Por dentro do grupo de WhatsApp de eleitores do Cabo Daciolo
Montagem: Julia Reis/ Foto: Câmara dos Deputados

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Politică

Por dentro do grupo de WhatsApp de eleitores do Cabo Daciolo

“Irmãos, no caso da Terceira Guerra Mundial, vocês acham que a solução seria construir um bunker ou fugir para o monte?”

Muito falado depois de revelar a Ursal em rede nacional, Cabo Daciolo conseguiu a difícil missão de se destacar como o presidenciável mais caricato das eleições 2018. Sua postura teatral foi quase perfeita: com bíblia ao alto, o candidato do Patriotas vociferou contra a política nacional, apresentou ideias genéricas para salvar o país, disparou conspirações aos quatro ventos e, como se ele próprio fosse vítima de perseguidores, fugiu para jejuar no monte.

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Em qualquer outro país Daciolo talvez não tivesse destaque. Por aqui, porém, suas ideias amalucadas ganharam manchetes de jornais e muitos memes. Nem mesmo sua trajetória como líder na greve dos bombeiros em 2011 no Rio de Janeiro e seu mandato como deputado federal pelo PSOL tiveram tanta repercussão quanto suas performances como presidenciável. O show parece ter surtido efeito. Nas últimas pesquisas, Daciolo aparece com 1% das intenções de voto, à frente de figuras mais conhecidas, como Guilherme Boulos, do PSOL, e Eymael, do DC.

Mas quem são os eleitores arrebanhados pelo pastor bombeiro? O que de fato eles pensam sobre esse quixotesco líder? Depois de assistir uma das lives dele no Facebook jejuando ao lado de uma fogueira, decidi investigar. Bastaram algumas mensagens para eu ser convidada para o local onde seus eleitores se comunicam: o grupão do WhatsApp.

Em menos de duas horas no grupo, mal conseguia acompanhar as mil mensagens por hora enviadas pelos 170 membros ativos. Confesso que tive grande dificuldade para entender os papos de primeira, mas fui me animando a partir de montagens de fotos do presidenciável em meio a citações bíblicas em letra cursiva com críticas a Bolsonaro e à maçonaria.

Pois é: para o público que simpatiza com Daciolo, o seu maior inimigo eleitoral é Bolsonaro. A toda hora o eleitorado prega que o discurso do candidato pelo PSL vai contra as ideias cristãs. Para eles, Bolsonaro é o falso Messias; Daciolo, o novo Davi que veio salvar a nação brasileira.

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Mensagens como “no debate, Bolsonaro falou que não vai ter demarcação indígena, mas ele esqueceu que os índios são patrimônio público” e “não usamos armas carnais mas sim espirituais” congestionaram meu celular de mídias e comparações entre Jair e o anticristo. Apesar de suas ideias conservadoras, os daciolinhos, como se chamam entre si, não se vêem em lados ideológicos de esquerda ou direita. Segundo eles, o lado que tomam “é de Jesus Cristo”.

Foto: Reprodução

Todos daciolinhos são muito parecidos: patriotas e evangélicos. Isso, porém, não os impede de entrar em confronto. Isso foi bem ilustrado quando um candomblecista se identificou no grupo. A administradora o removeu do clubinho na hora. Tudo isso rendeu extensos minutos de discussão com a galera pistola que resolveu cobrar a mulher. Pediram para que o colocasse de volta, senão também sairiam do grupo. Depois disso, dez pessoas deixaram nosso time.

Pelas manhãs seguintes, meu celular apitava desesperadamente com mensagens de “Força Daciolo! Meu número é 51, bom dia!”. Por lá também surgiam conselhos para os fiéis não entrarem em debates, e sim em orações. Fãs mais fervorosos salientavam que o fato de Ciro Gomes e Jair Bolsonaro estarem hospitalizados não passava de sinal para que a profetização se cumprisse: o candidato do Patriota seria eleito. A partir dessa tese, todos passaram a traçar o plano para que Daciolo chegasse aos 10% e fosse pro segundo turno.

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Além das táticas e telefonemas ao gabinete do ex-deputado, os membros do grupão também organizam a própria pesquisa eleitoral em site de enquete. Na última divulgada, Daciolo estava em primeiro lugar com 82,6% (!), ou seja, seria eleito no primeiro turno. Aos cliques animados haviam também mensagens de incentivo do tipo: “mandem para seus amigos e vamos votar, daciolinhos”.

Foto: Reprodução

Quando o grupo se acalma, costumam surgir também discussões quase filosóficas. No meio da tarde, uma senhora perguntou: "Irmãos, no caso da Terceira Guerra Mundial, vocês acham que a melhor solução seria construir um bunker ou fugir para o monte?". Na mensagem seguinte, linkou vídeo que fazia parte de uma playlist no YouTube em que um cara constrói um bunker do zero.

Embora as discussões sejam bem movimentadas, a quantidade imensa de áudios e discussões giram em torno dos mutirões e interações com o Cabo. O motivo: pedir as tãos esperadas lives no Facebook. Na última vez que fez uma live, havia 546 mil pessoas ao vivo. Muitas delas usavam os comentários para divulgar o grupão.

Nesse tempo em contato com o grupo, vi muita gente que não tem esperança na velha política e não se deixa levar pelo papo religioso com fundo violento. Daciolo se encaixa bem como solução para eles. O carioca é alguém que ama as mulheres brasileiras, é contra a violência e exalta Deus. Ao mesmo tempo é o cara que crê que o criminoso deverá conhecer a Cristo e os homossexuais devem orar para que se curem. Seus poucos eleitores aplaudem. Em suma, o eleitor de Daciolo também é defensor da família tradicional. A diferença é que possui algo que não cai bem no discurso de Bolsonaro e seus asseclas: a piedade.

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