Que comam brioches colagem punk
Que comam brioches! Arte por Vinicius Trigo. 
Que Comam Brioches!

Que Comam Brioches! Temporada 1, Episódio 1

Saudades da escravatura e da ditadura, né, minha filha?

"É o país do linchamento e do estupro, cada brasileiro carrega um cemitério nas costas" - leia com a voz do locutor de O Bandido da Luz Vermelha. Com todos os debates a partir da ascensão do bolsolavismo magnificados pela lente da pandemia, a elite brasileira tem dado despudoradamente verdadeiros shows tacanhos de mentalidade escravagista. "Foda-se a vida", disse numa noite agitada a blogueira embaixadora do coronavírus no Brasil, sintetizando a forma que muita gente bem de vida tem agido em território nacional. Para, então, cravar nos anais da história o tamanho da escrotidão alheia em tempos tão difíceis, a VICE agora organiza semanalmente um pódio dedicado aos personagens de maior destaque no quesito "fodam-se os brasileiros". Bem-vindxs à coluna "Que Comam Brioches!".

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A semana foi puxada para além do cercadinho que envolve Bolsonaro e seu fiel gado. Tivemos Paulo Guedes querendo fazer um saldão e vender o Brasil; empresário preocupado com a "morte dos CNPJs"; marca que paga de descolex tentando vender máscara de proteção por R$ 147; secretário de comunicação da presidência chamando algoz da ditadura de "herói"; Regina Duarte tergiversando sobre as mortes causadas por covid-19 na TV; percebemos que playboy escroto faz festa em casa de praia durante a quarentena mesmo e foda-se; tivemos presidente de empresa de investimentos falando que o "pico de covid-19 nas classes altas já passou; o desafio é que o Brasil tem muita favela"; e vimos também o Ministro da Doença Nelson Teich passando pano pra rico e dizendo que, caso o SUS entre em colapso, o governo não pode impor o uso de leitos em hospitais privados, mas, sim, "negociar". Afinal, o privilégio do patronato foi conquistado com muito suor e meritocracia, e não pode ser derrubado só porque tem gente morrendo numa pandemia histórica.

Mas, nessa semana, escolhemos como foco tóxico do noticiário os acontecidos em Belem do Pará, a maior capital amazônica. Infelizmente, os belenenses tiveram de lidar com inúmeras irresponsabilidades de gente que detém poder, dinheiro ou influência. Uma dessas pessoas é o prefeito Zenaldo Coutinho (PSDB), que aparentemente está morrendo de saudade dos tempos de escravidão.

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O tucano decretou lockdown (suspensão total de atividades não essenciais) na cidade entre os dias 7 e 17 de maio, anunciando, porém, que o trabalho das empregadas domésticas será tido como essencial. "Uma médica ou médico, por exemplo, precisa de alguém que ajude em casa", falou. Zenaldo, que se diz católico, tem publicado em seu Twitter que quer proteger a vida de todos, mas isso é mentira. Ele quer proteger a vida de patrões e patroas que não conseguem lidar com o fato de limparem a própria privada que usam pra cagar.

A maior prova de que o trabalho doméstico é uma continuidade da escravatura é que o Brasil é um dos países que tem o maior número de domésticas no MUNDO. Parece óbvio, mas é muito importante enfatizar que a maior parte dessas trabalhadoras são mulheres negras, pobres e de baixa escolaridade. Até 2013, se atentem a isso, até 2013 o trabalho doméstico não era regularizado. Um político que quer proteger a todos não coloca vidas na balança. A vida de um médico não pode ser mais importante do que a vida de uma empregada doméstica. Todas as vidas importam.

Zenaldo tentou colocar panos quentes em cima da decisão dizendo que ela foi tomada em conjunto com outros responsáveis. Ele também publicou que dispensou a funcionária que tem em casa e que tem dividido as atividades com a mulher e a filha. Prefeito, problema seu. Ninguém quer saber o que o senhor faz na sua casa. Apenas não coloque a vida das domésticas em risco com as suas canetadas. Mas isso já foi feito.

Falando em gostar de colocar a vida dos outros em risco, ainda em Belém, de acordo com uma reportagem publicada pela Época, três empresários ricaços ignoraram as medidas de prevenção do coronavírus. Eles se contaminaram e, diante da rede pública e privada da cidade colapsadas, rasparam o gato desembolsando cerca de R$ 120 mil para voar num avião-UTI rumo a São Paulo, onde se internarem em hospitais de ponta. São eles Jonas Rodrigues, José Santos de Oliveira e Kleber Ferreira Menezes, que já foi secretário de Transportes do Estado.

"Não era muito adepto do álcool em gel. Estava trabalhando todos os dias no escritório, sem home-office, passeava pela cidade e ia às compras mesmo sendo dono de uma rede de supermercado. Adoro visitar mercados pelo país afora", disse Jonas, segundo a reportagem. Quantas pessoas ele e seus colegas endinheirados podem ter contaminado? Quantas domésticas? Enquanto os comedores de brioche são atendidos pelos melhores médicos da capital paulista, o restante da população belenense padece à espera de macas nos hospitais lotados.

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