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Como fazer o autoexame do tipo mais letal de câncer de pele

Os casos de melanoma só tem aumentado nos últimos 20 anos.
Dimitri Otis/Getty Images

Minha prima de 23 anos, Tarlie Townsend, notou o surgimento de uma nova pinta em sua bochecha direita enquanto viajava pelo Camboja durante seu programa de bolsa de estudos em fevereiro de 2014. Ela estava no banheiro em uma zona rural quando viu seu reflexo em um pequeno espelho pela primeira vez em dias. No mesmo instante, ficou chocada com aquilo. Parecia uma espinha ou um papiloma.

“Lembro de olhar no espelho e ficar meio tipo ‘de onde veio isso?’”, ela me disse. Sua família materna tem um histórico de câncer de pele, então desde pequena aprendeu a buscar sinais da doença. Ao voltar ao Vietnã, onde morava durante a o programa, ela buscou por traços de melanoma e examinou o local com um sistema comum de autoexame chamado ABCDE. Em inglês, o acrônimo se refere a formato irregular, extremidades irregulares, cores múltiplas ou irregulares, diâmetro maior que a borracha de um lápis e formato, tamanho, cor ou qualquer outra característica em evolução.

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A nova pinta de Tarlie não se encaixava nestes critérios: tinha um formato de domo, a cor era semelhante à de sua pele com tons rosados e extremidades regulares. Não se assemelhava às outras que ela tinha.

Quando ela observou tabelas comparando fotos de sinais benignos e malignos na pele, logo ficou aliviada ao perceber que o sinal na primeira página se assemelhava ao seu.
Seriam necessários 10 meses e diversos médicos em três países diferentes antes que a pinta fosse diagnosticada corretamente como melanoma nodular – um tipo de câncer de pele invasivo de rápida evolução, semelhante a uma pinta ou uma espinha.

A remoção completa de melanomas antes que se enraízem na pele pode ser uma opção de tratamento, mas devido às complicações de diagnóstico do melanoma nodular, o melanoma de Tarlie havia chegado aos seus gânglios linfáticos quando ela foi diagnosticada em dezembro de 2014. Ela tinha melanoma de terceiro grau, com chances de cinco anos de sobrevivência na casa dos 59 e 78% - ou seja, essa porcentagem indicava a probabilidade de permanecer viva cinco anos após o diagnóstico. Ela estava na casa dos vinte e nunca tinha sofrido nenhuma complicação séria de saúde.

O número de casos de melanoma vem crescendo nos EUA ao longo dos últimos 20 anos. Estima-se que um em cada 54 norte-americanos correm risco de desenvolver algum tipo de câncer de pele agressivo ao longo da vida. A ocorrência de melanoma em jovens também tem se mostrado bastante frequente: em 2009, a incidência da doença em melhores com idades entre 18 e 39 anos era oito vezes maior do que anos 1970, graças em parte ao bronzeamento artificial. Em homens na mesma faixa etária, a incidência se mostrou quatro vezes maior.

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Por mais que apenas 15% dos melanomas sejam do tipo nodular, estes estão ligados a 50% das mortes pois penetram a pele mais rapidamente que outros tipos de câncer de pele, logo atingindo os gânglios linfáticos. Entre 1978 e 2007, o número de casos de melanoma nodular e indíces de sobrevivência permaneceram inalterados.

Melanomas nodulares também contam com diagnóstico dificultado porque não se encaixam no método ABCDE de detecção de câncer. Em sua maior parte, os nódulos apresentam-se simétricos, de diâmetro reduzido e em uma só cor. Muitos são escuros, mas 5% apresentam tons avermelhados ou rosados, assemelhando-se a infecções ou espinhas.

Em 1998, o dermatologista francês Jean-Jacques Grob propôs um novo sistema de identificação de melanomas que passam batidos pelo método ABCDE. Grob notou que uma pessoa geralmente produz pintas semelhantes umas às outras, então uma lesão que não se assemelha ao padrão do corpo pode ser cancerosa ou pré-cancerosa, mesmo que não apresente os indícios clássicos de câncer de pele. Grob se referiu a estas como “sinal do patinho feio”.

Ashfaq A. Marghoob, diretor de dermatologia clínica do Memorial Sloan Kettering Skin Cancer Center Hauppauge de Nova York, nos EUA, está empreendendo esforços para incluir o tal sinal do patinho feio em diretrizes de autoexame. Ele e outros pesquisadores desenvolveram novos critérios de detecção que combinam o ABCDE clássico com o sinal do patinho feio, referindo-se aos novos critérios pelo nome DUC, ou “Do U C Melanoma?” [Você vê melanoma? em tradução livre], cuja sigla em inglês também significa “diferente de outros sinais”, “características desiguais” (incluindo o ABCDEs mencionado anteriormente) e “mudança ao longo do tempo”.

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“Sentíamos que o sistema ABCDE não contemplava todas as características necessárias para detecção de melanoma, então queríamos descobrir o seguinte: há um método mais simples que poderíamos utilizar?”, disse Marghoob.

