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O que aconteceu com a Tia Carrere de 'Quanto Mais Idiota Melhor' ?

A VICE conversou com o ícone dos anos 90 sobre sua longa carreira que inclui um Grammy, filmes da Disney, uma capa da 'Playboy' e levar um golpe de um ex-namorado.
tia carrere
via YouTube

Uma garota de Hong Kong que fala com um sotaque pesado, mas quando canta, ela arrasa como Pet Benatar.”

É assim que Tia Carrere lembra do chamado de casting de 1991 para interpretar o par romântico de Mike Myers, Cassandra Wong, em Quanto Mais Idiota Melhor. Carrere não era de Hong Kong, nem tinha um sotaque de lá. Ela nasceu no Havaí, uma atriz americana filipina-chinesa-espanhola que tinha um arco em General Hospital e uma aparição sem muito sucesso em Star Search.

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“Sempre achei que acabaria cantando num bar de hotel em Waikiki”, ela disse a VICE. “Eu achava que esse seria meu auge – e pensando agora, até que parecia OK.”

Em vez disso, ela conseguiu o papel em QMIM, imortalizando um vestido de renda vermelho e inspirando uma geração de estranhos a se jogar aos pés dela dizendo “não sou digno”. (Uma coisa que acontece na vida real com frequência, disse Carrere.)

E essa é apenas uma parte de uma carreira de décadas em Hollywood que inclui o Grammy, Disney, Playboy e levar um golpe de um namorado safado.

Um milagre no mercado

Nascida Althea Rae Janairo e apelidada de “Tia” pela irmã mais nova, Carrere – um nome artístico que ela adotou homenageando a Bond Girl Barbara Carrera – não teve uma infância fácil. Crescendo em Honolulu, ela frequentou uma escola católica só de meninas onde, segundo ela, usar uniforme “era útil, porque ninguém sabia se você era uma herdeira da fortuna Shiseido ou precisava voltar pra casa de ônibus”. Ela se encaixava na segunda opção, e todo dia tinha que pegar dois ônibus num trajeto de 45 minutos pra ir e voltar da escola.

Aos 13 anos, os pais e as duas irmãs mais novas dela se mudaram para Samoa, onde o pai tinha conseguido um emprego num banco, deixando Carrere pra trás com a avó no Havaí porque achavam que ela teria uma educação melhor lá. Foi um choque. Mas o choque maior foi quando a mãe e as irmãs voltaram – sem o pai. Os pais se separaram e o pai casou com sua secretária de Samoa, eventualmente dando duas irmãs postiças a Carrere.

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“Tudo implodiu. Foi um período muito triste e sombrio”, ela disse. “Não era a mesma coisa de antes. Todo mundo tinha seu próprio peixe para fritar.”

Mas um dia, num conto tão antigo quanto a própria Hollywood, os pais de um produtor descobriram Carrere num mercado em Waikiki, e falaram pra ela sobre um filme local que o filho estava filmando chamado Aloha Summer.

“Eu nunca tinha atuado antes. Eu nem era parte do clube de teatro”, disse Carrere. “Mas fui lá e fingi que era a garota havaiana tímida me apaixonando pelo casanova caucasiano.”

Deu certo, e Carrere conseguiu seu primeiro papel como uma protagonista que dançava hula. “Isso mudou a trajetória da minha vida”, ela disse. “Não tínhamos dinheiro e eu não tinha notas boas o suficiente para conseguir uma bolsa na universidade.” Animada com seu primeiro trabalho, ela mudou para a Califórnia, ansiosa para deixar sua complicada vida em casa para trás.

Sem nada

A garota de 17 anos chegou a LA em 1985 com seu novo cartão do SAG e o que ela descreve como um “namorado lixo”, décadas mais velho e atuando como o empresário dela. Em questão de meses, ela conseguiu trabalhar como modelo, um papel recorrente em General Hospital e aparições em Esquadrão Classe A e MacGyver. Mas o namorado lixo era um problema.

“Ele acabou roubando todo o meu dinheiro e me deixando sem teto. Eu não tinha nada depois de fazer US$ 150 mil num ano. Fiquei com US$ 300”, ela disse. “Fica a dica: Seu namorado não deve ser seu empresário e vocês não devem ter uma conta conjunta. Péssima ideia.”

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O destino dela ficou nas mãos de um agente de modelos simpático, que a deixou dormir num corredor entre dois quartos até que ela conseguisse se recuperar. “Nem pensei em voltar pra casa”, disse Carrere. “Cheguei aqui jovem e ingênua. Não tinha plano B. A ideia sempre foi seguir em frente.”

