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O que fez com que os donos de 'GTA' se tornassem tão reclusos?

Sam e Dan Houser devem até ter trauma de café quente.
Sam e Dan Houser, fundadores da Rockstar Games. Imagem: Sam Spratt/Divulgação.

GTA XX é a série especial da VICE Brasil, com entrevistas e análises exclusivas, que celebra os 20 anos da franquia que mudou tudo nos games.

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"Eu não posso falar sobre GTA e Rockstar… tipo, nada". As palavras de Stephen Bliss foram como um chute no saco. Ele veio para a Brasil Game Show 2017, que rolou neste mês, por ser o cara que criou as icônicas capas dos jogos de Grand Theft Auto desde GTA III, além de muitas das artes promocionais da série. E apesar de ser anunciado na programação da feira como "artista de GTA", ele não podia falar nada sobre os jogos.

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Em uma outra situação, também não conseguimos trocar uma ideia com os responsáveis pela ótima localização de GTA V para português brasileiro. O motivo era o mesmo. As tentativas de falar com pessoas envolvidas em GTA parecia uma missão do game, mas uma dessas missões em que falhamos por dar de cara com uma parede com o R e a estrela que formam a logo da Rockstar. Se fodeu.

Toda essa dificuldade para conseguir falar com qualquer pessoa ligada à empresa responsável por GTA não deveria ser uma surpresa. A Rockstar Games é conhecida por ser bem restrita e difícil de se falar. Os irmãos Sam e Dan Houser, respectivamente presidente e vice presidente da empresa, e responsáveis por tornar GTA o fenômeno cultural que é hoje, também não são de dar entrevistas e pouco aparecerem publicamente. A última dessas aparições foi em 2014, no BAFTA, a premiação da academia de filmes britânicos que também inclui games.

"Eu gostaria que ele [Sam Houser] desse mais entrevistas, mas eu sinto que a Rockstar está se abrindo mais hoje em dia", falou Harold Goldberg, jornalista que conseguiu bater um papo maneiro com o dono todo-poderoso de GTA para uma matéria na Playboy (em inglês), na época do lançamento de GTA V, em 2013. Essa foi a última entrevista que Sam Houser deu até agora.

Em parte, a postura dos Houser de ficarem na deles é justificada por todas as polêmicas que GTA causou desde o primeiro game, que completou 20 anos neste mês de outubro.

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Aaron Garbut (diretor de arte, estúdio Rockstar North), Sam Houser, Dan Houser e Leslie Benzies (presidente, Rockstar North) no BAFTA em 2014. Foto: BAFTA/Reprodução.

A violência dos jogos da série sempre atraiu ataques de políticos conservadores e o banimento da sua comercialização em alguns poucos países, como a Austrália. Tudo isso mais ajudou a série a ficar popular do que atrapalhou. Afinal, o que é proibido e é polêmica sempre gera mais interesse. Só que a situação ficou tensa e realmente séria com o caso do famigerado minigame de sexo "Hot Coffee" de GTA: San Andreas.

Para quem não lembra ou não sabe desse rolê, um minigame de sexo – em que uma das namoradas do protagonista o convidava para tomar um "café quente" na sua casa, por isso o nome – foi encontrado escondido nos códigos de GTA: San Andreas pela comunidade de mods do jogo. A cena de sexo não estava na versão final do game e só poderia ser acessada baixando um mod para a versão de PC, mas não importava. Políticos acusaram a Rockstar de esconder conteúdo pornográfico em um produto que podia ser acessado por crianças (mesmo o jogo sendo classificado para maiores de 17 anos).

Por causa da polêmica, todas as cópias de GTA: San Andreas tiveram que ser retiradas das lojas e depois relançadas sem o minigame no código, o que causou prejuízos na ordem de US$ 25 milhões. A Rockstar também foi processada por todos os lados e, para piorar, ela chegou a ser investigada pelo governo americano, e Sam Houser teve até que depor no congresso.

"Depois de anos se portando como autoproclamados rebeldes da indústria, ser tratado como bandidos de verdade não foi muito legal."

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O livro O Grande Fora da Lei – A Origem do GTA, mostra em detalhes como Hot Coffee teve consequências severas para a Rockstar e Sam Houser. O autor David Kushner usou diversas entrevistas da época, falou com pessoas envolvidas na treta (os irmãos Houser, claro, não quiseram participar do livro) e teve acesso a e-mails internos da Rockstar para remontar toda a história.

"Depois de anos se portando como autoproclamados rebeldes da indústria, ser tratado como bandidos de verdade não foi muito legal", escreveu Kushner. "Os empregados [da Rockstar] ficavam quietos e escondidos atrás das mesas na sede, brincando com as próprias chaves."

"Membros da equipe de imprensa e relação públicas ainda quebravam a cabeça para lidar com a recusa da Rockstar de discutir o escândalo em detalhes com a imprensa."

Hoje, o mod de 'Hot Coffee' é mais ridículo do que sexual. Imagem: Reprodução.

Acordos posteriores fizeram a companhia não ficar em maus lençóis com tantos processos e investigações nas costas, mas o dano já estava feito. A partir de então, a Rockstar ficou reclusa, assim como os irmãos Houser, que davam entrevistas vez ou outra e só para promover seus novos jogos.

As consequências podem ser sentidas até hoje, quando não conseguimos bater um papo com um artista envolvido com o jogo ou mesmo para saber mais como foi o processo de localização de GTA V.

Sam Houser. Imagem: Sam Spratt/Divulgação.

Dada a sua posição na empresa, hoje Sam se tornou mais a cara pública da Rockstar que seu irmão, Dan. Harold Goldberg teve a sorte de entrevistar Sam Houser mais de uma vez e, na última, pode conversar por horas com essa figura tão peculiar do cenário de games e que poucos ainda conhecem totalmente.

"Ele é um cara complexo", disse o jornalista. "Assim como muitas pessoas inteligentes, a maneira como ele vê o mundo não é só preto no branco. Há muitas áreas cinzas também."

"Você deve acreditar em si mesmo para fazer esse tipo de trabalho [comandar uma empresa responsável por um jogo tão importante]. Não sou filósofo, mas acho que uma boa combinação de entusiasmo, inteligência, orgulho e ética são essenciais para o sucesso. E eu acho que Sam Houser tem tudo isso."

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