A Lydia Lunch acha a indústria musical uma merda e não é agora que isso vai mudar
Foto: Floriana via Flickr

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Música

A Lydia Lunch acha a indústria musical uma merda e não é agora que isso vai mudar

Envolvida na produção do curta digital ‘Venus Flytrap’, ao qual se refere como o “Spinal Tap feminino”, a pioneira do no-wave está de saco cheio de tanta homogeneidade.

Entrevista originalmente publicada no Noisey US.

Da última vez que conversamos com Lydia Lunch ficamos com a impressão de que ela não ia muito com a nossa cara. Dessa vez seguimos sem ter certeza se ela nos odeia ou não, mas ao menos sabemos que ela continua foda como sempre. Ainda bem que certas coisas nunca mudam.

Notória iconoclasta e pioneira lendária do no-wave, Lunch está de volta a Nova York após anos na Europa, trabalhando ao lado de uma nova geração de punks em Venus Flytrap, curta digital na pegada de This Is Spinal Tap e The Mighy Boosh desafiando o patriarcado da indústria musical, cujo objetivo é levar aos espectadores uma "experiência do ponto de vistas queer". "Por que as mulheres sempre são groupies, roadies, integrantes de conjuntos vocais ou facilitadoras para os caras?" questiona a produção.

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Encontramos com Lydia no East Village e meio que só deixamos ela falar porque é isso que se faz quando se conversa com Lydia Lunch.

Noisey: O que te traz aqui hoje?
Lydia Lunch: Você! Você me trouxe aqui. Bem, vim falar sobre Venus Flytrap, o projeto de Adele Bertei que incorpora todas as mulheres envolvidas com o underground de alguma forma em uma série que cuja intenção é ser a versão feminina do Spinal Tap, inédita até agora e eu acho isso bem empolgante. Essa é uma das razões pelas quais estou aqui agora, neste momento. Conheço Adele desde 1977 e sei que muitas mulheres toparam fazer parte disso e creio que seja mesmo a hora de ter algo assim sendo feito. É um lance de mulheres mais velhas ensinando às mais jovens o que realmente é a indústria da música, que, como todos sabemos, é uma merda.

É…
Ridícula.

Ridícula é uma excelente palavra para descrevê-la.
Sempre me considerei mais uma escritora do que qualquer outra coisa, eu faço música e tal, mas também mexo com um monte de outras coisas. Nunca fiz parte da indústria. Sempre tive minha própria gravadora e lancei minhas próprias coisas, hoje mal penso nisso… Só lanço coisas pra ter na banquinha de merchandising e pra download, baixe o que bem entender, eu não entro nesse joguinho.

O joguinho do streaming?
Prefiro dar minhas coisas de graça do que me meter com uma gravadora que… Ninguém quer saber disso, digo, então eu trabalho com selos italianos e espanhóis que fazem cópias limitadas com orçamento limitado e quem quer pode comprar aquilo e o resto vai pro Bandcamp, o esquema é esse. Eu não comecei a fazer o que faço porque achei que ia ganhar dinheiro com música.

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O que você faz por dinheiro, então?
Spoken word na maior parte do tempo, faço malabares, escrevo artigos, livros, faço curadoria de shows, exibições de arte, qualquer coisa, menos música! Apesar de que turnês fazem sucesso na Europa, então acabo viajando por lá duas vezes por ano. Quer dizer, durante grande parte da minha carreira fiz turnês na Europa.

Você prefere a Europa, então?
Prefiro pro quê? Prefiro fazer turnês lá porque isso é possível. Não tenho como fazer uma turnê grande nos EUA. Veja bem: a) é um país muito grande e é tudo muito complicado. Por exemplo, farei uma turnê com o Retrovirus em julho, mas sairemos daqui, passaremos por Boston, Rochester, Toronto, Cleveland, Chicago, você conhece esse círculo, que é como fazemos as coisas. Na Europa são de 20 a 30 shows, aqui já é dureza conseguir fechar 14 shows seguidos. Então acabo fazendo diversas outras coisas.

Você ainda mora na Espanha?
Não. Passei quase uma década lá e então fui nômade durante os últimos quatro anos, agora sosseguei em Park Slope acidentalmente por um tempinho, vejamos quanto tempo isso vai durar, mas não me considero presa a qualquer lugar ou pessoa. Já morei em Pittsburgh, Nova Orleans, Los Angeles por duas vezes, San Francisco, Londres, Barcelona. Não é que eu queria voltar e me acomodar aqui, mas tem gente com quem gostaria de trabalhar aqui e é conveniente caso queira ir para outro lugar e também que eu geralmente próspero em cima do que acho uma merda.

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Como assim?
Me refiro ao país, a estupidez que rola agora. Vivemos em tempos vulgares, então é bom que eu esteja aqui agora. Saí de Nova York em 1980 e voltei em 1984 e fui embora em 1990 porque tem outros lugares pra se viver, já que isso aqui não é a porra do centro do universo. Tem gente e coisas maravilhosas por todo lugar e acho que Nova York faz uma lavagem cerebral nos outros que acreditam ter que viver aqui, um lugar que é quase impossível de se sobreviver.