“Schwing!”

Ela foi em frente com alguns pequenos filmes e aparições na TV (incluindo uma fantasia de briga com Christina Applegate em Married… with Children), e em 1991, com 24 anos, ela estava nos estágios finais de um teste para interpretar a namorada bióloga marinha de David Hasselhoff em S.O.S. Malibu. Mas um pouco antes do teste final de natação, um roteiro de filme chamou sua atenção.

Baseado no esquete popular de Mike Myers e Dana Carvey no Saturday Night Live, Quanto Mais Idiota Melhor prometia ser uma comédia cheia de frases de efeito para o delírio da Geração X. E o papel de uma roqueira foda de estilo impecável parecia perfeito para Carrere.

“Lembro que pensei: 'Meu deus, esse papel pode mudar minha vida. E não sei de mais ninguém que possa atuar, cantar e arrasar. Mas eu posso'”, disse Carrere.

Como Wayne e Garth diriam, foi “excelente”. O filme dirigido por Penelope Spheeris estreou em primeiro lugar nos cinemas e acabou rendendo mais de US$ 122 milhões de bilheteria só nos EUA. O filme solidificou o status de Carrere não só como uma atriz para prestar atenção, mas como uma cantora em ascensão, e logo ela conseguiu assinar com uma gravadora e fazer vários filmes em sequência. “O vento estava a meu favor”, ela lembra.

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Em 1992, ela também se casou com o produtor e dono do infame clube Roxbury, Elie Samaha. “Ela saiu do carro e a achei lindíssima, o resto é história”, ele disse ao New York Times sobre quando a conheceu uma noite no Roxbury.

Ou, nas palavras do Garth: “Se ela fosse presidente, ela seria a Baberaham Lincoln”.

Nasce uma estrela de ação

Papéis substanciais para mulheres asiáticas americanas nos anos 1990 eram escassos, mas Carrere consegui um fluxo constante de papéis que deixavam ela mostrar todo seu talento.

“Consegui alguns papéis independentes de etnia, o que pra mim foi a grande vitória”, disse Carrere. “Também interpretei várias origens asiáticas: vietnamita, chinesa, japonesa. Por mais estranho que pareça, a única coisa que nunca interpretei foi uma filipina, minha principal etnia.”

Ela foi a gênio da computação afro-japonesa Jingo Asakuma em Sol Nascente de 1993, com Sean Connery e Wesley Snipes. Depois veio a misteriosa contrabandista Juno Skinner em True Lies de 1994, onde ela fez a cena sensual de tango com Arnold Schwarzenegger (uma habilidade que ela usou mais tarde em Dancing With the Stars).

Carrere fez uma média de três filmes por ano entre 1992 e 1999. Teve a sequência de Quanto Mais Idiota Melhor, e filmes de menor orçamento como Os Imortais, Kull, o Conquistador e Cidade do Medo. No final da década, ela estrelava sua própria série de ação na TV canadense, Caçadora de Relíquias, que ela descreve como uma versão “melhor” de Tomb Raider.

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“Era muita coisa. E eu estava agarrando tudo que podia”, ela disse sobre o fluxo de trabalho nos anos 90. “Acho que era simplesmente como fui criada: trabalhe duro, faça seu melhor, fique saudável, tenha uma boa noite de sono, beba muita água. Era nesse tipo de coisa em que eu estava focada.”

Assédio em hotéis

Evitando por pouco um burnout, ela encarou assédio por simplesmente ser uma mulher trabalhando em Hollywood. Quando o movimento #MeToo começou em 2017 depois de uma onda de acusações contra Harvey Weinstein, Carrere ficou surpresa em ouvir alguns criticando jovens atrizes por “se colocar” em situações comprometedoras.

“As pessoas dizem: 'Como essas garotas foram para esses quartos de hotel?' Entrei em muitos quartos de hotéis na minha vida”, disse Carrere. “Isso acontecia com tanta frequência que perdi a conta. Era bizarro, mas era a norma para testes de filmes.”

Um desses encontros aconteceu num quarto mal iluminado de Steven Seagal no Hotel Bel-Air, onde, segundo ela contou ao San Diego News em 2017, ele a olhou de cima a baixo, fez ela dar uma voltinha e perguntou se ela estava confortável com nudez. A experiência dela combina com acusações feitas por Jenny McCarthy contra o ator em 1998.

