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Sexo nos banheiros públicos de Londres me fez o homem que sou hoje

Como o banheirão ou cottaging – o ato de procurar e fazer sexo em banheiros públicos, formou o meu caráter.
O autor quando jovem.

Fui ao reservado para mijar. Demorei um pouco para sair. Enquanto lavava as mãos, tive aquela sensação de estar sendo observado; então, virei a cabeça levemente e vi um homem parado na porta de um dos reservados olhando para mim. Ele estava com o pau para fora. Enquanto me olhava, ele esfregava o pinto. Minha primeira reação foi pensar que nunca tinha visto um tão grande, a segunda foi um ligeiro desconforto com a intensidade do olhar dele. A terceira foi uma ereção.

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Pareceu uma eternidade, mas acabei seguindo o homem para dentro do reservado. Ele fechou a porta.

Um cavalheiro não conta essas coisas, embora baste dizer que eu não era mais virgem quando saí. Depois, andei até minha escola para pegar as notas das minhas provas do ensino médio.

Os saltinhos que eu dava enquanto voltava para casa não eram por causa do meu sucesso acadêmico.

Eu estaria mentindo se dissesse que não sabia que essas coisas aconteciam: eu devorava os rabiscos explícitos dos banheiros. Essa foi minha primeira experiência de cottaging – o ato de procurar e fazer sexo em banheiros públicos.

Dali para frente, eu procurava sexo em banheiros sempre que podia. No meio dos anos 90, isso era fácil: pintos estavam disponíveis basicamente em todo lugar.

Nem todo sexo acontecia nos próprios banheiros. As paredes dos reservados eram como quadros de avisos, com horários de encontro e telefones. Às vezes, você achava algum lugar discreto com um cara que tinha conhecido num banheiro. Porém, para mim, nada era melhor que o sexo no próprio banheiro. Era arriscado – os motoristas de ônibus locais patrulhavam os banheiros –, mas eu não estava pensando com a minha cabeça principal. Quem não se arriscaria um pouco por uma boa foda? Era este o apelo: a falta de envolvimento emocional, de uma motivação oculta. Era sexo pelo sexo. Mais nada.

Logo me tornei adepto dos "rituais" de cottaging – os olhares de soslaio de um cara no mictório quando você entrava, como ele segurava o pinto quando estava do seu lado, como ele nem estava mijando. Bater o pé embaixo da porta de um reservado era um sinal conhecido. Posso escrever um texto inteiro só sobre gloryholes. Dizem que alguns caras colocavam os pés dentro de um saco de supermercado para evitar ser flagrados se um policial olhasse por baixo da porta. Nunca vi isso, mas passei mensagens escritas em rolos de papel higiênico entre os reservados. No entanto, na maioria das vezes, era só sustentar aquele olhar por alguns segundos a mais. Aí você sabia.

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Isso me rendeu meu melhor amigo na universidade. As primeiras palavras dele para mim foram "Eu tenho um lugar". Naquela tarde, fiz cunete nele por horas no seu dormitório, só parando quando a namorada dele bateu na porta.

Pointing Percy, um documentário de 1994 sobre cottaging em Londres.

Nos tornamos amantes; depois, amigos de cottaging. Às vezes, viajávamos nos finais de semana, pagando para frequentar uma sauna gay à noite e fazendo cottaging de dia. Toda cidade tinha um banheiro público. Era possível notar quais eram os banheiros certos pelas paredes rabiscadas ou por simples instinto. Bethnal Green, Hyde Park, Carnaby Street: chupei, fui chupado, comi e fui comido – às vezes, mais de uma coisa – em todos eles. Julgávamos nosso sucesso quando conseguíamos dobrar nossos números de acordos. (Bater punheta para alguém num reservado não contava.) "Acordo" era sexo. Como eu disse. Nada emocional. Apenas pênis.

Gays não costumam entregar suas histórias. Nenhum pai mostra para o filho o lugar onde o ator John Gielgud foi preso ou diz "Um dia, meu chapa, você pode ser como Joe Orton". Minha mãe não achou a prisão de George Michael exatamente inspiradora.

Os três foram pegos em banheiros públicos, claro.

