FYI.

This story is over 5 years old.

Outros

Como Fazer Sexo Gay sem Ser Gay

O novo livro de Jane Ward, Not Gay: Sex between Straight White Men, é uma investigação da cultura “no homo”, que cataloga as muitas maneiras como homens hétero brancos exploram, explicam e desculpam seu comportamento bissexual.

O novo livro de Jane Ward, Not Gay: Sex between Straight White Men, é uma investigação da cultura "no homo", que cataloga as muitas maneiras como homens hétero brancos exploram, explicam e desculpam seu comportamento bissexual. As provas que ela reúne são tão visíveis, e suas conclusões tão surpreendentes, que Not Gay é como um Olho Mágico para o cérebro: todos os pontos que você não tinha notado de repente emergem, te permitindo ver como alguns homens heterossexuais são loucos por homens.

Publicidade

Cada capítulo do livro explora um aparelho diferente que a cultura norte-americana usa para entender o sexo entre homens héteros brancos: trotes de fraternidade ou a convivência no Exército, masturbação em grupo nos acampamentos ou a "homossexualidade situacional" de marinheiros no mar, por exemplo. As mulheres, Ward aponta, têm permissão (ou, cada vez mais, isso é até esperado delas) de ser mais fluidas e "abertas" sexualmente, enquanto o conceito de "down low" iniciou muita discussão recentemente sobre a suposta fluidez (e duplicidade) sexual dos homens negros. No entanto, homens héteros brancos geralmente são apontados como paradigmas da nossa cultura sexualmente normativa, orientada numa única direção rígida, firme e até enojada com outros tipos de sexualidade.

Ward presta atenção em particular nas maneiras como homens brancos héteros dos EUA justificam seus próprios comportamentos sexuais com outros homens. Ela quebra de maneira inteligente as defesas mais comuns usadas para "explicar" tais situações. Por exemplo, contato sexual entre homens norte-americanos é geralmente visto como um tipo de união heterossexual se os participantes declararem quão nojenta é tal atividade (pense em garotos de fraternidade "obrigados" a inserir coisas nos ânus uns dos outros – uma ocorrência frequente nas páginas de Not Gay). Ela aponta como muitos héteros expressam abertamente nojo pelo corpo feminino, mostrando como nojo e desejo podem facilmente existir no mesmo momento.

Publicidade

Ward não argumenta que esses homens sejam "realmente" gays ou bissexuais (apesar de alguns provavelmente serem). Em vez disso, ela aponta que o que torna esses homens "não gays" não são suas ações, nem as emoções complicadas e contraditórias envolvidas nessas ações, mas seu comprometimento com uma vida heteronormativa. Os mesmos comportamentos e sentimentos que esses homens exibem podem, em alguém menos investido na normalidade, dar abertura para uma identidade gay, bi ou queer.

A VICE falou com Ward sobre sexualidade, cultura normativa, bro-jobs, o "andar do elefante", "cruzar a linha" e outros rituais bizarramente batizados e cuidadosamente orquestrados que os homens héteros brancos dos EUA usam para tirar as bermudas uns dos outros.

VICE: O que te motivou a escrever um livro sobre caras héteros fazendo sexo gay?
Jane Ward: Com 20 e poucos anos, eu ainda namorava homens ocasionalmente, e, como explico no livro, um desses homens me contou sobre o "andar do elefante", um ritual notório nas fraternidades. Nesse ritual, os homens andam segurando o pênis do cara atrás deles e com o dedão na bunda do cara da frente. Esse cara era totalmente hétero – não consigo imaginar alguém mais masculino e hétero. Eu o conhecia há muitos anos, porém fiquei pensando: "Como você tira sentido disso quando participa dessas coisas?". Aí comecei a ver mais e mais evidências de homens héteros tendo contato com os corpos uns dos outros e não percebendo isso necessariamente como algo sexual.

Publicidade

"Com a homossexualidade e o sexo homossexual cada vez mais normalizados, isso vai parar de disparar o reflexo de vômito no americano comum." – Jane Ward

Eu imagino muita gente dizendo "Ah, esses caras são só muito próximos".
Com certeza. Como muitas práticas sexuais ainda são minuciosamente analisadas e moralmente carregadas, acho que muitas pessoas – inclusive na comunidade LGBTT – se sentem confortáveis quando o sexo adere a categorias claramente definidas e quando isso é relativamente previsível. Elas gostam de acreditar que só existem três orientações sexuais: hétero, gay e bi, e a ideia de que nascemos com essas orientações é cada vez mais popular. Qualquer prática sexual mais complicada que isso, ou que não possa ser explicada por esse esquema, é especialmente ameaçadora.

Tenho recebido muitos comentários de bissexuais, que acho que leram só o título do livro, que acreditam que isso é uma contribuição para o apagamento dos bissexuais, mas, do meu ponto de vista, bi é uma identificação queer distinta e significativa. Não consigo ver por que pegaríamos homens que se identifiquem como héteros, não se interessem pela identificação bi, estejam completamente investidos na normatividade hétero, não entendam que o contato que estão tendo é particularmente sexual e que enquadrem esse contato dentro da misoginia e homofobia – por que iríamos querer dizer que eles são parte da comunidade queer? Isso reduz a bissexualidade a uma descrição técnica dos atos sexuais. Entendo a bissexualidade como algo mais amplo que isso.

Você diz que, antes da ascensão da identidade política – antes de termos uma identidade sexual construída em pacotes como gay e hétero –, homens que se imaginavam "sexualmente normais" tinham mais liberdade para se envolver em práticas com o mesmo sexo porque fazer isso não significava necessariamente que você era "gay" ou "bi". Você acha que isso significa que caras héteros costumavam fazer mais sexo gay?
Há um livro ótimo do historiador George Chauncey exatamente sobre isso. Ele se chama Gay New York. Lembro-me claramente de uma entrevista com um gay no livro em que ele diz: "Foi uma droga quando o movimento de liberação gay começou a pressionar as pessoas para se assumirem: isso significou que homens héteros estavam bem menos dispostos a fazer sexo conosco". Do nada, havia todas essas consequências de identidade.

Acho que estamos novamente numa época em que tudo isso está mudando porque há uma pressão do movimento mainstream para normalizar e assimilar todos os queers – através do casamento, por exemplo. Então, acho que, com a homossexualidade e o sexo homossexual cada vez mais normalizados, isso vai parar de disparar o reflexo de vômito no norte-americano comum. Vai haver mais e mais espaço para que as pessoas possam se envolver nisso e tirar o sentido que quiserem. Porém isso não quer dizer que o [código] binário entre normal e anormal vai sumir, porque isso está sempre mudando. Agora, por exemplo, você pode ser um "gay bom" ou um "gay ruim". Ou você é um gay casado, com filhos, morando nos subúrbios, o que é bom, ou ainda está usando couro e curtindo perversões, o que é ruim. Acho que a cultura sempre se adapta um pouco às maneiras que parecem um progresso, mas a metade delas não é.

Siga o Hugh no Twitter.

Tradução: Marina Schnoor