Conversando com pessoas mágicas na 13° Convenção de Bruxas e Magos em Paranapiacaba
Crédito: Hudson Rodrigues

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Conversando com pessoas mágicas na 13° Convenção de Bruxas e Magos em Paranapiacaba

Fomos até a Vila Inglesa sacar a abertura da convenção e saber a quantas anda a prática de bruxaria no século XXI.

Na última sexta-feira 13, as bruxas estavam literalmente soltas pela Vila de Paranapiacaba, distrito do município de Santo André, no estado de São Paulo. Durante o último fim de semana aconteceu a 13° Convenção de Bruxas e Magos, organizada pela bruxa Tânia Gori, da Universidade Holística Livre Casa de Bruxa. Desde 2003 ela é responsável pelo evento, que une pessoas de diferentes tipos e crenças esotéricas e espirituais. O primeiro encontro contou com apenas 25 pessoas, mas a abertura desse ano contou com pelo menos 500, que não se intimidaram com a garoa e pegaram a estrada para praticar rituais.

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A Vila de Paranapiacaba foi escolhida como point das bruxas por causa da sua pegada de cidade inglesa do século XIX, que se mantém ainda hoje, principalmente quando cai a noite e se instaura uma neblina na região. "No começo, o pessoal da vila fechava as portas, fechava as janelas, fazia o sinal da cruz pra gente", conta Tânia. Treze anos depois, a situação é outra e o local fica bastante agitado com o evento. Os vizinhos observam as bruxas e magos passarem cantando e orando para os deuses e alguns até entram na dança, levando inclusive pequenos bruxinhos e bruxinhas vestidas a caráter.

Cada ano, a Convenção tem um tema. Este ano foi "Bruxas, Deusas e Santas: O que as une?". Segundo a organizadora, antes só existiam bruxas e a história se encarregou de transformar seus títulos e criar novas tradições. Durante todo o fim de semana da Convenção, as palestras e workshops tentaram dar conta de fazer essa ponte entre as três figuras.

Entre um ritual, um feitiço e uma dança, conversamos com algumas bruxas e bruxos para saber quem eles são e a quantas anda a prática de bruxaria no século XXI.

Tânia Gori é a bruxa organizadora da Convenção há 13 anos. Crédito: Hudson Rodrigues

VICE: Como começou a convenção?
Tania Gori: Começou muito legal. Foi uma aluna da escola que chegou pra mim há 13 anos e falou que a Vila de Paranapiacaba tava deixada de lado em Santo André. Eu, como andreense, gosto muito daqui. A gente veio aqui e a vila estava tristinha. Ela foi construída pelos ingleses, então aqui tem essa mística da Inglaterra, muito bonita. Aí a gente resolveu fazer um encontro de bruxas. O que a gente fez hoje, a gente fez com 25 pessoas há 13 anos. O pessoal daqui fechava as portas e as janelas, fazia o sinal da cruz pra gente. Hoje, unimos várias tribos, várias pessoas. No terceiro encontro, já tinham umas cem pessoas e a gente começou a fazer contato com o pessoal de Curitiba, do Rio. Na quarta convenção, já tinha cinco mil pessoas, aí foi crescendo, hoje você viu. A gente tá na 13°, hoje tinha muita gente.

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Na antiguidade, só existiam bruxas, pessoas que buscavam harmonia com a natureza. Com o passar do tempo, algumas bruxas acabaram se tornando deusas e algumas bruxas acabaram se tornando santas. Santa Bárbara é uma dessas bruxas que se tornaram santas. Tem outras que se tornaram deusas, então durante toda a convenção vão haver palestras e rituais fazendo essa sincronicidade. Todas elas trabalham o amor, a paz, a harmonia, a fé, objetivo.

Por que as bruxas têm má fama?
Historicamente, essa fama surgiu em 1483, na Idade Média, quando começou a ter a Inquisição. Pra se vender o céu, precisava pintar um demônio. Tudo o que a Igreja não entendia, ela colocava na conta das bruxas e começou a desenhar as bruxas de uma maneira ruim. Foi daí a fama: são 300 anos de perseguição na Inquisição. A última lei inquisitória foi abolida em 1951, na antiga União Soviética. Até aquele tempo, podia-se queimar uma bruxa, não existia um julgamento. Foi se acrescentando coisas. A bruxa era aquela pessoa meio esquisita, fora de moda. Isso foi virando um folclore, foi tomando forma. O ser humano é muito sarrista, então acabou adquirindo isso, pintando o rosto, colocando uma capa, pra representar aquela bruxa antiga do mal, mas mostrando que somos do bem.