Gielgud foi preso em 1952, enganado por um "policial bonito". Isso o mandou diretamente para o tribunal e para a primeira página do Evening Standard. A surpreendente simpatia por ele levou indiretamente ao Relatório Wolfenden, que recomendava a descriminalização da homossexualidade. Orton era um dramaturgo, assassinado pelo amante em 1967. Em seu diário, ele falava sobre sua libido desenfreada e sobre cottaging. Isso é provavelmente o relato de sexo gay mais honesto da época. Para alguns, a morte de Orton é um conto moral. Muitos gays o consideram uma inspiração.

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George Michael não precisa de apresentações.

É difícil apreciar agora como as coisas eram diferentes naquela época. Banheiros frequentemente eram o único lugar onde homens podiam encontrar outros homens. Gays mais velhos já me contaram sobre orgias nos banheiros públicos perto de seus pubs gays preferidos. Como eles sempre carregavam um tubo de vaselina. Como uma dúzia de homens podiam ser presos a qualquer momento pela polícia abertamente homofóbica.

Os tempos mudaram. Mas o ativista pelos direitos dos gays Peter Tatchell estimou que, entre o julgamento de Oscar Wilde em 1895 e o Ato de Ofensas Sexuais de 2003, algo entre 50 mil e 100 mil homossexuais foram condenados por ofensas de cottaging. Talvez por isso eu tenha começado a fazer um documentário sobre a prática. Alguém precisava registrar isso.

Tenho a teoria de que a maioria dos gays têm uma história definidora sobre cottaging. Aquela experiência que explica o porquê. A minha aconteceu quando eu estava estudando para as provas do primeiro ano de faculdade. Indo para casa da biblioteca – destruído, me mantendo acordado com muito café –, parei num banheiro público para mijar. O hábito me levou para o reservado. Quando saí, um homem lindo – sarado, tatuado, com um queixo marcante – passou por mim, me pegou pela mão e me arrastou de volta para o reservado. Em segundos, eu tinha jogado meus óculos e minha camiseta longe, enquanto ele enfiava a língua na minha garganta. Ele me empurrou para o chão e meteu o pau na minha boca. A intensidade era extrema. Ele continuou até gozar. Ele só disse "Você é incrível". Depois, foi embora e eu nunca mais o vi.

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O banheiro onde conheci James foi demolido, e um shopping foi construído no lugar. As prefeituras instalaram "medidas anticottaging" e câmeras de vigilância, enquanto alguns banheiros – os melhores – simplesmente foram fechados. Como um gay mais velho me falou uma vez, ele se sentia como um sobrevivente de um inverno nuclear. OK, isso ainda acontece: nem todas as cidades têm uma cena gay, alguns homens ainda têm medo de se assumir, porém cottaging não é mais aceitável. E antes era. Mais ou menos. Cottaging era tão irrepreensível quanto ter uma conta no Grindr hoje: nem todo mundo tem um uma, você pode não colocar seu nome verdadeiro no seu perfil, só que não há nada de errado nisso.

A internet teve alguma influência, mas essa não é a história toda. Em algum ponto, a comunidade gay perdeu sua confiança e romantismo. Hoje em dia, a maioria dos meus amigos têm duas contas no Grindr: uma para encontrar um relacionamento sério e outra para quando estão com tesão. Na noite de terça, eles cheiram poppers e se masturbam com algum moleque bonito. Na quarta, encontram o namorado para cozinhar linguine ao pesto. Nossos objetivos mudaram.

Talvez a hipocrisia seja um sinal inevitável de maturidade. A comunidade gay cresceu e se tornou respeitável. Ou parece ser. O que mudou? A crise da AIDS dos anos 80 levou a um crescimento da homofobia, a uma crise moral e à Cláusula 28 na Inglaterra, que baniu a "promoção" da homossexualidade nas escolas. Em resposta, um novo movimento gay enfatizou questões fáceis de identificar, como igualdade da idade do consentimento, e nós assinamos embaixo. O radicalismo, talvez ingênuo, acabou desaparecendo. Se antes cumprimentávamos a sociedade hétero com o dedo do meio, agora queremos ser como eles. Ser aceito significou comprometer e se tornar comprometido. A vítima foi o cottaging.

E, caralho, cara, como eu sinto falta disso.

Graham Kirby está filmando o documentário The Strange Decline of the English Cottage. Siga-o no Twitter.

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