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Vice Blog

Anarquistas Ingleses Quase Acabaram com a “Porta dos Pobres” de um Prédio de Apartamentos em Londres

Nas últimas 20 semanas, moradores locais do grupo de ação anarquista Class War têm se reunido em frente ao prédio envidraçado com uma faixa prometendo "devastar as avenidas onde os ricos vivem" – uma citação de 1915 da anarquista de Chicago...

​Numa cidade que não se importa em esconder suas desigualdades, há poucos símbolos de estratificação social tão poderosos quanto as "portas dos pobres" de Londres: entradas separadas em prédios com moradores de rendimentos mistos; assim, os inquilinos ricos não precisam trombar com os vizinhos menos favorecidos no corredor.

No One Commercial Street, um bloco novo de flats de luxo perto da estação Aldgate East, essa separação entre ricos e pobres tem sido uma fonte de resistência constante. Nas últimas 20 semanas, toda quarta-feira, entre 18 e 19h, moradores locais do grupo de ação anarquista Class War têm se reunido em frente ao prédio envidraçado com uma faixa prometendo "devastar as avenidas onde os ricos vivem" – uma citação de 1915 da anarquista de Chicago Lucy Parsons.

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Numa semana, eles ocuparam o hall de entrada da "porta dos ricos"; na outra, puseram fogo num boneco de Boris Johnson, o prefeito de Londres. O protesto tem sido obstinado, turbulento e implacável, e parece ter funcionado.

Depois de 18 semanas de piquete, a construtora Redrow, de Cheshire, decidiu vender suas ações do edifício. Se foi por causa dos anarquistas protestando em frente ao prédio, é difícil saber. Mas, uma semana depois, Taylor McWilliams, o diretor-executivo dos novos donos (a Hondo Enterprises), concordou em encontrar os manifestantes.

"Quando ficamos sabendo que eles tinham se tornado os sócios majoritários, entramos em contato e perguntamos se eles estavam prontos para negociar conosco", disse Stan, um dos ativistas presentes na reunião. "Por incrível que pareça, eles disseram sim. Eles vão ouvir o que temos a dizer, falar com as outras partes interessadas e tentar resolver a questão."

Como gesto de boa vontade, o Class War ofereceu uma trégua temporária. Em frente ao prédio envidraçado, um manifestante segura um cartaz escrito "Adeus, e obrigado pelos peixes". Outros jogam bola na rua, tentando atrair os funcionários do prédio para uma partida de futebol em nome do "espírito de armistício". Eles podem não ter conseguido fazer, como o ativista do grupo Ian Bone descreveu em seu site, "uma revolução soviética em Commercial Street", mas o sentimento no local é de vitória.

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E isso veio em boa hora. Depois de queimar o boneco de Boris Johnson na noite de Guy Fawkes, as coisas começaram a esquentar nos protestos semanais. Duas pessoas foram presas naquela noite; e nesta semana, uma fileira de policiais estava em frente ao prédio, bloqueando a entrada e forçando todos os inquilinos – pobres ou não – a entrar pela porta lateral. Foi um momento tenso para todos, mas o Class War promete que esse será o último protesto até que uma decisão seja tomada.

"Essa é a ultima manifestação contra a porta dos pobres que faremos por um tempo", afirma Lisa Mackenzie, ativista do Class War e pesquisadora na London School of Economics. "O dono quer resolver o problema; então, esperamos que, depois de hoje à noite, não precisemos mais voltar."

Comprar briga por causa de uma porta pode parecer uma escolha trivial. Mas, para os ativistas que vêm organizando os protestos semanais, isso é um ato simbólico de injustiça. "É algo mais amplo que o problema de moradia", me diz Mackenzie. "É sobre como as comunidades e as casas das pessoas estão sendo tratadas como barras de ouro. É assim que a elite rica vê Londres e seus imóveis agora, e as portas dos pobres são um símbolo disso."

É difícil não sentir uma sensação de horror quando se passa pelo One Commercial Street, uma torre envidraçada feiosa numa área que deveria estar às margens da cidade.

Aqui, a chamada "porta dos pobres" foi enfiada num beco mal iluminado, fora da vista do saguão de mármore luxuoso, com seus sofás e lustres de frente para a rua principal.

