicas deram certo: passei o domingo em casa observando meu fluxo e tentando aprender quantas horas por dia eu conseguiria ficar com ele sem que meu sangue vazasse. Isso também é apontado como uma grande vantagem do coletor: algumas mulheres ficam até 12 horas sem precisar esvaziá-lo. Eu não tive tanta sorte, mas foi um grande dia de autoconhecimento e quebra de tabus.

A gente ainda tem um nojo enorme de menstruar, e – não vou mentir – é verdadeiramente um saco se ver suja de sangue, e eu perdi a cabeça muitas vezes no último feriado; mas, como me afirmou a doutora Fernanda, isso ainda é muito cultural. Pode parecer papo, mas, de fato, uma vantagem maravilhosa do coletor menstrual, deixando todos os estresses de vazamentos de lado, é poder conhecer o próprio corpo, se tocar, encontrar o colo do útero e saber o quanto você menstrua. Parece besteira, mas é muito importante esse processo de aceitação e autoconhecimento, principalmente pra quem tem uma baixa autoestima.

O saldo desse ciclo de copinho até que foi bastante positivo apesar dos momentos de estresse e desespero, pois, no fim das contas, tudo é uma questão de adaptação.