Com base no método ABCDE, o sinal de Tarlie não apresentava nenhum risco, já sob o DUC, talvez fosse caso para alerta. Em vez disso, o melanoma de Tarlie acabou sendo diagnosticado erroneamente como infecção, e como não sumiu no decorrer de algumas semanas, ela acabou indo até uma dermatologista em Hanói, que lhe prescreveu antibióticos. “Ela não mencionou nenhuma grande preocupação”, disse Tarlie.

Os antibióticos não deram em nada, então em junho, Tarlie fez outro exame. Antes de partir para Xangai, ela encontrou um dermatologista local que havia estudado nos EUA e lhe haviam recomendado para o tratamento de ocidentais. Ele não acreditou se tratar de uma infecção, mas um emaranhado de vasos sanguíneos que haviam estourado; sem demonstrar grandes preocupações, sugeriu retirá-lo com laser para fins cosméticos e fazer uma biópsia apenas das camadas superiores. Por mais que tais biópsias superficiais apresentem grandes índices de precisão, estas podem não conseguir tecido o bastante para revelar a profundidade de um câncer de pele e não removem o nódulo por completo.

“Se ele tivesse feito uma biópsia mais extensa, talvez descobrissem antes o que estava acontecendo”, comentou Tarlie.

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O resultado da biópsia de Tarlie revelou um nódulo de risco baixo a moderado. O dermatologista afirmou não ser caso de urgência, mas sugeriu que ela ficasse de olho no nódulo. Com base neste conselho, ela decidiu fazer um terceiro exame ao voltar aos EUA em setembro. Lá, ela afirma que o dermatologista não ligou muito e se frustrou com seu caso.

“Ele ficou bastante chateado e não sabia o que fazer com o fato de que algumas das informações que apresentei estavam em chinês e basicamente me disse que não teria como ajudar porque não entendia a língua”, afirmou.

Foram necessários três meses para a consulta com um cirurgião plástico, agendamento e cirurgia de remoção. Ao longo destes três meses, o melanoma retornou aos poucos. Desta vez amorfo e plano, como uma ameba. Ainda assim, Tarlie não estava preocupada, afinal, havia consultado três dermatologistas em três países diferentes, com nenhum destes considerando aquele sinal algo perigoso. Além disso, a biópsia superficial realizada não indicava nada grave.

“Fui sendo reassegurada pelos dermatologistas consulta após consulta, então não havia com o que me preocupar”, disse Tarlie. “Somente em outubro percebi algo de errado, mas não estava com tanto medo assim por confiar no sistema. Havia me consultado com médicos de excelente formação na China e nos EUA. Pensava que se fosse um caso em evolução, eles demonstrariam preocupação maior.”

A remoção

Um cirurgião plástico removeu o melanoma em 11 de dezembro, dez meses após seu surgimento no Camboja. Uma semana depois, Tarlie recebeu uma mensagem de voz do cirurgião, que pedia que ela entrasse em contato. Ao discar o número, ela se surpreendeu ao notar que ele havia lhe dado seu telefone pessoal.

“Ele parecia meio frustrado quando me identifiquei e disse do que se tratava”, relembra Tarlie. “Deu pra perceber que ele estava no aeroporto e meio esgotado. Ele disse ‘ah sim, você. Infelizmente os resultados chegaram e aquilo era um melanoma. Tenho que desligar agora, mas quero que você vá ao site cancer.gov e confira seu prognóstico;”

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Ao desligar, Tarlie visitou o endereço cancer.gov, mas não teve força para conferir as informações. Ela estava sozinha em casa e tentava freneticamente falar com sua mãe, que estava no trabalho, e começou a mandar mensagens para amigos. Assim que entrou em contato com sua mãe, ela foi ao chão.

“Eu disse ‘é melanoma’”, relembra. “Ela perguntou ‘do que você está falando?’ e eu disse ‘é melanoma, é melanoma’”.

De dezembro de 2014 a fevereiro de 2015, Tarlie passou por três cirurgias para remoção dos gânglios linfáticos de seu rosto e pescoço que poderiam ser afetados pelo câncer. No total, 20 gânglios foram removidos e o melanoma havia atingido ao menos dois.

“Cada minuto parece um dia inteiro quando você está na fila para ser operada, quando espera os resultados de cada cirurgia”, disse. “Era como se alguém tivesse jogado um cobertor no sol, um daqueles sonhos em que você corre sem sair do lugar. Tudo passa devagar, com um clima de desespero no ar e não há muita luz.”

As cirurgias deram cabo de quaisquer resquícios do melanoma e Tarlie está assintomática há três anos. Infelizmente, o melanoma conta com uma alta taxa de reincidência, então ela passa por exames regulares além de sempre cuidar da saúde e não esquecer do filtro solar.

Tarlie agora é candidata de PhD em sociologia e políticas de saúde e considera os próximos passos de sua carreira. Ela também passará o verão viajando pela Europa e EUA. Ela acredita que as pessoas devam buscar informações sobre histórico de melanoma na família se possível, bem como sobre melanoma modular e o sinal do patinho feito. O melanoma pode sim ser prevenido. Proteger a pele dos raios ultravioletas e ficar em dia com métodos e técnicas de detecção pode ajudar a salvar sua vida.

“A probabilidade de reincidência diminui com o passar dos anos, mas nunca chega a ser insignificante”, afirma. “Estou longe de estar segura.”

Artigo originalmente publicado na VICE US.

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