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Os responsáveis pelo projeto afirmam que separar os inquilinos é uma necessidade prática, não um ato de esnobismo de classe. O serviço de concierge, eles dizem, é caro e algo que os inquilinos mais modestos vão precisar ou querer. Para evitar que um grupo de moradores subsidie o outro, eles construíram entradas separadas. Mas os ativistas não concordam.

"Acho ridículo", criticou Stan. "Por que eles precisam pagar por um serviço de concierge? Por que eles precisam disso, em primeiro lugar? Estamos em East London, uma área tradicional da classe trabalhadora para as comunidades de imigrantes. Os moradores deviam ser livres para entrar e sair como quisessem – essa é a casa deles."

Os protestos contra as porta dos pobres têm sido uma revelação para o Class War, um grupo que surgiu nos anos 80, mas que ficou parado por anos. Nas últimas semanas, seus ativistas perseguiram Ian Duncan em seu circuito eleitoral em Chingford, fizeram uma visita hostil à mansão de £ 7 milhões do crítico de impostos Griff Rhys Jones e montaram uma campanha eleitoral para maio de 2015.

"Estou em Bethnal Green", destaca Scott McDowell, um dos candidatos do grupo. "Conheço o grupo desde os anos 80, mas só me envolvi realmente depois dos protestos contra a porta dos pobres. Desde que os tories subiram ao poder, tem havido muita segregação social e econômica. Áreas pobres estão se tornando ricas e de classe média, e nós não temos mais aonde ir. Quero dar uma voz aos pobres."

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Marina Pepper também é uma recruta recente. Ela sabe que o grupo não tem a menor chance de vencer as eleições, mas a possibilidade de emputecer Ian Duncan Smith era uma oportunidade que ela não podia recusar.

"Estou concorrendo contra ele em Chingford e Woodford Green", ela me conta. "O eleitorado dele votaria num burro morto que tivesse uma roseta azul colada no freio. Mas ele é o político mais ineficiente, mesquinho e sórdido do Reino Unido. Se eu puder tirar alguns votos dele, já fico feliz."

Enquanto os aluguéis sobem, os salários caem e os benefícios são cortados, algo parece ter despertado em Londres. Grupos protestando por habitação, como as mães do Focus E15 e o New Era For All, estão inspirando uma onda de protestos, desafiando a ideia de que deslocamento é um processo natural e inevitável.

E como o Class War, esses grupos também estão obtendo vitórias. Duas semanas atrás, depois de um protesto colorido e alguma publicidade, a empresa da família de Richard Benyon, o parlamentar mais rico do país, recuou no projeto New Era. Alguns meses antes, as mães do Focus E15 também ganharam direito à moradia depois de o conselho municipal de Newham ameaçar tirá-las de Londres e mandá-las para longe de suas famílias e amigos. Ligar-se a esses grupos é o próximo passo para o Class War.

Lisa Mackenzie.

"Queremos nos juntar a diferentes grupos", explica Mackenzie. "Estamos tentando nos organizar mais e alimentar a ideia de que as pessoas da classe trabalhadora precisam lutar e ser agentes da mudança. É por isso que estamos concorrendo ao Parlamento. Ninguém acredita que teremos votos suficientes para manter nossos depósitos, mas o que estamos fazendo é desafiar e subverter o sistema."

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Mas, mesmo com essas ambições elevadas, eles não vão perder as portas dos pobres de vista. Ninguém sabe quanto tempo o cessar-fogo vai durar na Whitechapel Road, mas, se a porta dos pobres continuar existindo, o Class War vai voltar.

"Se nada acontecer e não recebermos as respostas que estamos procurando, vamos voltar em maior número ainda", ameaçou Stan. "As pessoas estão começando a se cansar de serem enxotadas de um lado para o outro."

E não é só com isso que Aldgate deve se preocupar. O projeto Prince's Park, em Kentish Town, tem entradas segregadas. E um novo prédio em East Croydon (também da Redrow) está tentando instalar uma porta dos pobres.

"Nossa mensagem para os desenvolvedores imobiliários de Londres é que a cidade não é o livre mercado que eles pensam", explica Mackenzie. "Se eles vierem aqui para devastar a comunidade das pessoas, vamos reagir."

@Pkleinfeld / @jackpasco

Tradução: Marina Schnoor