Como a bruxaria sobreviveu tantos anos?
Eu acredito que pelas bruxas que não foram queimadas. Acredito que as verdadeiras bruxas não foram queimadas e mantiveram a tradição. Eu aprendi bruxaria com a minha avó, ela me ensinou a trabalhar com cristais, com ervas, com os quatro elementos. Aos nove anos eu já sabia que era bruxa. Muitos aqui vêm de família, mas não era falado aos quatro ventos como fazemos hoje, mas em família, essa tradição foi mantida, tanto que sobrevivemos até hoje.

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Bruxa faz feitiço?
Feitiço faz, maldade não. Vou te falar um que gosto de fazer, que é o feitiço da gastronomia da bruxa. Por exemplo, uma pessoa tá muito triste, então é preciso que ela fique alegre. Então, pra essa pessoa, eu faço uma salada de tomate com cebola. O tomate é regido por Júpiter e a cebola é regida por Marte, se eu junto o positivismo de Júpiter com a força de Marte, eu faço com que essa pessoa fique mais feliz. Aí eu pego a varinha e abençoo com os quatro elementos e a pessoa come. Essa comida está enfeitiçada e a pessoa fica mais feliz. Se você sabe os elementos dos pratos, você consegue fazer qualquer feitiço dentro da sua cozinha.

Elaine Lafuria tem 53 anos e é bruxa desde que nasceu. Crédito: Hudson Rodrigues

VICE: Há quanto tempo você vem pra Convenção?
*Elaine Lafuria:* Esse é o nono ou décimo ano, perdi a conta.

Há quanto tempo você é bruxa?
Tenho 53 anos e nasci bruxa. Eu já era diferente. Desenhava sereia, jogava carta pequenininha.

As bruxas são malvadas?
Mentira! Eu tava falando com uma criança, porque as crianças gostam de falar comigo. Você pode ir a qualquer igreja, você vai achar pessoas que pedem o bem e que pedem o mal. Quando a pessoa possui alguma força pra obter alguma coisa, às vezes ela começa pedindo o mal ou é o que ela deseja. Mas, tudo o que a gente pede, a natureza só vai te dar o que você pode ter. Se você usar de coisas ruins, você pode se dar mal. É mentira que bruxa é má.

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Por que as pessoas têm medo?
Pelos desenhos, filmes, tudo. A bruxa é sempre a malvada, mas tem a bruxa branca e a bruxa que pratica magia negra, que só faz coisa má.

Bruxa faz feitiço?
Lógico. Pra tudo. Mas desde que, por exemplo, eu posso pedir um amor, mas desde que ele realmente seja meu, ou de vidas passadas ou eu mereça esse amor, aí ele vai vir lindo e pleno. Agora, se não for, não vou conseguir o que não é meu, e e nem quero. O que é meu vem mais forte e mais bonito.

Algumas bruxas fazem feitiços ruins?
Sim. É como falei, infelizmente posso derrubar uma pessoa pra conseguir alguma coisa dela, mas como a lei do retorno é universal, sei que vai vir de volta, eu não faço. É livre-arbítrio.

O que você espera da convenção?
Todo ano a gente renova as forças aqui, porque encontra gente de todos os credos. Tem gente que acredita em ET, outro em bruxas, fadas. Esse ano espero que o Brasil renove as energias dele, a força dele para o bem. É muito pessoal, mas acredito que a situação no país está catastrófica, mas que todas as forças do universo estão trabalhando para crescer de novo e levantar esse mundo.

Dona Lucinda alugou um quarto de sua casa em Paranapiacaba para alguns bruxos e foi acompanhar a abertura da Convenção. Crédito: Hudson Rodrigues

VICE: Há quanto tempo a senhora mora aqui na vila?
Dona Lucinda: Eu moro aqui há 58 anos. Nasci aqui de parteira. Tenho três filhos homens, mas nenhum deles é bruxo.

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O que a senhora acha das bruxas frequentarem Paranapiacaba?
Acho o máximo. Eu adoro.

A senhora acredita nelas?
Acredito, com certeza.

A senhora é bruxa?
Eu não. É o primeiro ano que estou aqui, o pessoal me trouxe pra cá, mas se deus quiser, um dia eu vou ser uma bruxinha linda. Sou católica, mas a religião não fala nada.

Satya Brata Das é bruxo há quinze anos. Crédito: Hudson Rodrigues

VICE: Como começou a bruxaria na sua vida?
Satya Brata Das: Ela começou através de uma busca do novo. Do retorno à minha verdadeira essência, de querer quebrar todos os rótulos e aquilo que a sociedade e os dogmas dessas religiões todas que estão conturbadas hoje fazem com as pessoas. A bruxaria pra mim nada mais é do que você ser um ser real, verdadeiro. A rebeldia de quebrar com todas as correntes e com todas as influências de um sistema. É você voltar pra casa. Bruxaria pra mim nada mais é do que você ser um ser natural.

