No Mundial da carne não existem perdedores

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Chef na Área

No Mundial da carne não existem perdedores

Demos um giro pelos melhores churrascos das culturas que disputam o torneio, do Uruguai à Coreia do Sul e Nigéria.

Conteúdo feito em parceria com a Jim Beam.

Ouvir as palavras “corte” e “Mundial” na mesma frase causa frio na espinha do torcedor – até porque o trauma do corte do Neymar em 2014 ainda cala fundo. Mas aqui o caso é diferente: no Mundial do churrasco, quanto mais cortes diferentes de carne, melhor.

No Brasil, a picanha é top of mind, ainda mais se estiver ao ponto – churrasco sem picanha equivale a uma equipe sem atacante. Além disso, linguiça, queijo coalho, asa e coração de frango têm presenças garantidas. Mas como são os modos de preparos em outros cantos ao redor do mundo?

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Antes de qualquer coisa, é necessário levar em conta o modo como bois, porcos cordeiros e afins são criados. Afinal, o animal, em especial o boi, é fruto do meio.


Assista nosso Encontro de Chefs:


“Em determinado país, a grama é o alimento principal. Já em outro país, que pode ser mais seco ou frio, o animal não come tanta erva e não fica tão solto no campo, mas o terreno é mais seco e pode comer uma fruta ou outro tipo de comida. Isso faz diferença na musculatura, na gordura da carne e na textura”, explica Oscar Bosch, chef do restaurante Tanit, sobre o modo como a criação dos animais interfere na qualidade e no gosto da carne.

A boa fama da carne produzida pelos nossos hermanos argentinos e uruguaios é garantida pelo modo como eles criam bois. Na terra de Luisito Suárez e de Edinson Cavani, em especial, eles são criados livres e soltos, e se alimentam principalmente no pasto. Mas esse tipo de criação tem se tornado algo exclusivo dos charruas.

“Isto é cada vez mais raro na Argentina, em função da grande quantidade de terras que dão lugar às plantações de soja, forçando a criação do rebanho pelo sistema de confinamento e alimentação por ração”, pontua Renato Zuchi Vezzoni, assador e gerente da Underdog Del Campo Carniceria, sobre o modo como portenhos têm criado bois nos últimos tempos.

Já no Brasil, o gado é criado solto no pasto e é confinado nos últimos quatro meses, fase na qual a alimentação é feita à base de ração. Todavia, o status tem melhorado nos últimos tempos. “Muito do sucesso da carne brasileira de hoje deve-se à evolução genética das raças e à escolha da raça britânica Angus, cuja característica biotípica é de formação de gordura entremeada na carne - marmoreio”, destaca o gerente da carniceira do Underdog.

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Churrasco dos vizinhos

Argentinos e uruguaios curtem recorrer a miúdos, o que pode causar estranheza para os brasileiros menos aventureiros. “Por incrível que pareça, o coração de galinha pode ser esquisito para algumas pessoas, mas é supercomum em churrascos no Brasil. Aqui não há tripa do boi, mas se come na Argentina. Cada país tem as suas preferências e a própria cultura”, destaca Bosch, sobre o gosto por miúdos que faria meio mundo torcer o nariz por aqui.

Outra particularidade do asado argentino e uruguaio é a inserção dos cortes de carne diretamente na parrilla rasa, que consiste em grelha situada a distância pequena da fonte de calor. “Não se usa carvão e muito menos fogo direto na carne, apenas brasa produzida pela queima de lenha, em um compartimento anexo posteriormente trazido para baixo da grelha com a ajuda de um puxador de ferro”, ressalta Zuchi Vezzoni.

Em resumo, os cortes mais tradicionais nos dois países são o assado de tira, que consiste em corte da costela dianteira bovina; bife de chorizo; ojo de bife; vacio; achuras, que são as entradas tradicionais em ambos os países; mollejas, ou seja, glândulas do timo do boi; chinchulines, que é o intestino delgado; os riñónes, conhecidos por aqui como rins; e morcilla doce ou salgada – ou seja, chouriço com sangue.