É bem difícil.
Pelo custo que pagamos pra morar aqui, os serviços são bem merda. O metrô é terrível, as ruas são uma bosta, nada funciona bem, nada funciona direito.

Quanto tempo você acha que vai durar aqui?
Vai saber, eu não planejo as coisas assim.

Como você se envolveu na produção de Venus Flytrap ?
Estava andando de carro com Adele em Los Angeles e ela falou sobre o projeto, de repente me peguei rindo e falando "Tô dentro!" e foi isso aí. Nos conhecemos desde 1977, já fizemos outros projetos juntas, já compomos juntas, participamos de filmes juntas no final dos anos 70, além disso, ela é uma pessoa com quem sempre mantive contato e a respeito porque ela é como eu. Nós duas fazemos várias coisas diferentes, somos teimosas e independentes e eu acredito mesmo que uma série como essas precisa ser feita. Nada demais, só parece algo natural, precisamos disso! De algo para garotas.

Por que a comparação com Spinal Tap?
Acho que é uma boa comparação ou então vale relacionar com The Mighty Boosh que eu gostava bastante e tinha uma trilha excelente. Adoro a trilha daquele programa. Além do que, hoje temos muitas comediantes, mas não existe nada nesse sentido feito com essa pegada e com esse tipo de gente no meio. Ela ter conseguido juntar todas essas meninas é ótimo.

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Sinto que o mais próximo que temos é Broad City.
Precisamos levantar alguns pontos sobre a indústria musical e como ela é ridícula e antiquada e também sobre as esperanças e visões de pessoas como as que estão envolvidas nisso, mulheres mais velhas, porque se não fizermos, teremos um troço. Tenho que fazer o que eu faço e se o seu sangue não ferve, não entre numa banda, não faça arte, vai estudar medicina. Sempre digo pra jovens músicos não entrarem nessa! É uma porra de um hobby, todo mundo devia ter um escape criativo, mas a gente precisa de mais médicos, de mais arquitetos. E tem muita gente boa por aí agora. Eu curto o Taiwan Housing Project, que conta com uma vocalista e uma guitarrista, elas são da Filadélfila. Cellular Chaos com Admiral Grey é incrível. Carla Bozulich do Evangalista também. Tem muita mulher foda por aí criando. Tem muita musicista de jazz boa na cena do Brooklyn, mas tudo isso é de quebrar o coração e você não terá sucesso. Se sua intenção é criar algo, vá em frente! Mas não crie expectativas no que isso vai dar, é um tiro no escuro. Nada está certo, ainda mais nos dias de hoje, mas no final das contas tudo que vemos aí está bastante homogeneizado.

Você acha que as coisas pioraram?
Não sei, nunca fiz parte do mainstream, então pra mim não está muito diferente de antes. Sempre foi uma bosta. As pessoas perguntam "como você não se vendeu?" Vender o que? A verdade? Ninguém quer saber dela, quanto mais comprá-la, do que que você tá falando? Não dá pra comercializar isso [Lydia aponta para si], o que eu sou. As pessoas veem meu olhar e pensam "beleza, não dá pra convencer ela a fazer o que eu quero". Além do que, pra mim e pessoas como Adele, como fazemos tantas coisas diferentes, não dá pra sair tocando o mesmo disco por três anos. Gravei e lancei quatro discos ano passado, mas quem liga? Só eu e quem vai no meu Bandcamp. Nenhuma empresa quer que você produza tanto assim, ninguém quer isso! Você tem que tocar um disco por 20 anos e se não quiser, que vá à merda. Eu não sou domesticada, saca?

Você sente que as pessoas dentro da indústria são domesticadas?
São uma panelinha capitalista. Não se interessam por mim e por que o fariam? Como você vai me vender? O que vai vender, pra começo de conversa? Esquizofrenia musical? Esse é o meu lance, mas como você vai vender algo… Cada disco que lanço soa extremamente diferente quando comparado ao anterior. Não dá pra vender isso, e por isso agora comecei o Retrovirus, já que ninguém ouviu meus quarenta anos de música, meio inacreditável isso, comecei a fazer essa retrospectiva, já que quase tudo que compus nunca nem toquei ao vivo.

Eu trabalho de forma conceitual, tenho um conceito, escolho aquilo que melhor combina com o conceito, faço um disco e muitas vezes não faço uma turnê pra ele porque não teria porque e pulo pra próxima obra. Mas depois de acumular tanta música, acabei encontrando as pessoas certas que podem dar vida nova a estes sons e tem sido bem divertido! Até porque estamos fazendo umas paradas bem bizarras. É ótimo ver aquelas meninas de 20 e poucos anos ali na frente do palco que sabem as letras, isso me impressiona, "como elas sabem essas porras? Fico feliz e agradecida". Seja lá o que for, fico feliz que elas apareçam. Não tenho como falar sobre o que vejo e faço, eu só faço o que faço e é isso que continuo a fazer.

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