Há quanto tempo você é bruxo?
Sou bruxo há 15 anos. Venho na convenção há quatro.

Qualquer pessoa pode ser bruxa?
Qualquer um que tiver um bom coração e que tiver entendimento de que tudo aquilo que você faz, você vai receber em dobro. Então você tem dois lados da bruxaria, esses dois lados se completam como a lua e o sol, basta que você faça a sua escolha certa.

Bruxo faz feitiço?
A magia está na ponta da língua de cada um. A magia está no olhar de cada um. O feitiço, a simpatia, nada mais é você acreditar numa vibração. Os instrumentos de magia facilitam pra que a gente tenha a conexão com aquilo que a gente acredita. Aquilo em que você acredita, aquilo em que você tem fé, vai acontecer, porque nós somos filhos de um universo, somos semi-deuses.

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Valquíria Ganacevich é cigana e se sente acolhida na Convenção das Bruxas. Crédito: Hudson Rodrigues

VICE: Há quanto tempo você é bruxa?
Valquíria Ganacevich: Começou há 27 anos, porque eu faço parte de um centro de estudos sobre magia e sempre eles estão vindo pra cá, mas nós somos ciganos. A gente acabou seguindo a bruxaria além da tradição cigana. Eu senti muito na convenção que tem uma atenção aos ciganos, venho há oito anos.

Qualquer pessoa pode ser bruxa?
Sim, contanto que sinta isso no coração.

O que é preciso para ser bruxa?
Acho que se integrar com a natureza, ter paz, sentir que esse mundo faz parte de você.

Bruxa é má?
Acho que é uma coisa do passado isso, porque as pessoas não tinham disciplina com a magia, ela era simplesmente vivida, hoje ela tá bem reorganizada, existe mais liberdade de atuação.

Yuri é sacerdote de bruxaria na cidade de Mauá, interior de São Paulo. Crédito: Hudson Rodrigues

VICE: Há quanto tempo você vem na convenção?
Yuri: Desde 2009. A minha família inteira é do ramo espiritual, do candomblé. Eu também, porém eu sempre gostei de bruxaria, então comecei a fazer cursos e tudo mais. Hoje eu tenho meu grupo, sou sacerdote de bruxaria, tenho meus discípulos e venho na convenção desde então.

Como começou a bruxaria na sua vida?
Eu ouvi o chamado da deusa. Dentro da wicca, o chamado da deusa é quando você sente, dentro do seu coração, do seu ser, o chamado da natureza. O mundo viu a bruxa como se ela fosse aquela mulher de nariz comprido, verde e cheia de verruga que colocava criancinha dentro do caldeirão. Nós somos uma família. Aqui tem pessoas que se conhecem hoje e fazem amizade. Esse foi o chamado da deusa na minha vida. Foi aí que eu comecei a estudar e praticar.

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Tem muitos bruxos homens?
Sim, mas a maioria é mulher, porque antes, a wicca, ela é nova. Pra gente que é bruxos wicca, nós falamos da bruxaria moderna. Na verdade, a bruxaria antigamente era vista como a velha crença, que era somente para as mulheres. Depois que se moldou a bruxaria, wicca significa moldar e mudar, depois que Gerald Gardner difundiu a wicca no mundo que veio a figura do homem como um ser também que pode praticar a bruxaria. Dentro da bruxaria, a gente valoriza o equilíbrio da natureza, então tem o homem e a mulher. A gente viu que homens podem sim praticar bruxaria e a deusa enxerga a figura do homem.

O que você acha do estereótipo de bruxa má?
Acho que a televisão, por assim dizer, criou uma imagem errada das bruxas. Isso já começou na Inquisição, na verdade, que queimava bruxas na fogueira. Criaram essa imagem feia das bruxas, mas, como você tá vendo aqui, ninguém colocou criancinha no caldeirão. O preconceito é o analfabetismo da alma, criticar aquilo que você não conhece, mas não é nada disso.

Qualquer pessoa pode ser bruxa?
Todas as pessoas são bruxas, porque nós nascemos com uma coisa chamada energia. Todos aqueles que têm energia são bruxos, pessoas que adoram a natureza, praticam a natureza. Então todos nós somos bruxos.

Bruxa faz feitiço?
Sim, mas o feitiço é usado em último caso, porque nós já temos o poder da palavra. Nós acreditamos que tudo o que nós emanamos, toda energia que a gente coloca pra fora, a gente atrai aquilo pra gente. A nossa palavra já é um ato de feitiço.

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Transe mais bruxarias abaixo:

Crédito: Hudson Rodrigues

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Esperança e Sofia moram em Paranapiacaba e disseram que são bruxas também. Crédito: Hudson Rodrigues

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Tânia pedia para os membros da Convenção fecharem os olhos e orarem aos deuses. Crédito: Hudson Rodrigues

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