No outro lado do mundo

Para quem acha que japoneses e sul-coreanos não fazem churrasco, eis uma notícia: isso está errado. OK, pode até não ser do modo como conhecemos e fazemos por aqui, mas eles sabem aproveitar os prazeres da carne.

O lance na Coreia do Sul é o bulgogi, que consiste em carne marinada em molho de soja, gergelim e alho. Após essa etapa, o consumidor pode colocar a carne direto na grelha (muitas vezes dispostas na própria mesa do restaurante) e saborear direto do fogo.

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Já no Japão, o que pega é o yakitori, espetinho de diferentes cortes (inclusive com inúmeras opções vegetarianas) tostado diretamente na brasa. Claro, o molho shoyu não poderia faltar. Além disso os nipônicos são mundialmente conhecidos pela produção do bife de Kobe, a “carne mais macia do mundo”, cujo corte deriva do gado Wagyu.

“Esta raça recebe tratamento especial. O gado é escovado com saquê para o pelo ficar brilhante e o couro, macio. Por causa de alimentação específica, a carne desse animal ganha gordura entremeada”, descreve o gerente da carniceira do Underdog.

Arrojo africano

Apesar de pouco sabermos sobre a culinária de países africanos, em comparação com o que conhecemos sobre os hábitos alimentares de europeus e asiáticos, o rolê deles é dos mais interessantes.

Se os nigerianos foram eliminados na fase de grupos por muito pouco, por outro lado, eles estão garantidos na próxima fase quando o assunto é churrasco – ou, para usar o nome local, suya. “A suya é o assado popular, principalmente na região norte. Trata-se de espetados de carne bovina, ovelha ou cabra, preparados com amendoim moído agregado de páprica, gengibre e malagueta alho”, conta Zuchi Vezzoni.

Churrasco en España

“Na Espanha, o porco é o animal que a gente come do focinho até o rabo – a gente usa tudo. Sempre tem muita carne de porco no churrasco. Há também cordeiro e carne de boi, mas não são os mesmos cortes daqui: as peças maiores.”, explica Oscar Bosch, catalão de nascença. Ele ainda avisa que o churrasco feito nas bandas da Península Ibérica tem também costelas de cabrito e de cordeiro.

Além disso, uma especialidade do País Basco, localizado ao norte da Espanha, é a linguiça chistorra, feita à base de carne suína com páprica. Outro destaque é, de acordo com Renato, o restaurante El Capricho, localizado na região de León, considerado pelos assadores como a melhor carne do mundo.

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“Lá são servidos os chuletons - chuleta em português -, provenientes de gado abatidos entre 13 e 15 anos, o que surpreende qualquer criador de gado e chefs assadores por ser considerado excessivamente velhos para corte. As carcaças passam por processo de maturação no próprio restaurante e são encomendadas por importantes chefs de todo o mundo”, cita o assador.

E na Austrália?

E não dá para falar de boi sem falar de outro país entre os maiores consumidores e produtores de carne do mundo, a Austrália. Entre as novidades australianas está o wall fire (“parede de fogo” em português), que consiste em prateleira de aço que conta com três a quatro níveis, nas quais são incluídos carvão ou lenha. Esse método é usado no Dark Mofo, festival musical de inverno do país.

São incluídas no wall fire peças inteiras de carnes suínas e bovinas, cujo processo de cocção dura entre 18 e 20 horas. Já as aves são usadas com frequência também, sendo penduradas em varais para serem assadas.

Outra técnica especial desenvolvida pelos australianos é a chamada “dry aged”. “O método consiste no processo de ação de enzimas nas peças de carne sob temperatura, umidade e ventilação controladas dentro de uma câmara isolada. A ação dessas enzimas causa relaxamento nas fibras da carne, tornando-as macias e conferindo sabor único. As peças de carne chegam a ficar meses maturando, de acordo com o resultado que se espera”, finaliza Renato.

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