“Graças a deus ninguém nunca veio pra cima de mim, ou eu teria que socar alguém no nariz ou dar uma joelhada no saco dele”, disse Carrere. “Estamos encontrando nossa voz e nossa força agora. Antes, você tinha que rir e dar um tapinha no braço do cara, como se ele fosse seu tio engraçadinho.”

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Ganhando um Grammy

Apesar de a atuação consumir sua vida, música sempre foi a primeira paixão de Carrere. Logo depois de QMIM, ela lançou um álbum pop em 1993 que ganhou disco de platina nas Filipinas, mas acabou perdendo o gás nos EUA.

“Sei que teria sido mais inteligente e fácil lançar um disco de rock, porque era isso que esperavam de mim na época”, ela disse. “Mas não era o tipo de música que eu gostava.” Além disso, seria difícil reproduzir a voz rouca marca registrada da Cassandra, porque a atriz estava com laringite quando gravou a trilha sonora do filme.

Mas no final dos anos 90, Carrere decidiu tomar um rumo diferente e voltar às raízes de música havaiana. Durante os anos tumultuados da infância em Honolulu, o passatempo favorito de Carrere era cantar com o amigo Daniel Ho, que frequentava uma escola católica de meninos próxima. E quando ele também mudou para LA quando adulto, foi uma combinação perfeita. A dupla gravou quatro álbuns nos anos 2000, todos indicados ao Grammy, e dois deles venceram a categoria de Melhor Álbum de Música Havaiana.

Em 2002, ela fez a voz da irmã mais velha Nani em Lilo & Stitch e gravou uma versão linda de “Aloha O `e” que me faz chorar até hoje. Isso coincidiu com uma capa dela na Playboy – “Belo truque, né?”, ela disse – mas a Disney tinha uma mentalidade de “não pergunte, não diga”, e ela continuou fazendo a voz do personagem na série spinoff para a TV por mais três anos.

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Mudando de marcha

Com 30 e poucos anos, Carrere estava numa encruzilhada. Ela tinha se divorciado de Samaha em 2000 e começado a transição de filmes de ação para mais trabalhos fazendo vozes de desenho animado e aparições na TV. Ela adicionou The O.C., Curb Your Enthusiasm, e uma cena bem gráfica como uma dominatrix pescadora de mamilos em Nip/Tuck a seus muitos, muitos papéis. Ela também foi juíza convidada em Iron Chef, participou do Dancing With the Stars e foi uma das vítimas do Celebrity Apprentice.

(Seu ex-chefe da TV não vai ganhar o voto dela em novembro. “Ele está demitido”, ela disse sobre Trump, acrescentando que está “com medo que o único cara que possa derrotá-lo seja Bloomberg, porque ele é um empresário de sucesso e os EUA respeita um self-made man”. Nota: A entrevista foi realizada antes da Super Tuesday.)

Depois de um romance agitado, Carrere casou com o segundo marido, o fotojornalista britânico Simon Wakelin, na véspera de Ano Novo de 2003, e eles tiveram sua filha, Bianca, em 2005. Apesar de terem se divorciado em 2010, eles se reconciliaram mais tarde e estão “vivendo em pecado”, brinca Carrere, desde então.

“É difícil sustentar uma carreira por décadas e décadas, particularmente como mulher”, ela disse. “Mas acho que é uma progressão natural, me assentar e ter uma família, e sou muito grata por isso. Estou gostando muito de ser um líder de tropa das Escoteiras e supervisora em eventos de escola e viagens de acampamento. É incrível.”

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Seguindo em frente

Isso não quer dizer que ela desistiu dos holofotes. Agora com 53 anos, Carrere fará uma série de shows ao vivo de suas novas músicas estilo Sarah McLachlan. Ela também está no Cameo, se você quiser agendar algo com ela, e atualmente estrela em AJ and the Queen da Netflix como a Lady Danger de tapa-olho.

“Adoro entrar em cena como essa grande vilã malvada”, ela disse sobre a série criada por RuPaul e Michael Patrick King sobre uma drag queen azarada. “Estou ansiosa pra ver se a série será renovada para uma segunda temporada.”

Quando precisou de um visual de parar o trânsito para a estreia da série, ela se voltou para um de seus favoritos: uma loja de família chamada Trashy Lingerie que fez o famoso vestido de renda vermelho de QMIM, que ainda está no closet dela 28 anos depois.

“Quando você dá uma entrevista como esta, e pensa sobre a profundidade das experiências que viveu, tenho que me beliscar”, ela disse. “Só sigo em frente.”

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