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Saúde

Como a dieta cetogênica pode atrapalhar seu cocô

Se você não consegue cagar ou vive com diarreia, melhor repensar sua dieta.
Como a dieta cetogênica pode atrapalhar seu cocô
Foto: Eldad Carin/Stocksy

Se você já tentou fazer a dieta cetogênica ou keto – aquela dieta “milagrosa” rica em gordura e com baixo consumo de carboidratos – você provavelmente se viu em um desses dois campos.

Campo número 1: não consegue cagar.

Campo número 2 (risos): não consegue parar de cagar.

Sei disso porque uma vez segui a dieta por quatro meses e, bom, caros leitores, fiquei no campo 1. E foi bem difícil.

Mas acontece o seguinte: como muita gente entra na dieta por conselhos de amigos, não por ter sido indicada por um médico, não é um médico que você procura quando as coisas dão errado. Em vez disso o pessoal procura os amigos. Mas não seus amigos da vida real. Aí seria muito constrangedor.

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Em vez disso, você digita “como parar de cagar/como cagar” na barra de busca e espera o conselho do Dr. Google. Aqui temos um gráfico do Google Trend das buscas por “prisão de ventre keto” e “diarreia keto” nos EUA nos últimos cinco anos (e parece que mais gente está lidando com diarreia que prisão de ventre).

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Screenshot: Google Trends

“Como moderadora do grupo de apoio do Facebook 'Dirty, Lazy Keto', recebo um monte de mensagens privadas de seguidores que estão com vergonha de postar suas preocupações no grupo”, diz Stephanie Laska, autora de Dirty, Lazy Keto: Getting Started, How I Lost 140 Pounds. “Percebi que todo mundo gosta de documentar e compartilhar fotos de todas as refeições no fórum, e do lado oposto as pessoas ficam com vergonha de falar sobre movimentos intestinais e prisão de ventre.”

Laska também teve problemas intestinais quando começou a dieta Atkins, que permite menos vegetais e defende maior consumo de proteínas que a keto. Atkins também conta com muitas refeições prontas para comprar, o que Laska diz que atrapalha todo o sistema. Agora que ela faz uma dieta keto modificada, que inclui muitos vegetais com baixo teor de amido, como espinafre e couve-de-folhas, tem muito orgulho em dizer: "Meus movimentos intestinais são saudáveis e regulares”.

O que nos fez questionar: tem alguma coisa errada em comer muita gordura e proteína e poucas fibras? Deveríamos nos preocupar que a dieta da moda que as pessoas supostamente estão fazendo pela saúde tem um efeito colateral tão comum que gerou várias threads (cocô gigante! Cocô lápis! Poção do cocô!) no Reddit? E quão sólido (risos, OK, parei) é o conselho que esses grupos têm a oferecer?

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Aqui vai a boa notícia: Prisão de ventre provavelmente não vai te matar. “Intestino preso não é cancerígeno nem nada do tipo”, diz Nitin Ahuja, gastroenterologista e professor-assistente de clínica geral da Penn Medicine. Você pode viver os próximos 15 anos da sua vida sentando e levantando do trono de porcelana e isso não vai causar nenhum problema sério, apesar de prisão de ventre poder levar a hemorroidas – que são veias retais inchadas que podem ser provocadas pela pressão do esforço e pioradas pela passagem de cocô duro. E você pode andar por aí se sentindo uma mangueira de incêndio ligada 24 horas, tem isso também. (Ahuja disse que não vê muitas pessoas fazendo dieta keto em seu consultório por problemas intestinais, mas ele imagina se não é porque a dieta não é recomendada por muitos médicos, e por isso os pacientes podem não contar sobre seus novos hábitos alimentares.)

Enquanto prisão de ventre não é perigoso, Ahuja tem outras preocupações na questão dos efeitos da dieta keto no seu intestino. Por exemplo, prisão de ventre crônica provavelmente é um sintoma de que você não está consumindo fibras suficientes. Fibras são a base do cocô. São dois tipos de fibras: fibras solúveis acrescentam massa, enquanto fibras insolúveis atraem água para o cocô e ajudam a acelerar os movimentos dele pelo seu intestino, diz Ahuja.

“Sabemos por estudos epidemiológicos que dietas ricas em fibras parecem ser uma proteção contra câncer colorretal”, ele fala, acrescentando que também sabemos que consumo alto de carne pode ser um fator de risco para a doença. Especialmente carnes processadas, como bacon, um dos alimentos preferidos da dieta keto. Claro, esses estudos mostram apenas correlação, não causa, então não podemos dizer ainda que carne ou fibras são um risco ou uma recompensa.

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Ahuja também se preocupa com o que uma mudança drástica de dieta pode fazer com seu microbioma. “Fico hesitante em fazer comentários sobre o microbioma porque muito do que sabemos ainda é baseado em especulação”, pondera. Mas estudos recentes mostraram que pessoas fazendo a dieta FODMAP, um protocolo baseado em pesquisa para lidar com a síndrome do intestino irritável (SII), podem apresentar mudanças no microbioma em apenas três ou quatro semanas. Ahuja não consegue imaginar um cenário onde isso também não é o caso com a dieta keto. Por que isso importa? Enquanto a pesquisa ainda está nos estágios iniciais, há evidências de que o microbioma tem um papel importante no sistema imunológico, metabolismo e até na saúde mental.

Ahuja diz que a maioria dos remédios para intestino preso que vemos online não são perigosos. Laska, por exemplo, geralmente recomenda parar de comer “porcarias keto”, como barras superprocessadas e queijo em todas as refeições. “A questão aqui é que não tem como enganar o sistema. Não há buracos na dieta keto. Você tem que contar seus carboidratos da maneira mais saudável possível”, sugere. Se acrescentar couve-de-folhas ou brócolis (dois vegetais low-carb com muita fibra) não ajudar, linhaça ou chia podem resolver o problema, ela acrescenta. (Mas para dietas mais restritas, chia pode representar uma boa parte da sua contagem de carboidratos do dia.)

Esse foi o conselho que Rebecca (que pediu para não ter o sobrenome publicado por questões de privacidade intestinal) de Durham, Carolina do Norte, recebeu ano passado quando tentou fazer a dieta. “Tentei fazer pudim de chia mas era meio nojento e difícil de adoçar”, contou, acrescentando que “também considerei beber psyllium em pó com leite de amêndoas, mas o gosto era horrível”.

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No final das contas? Ela desistiu da dieta. Não porque tentar cagar era quase uma sessão de cárdio diária, mas porque ela tinha menos energia para fazer exercícios e tinha que limitar seus alimentos favoritos. “Sério, manter uma contagem de carboidratos de 50 gramas ou menos é bem desanimador para quem gosta muito de banana, frutas, tubérculos e legumes de raiz como eu.”

E, claro, temos o outro lado da moeda keto: o pessoal que tem caganeira. Essas pessoas provavelmente estão sobrecarregando seu corpo com gordura, diz Ahuja. Se seu pâncreas não consegue quebrar a gordura rápido o suficiente, você vai acabar com diarreia. A solução aqui é simples: pegue mais leve na manteiga, bacon e óleo MCT (ou triglicerídeos de cadeia média; que é o que as pessoas acrescentam no tal café à prova de balas, além de manteiga). Novamente, Ahuja diz que, a curto prazo, intestino solto provavelmente não é perigoso, mas definitivamente é chato.

O que podemos tirar de tudo isso é que provavelmente não é tão ruim tirar conselhos intestinais para sua dieta keto da internet. Mas Ahuja tem dois avisos sérios. Você tem que consultar um médico se não consegue fazer cocô sem ajuda de laxantes – que não é algo que Ahuja recomenda aos seus pacientes, porque pode ser um formador de hábito e reduzir a capacidade do seu intestino de fazer seu trabalho natural a longo prazo. “Os laxantes mais comuns são bisacodil e senosídeo”, ele diz, acrescentando que se você acha que não está usando esses medicamentos de forma segura, é melhor procurar um médico.

O segundo conselho é que abusar de laxantes tem consequências. “Temo que o tipo de pessoa que adere a uma dieta keto muito restritiva também é o tipo de pessoas que pode abusar dos laxantes.”

Finalmente, se há uma mudança súbita no seu jeito de fazer cocô, saiba que isso pode ser uma questão estrutural versus uma questão de dieta. Estranhos na internet não podem te dar um diagnóstico. E nem deixe eles tentarem.

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